Edição 354 | 20 Dezembro 2010

Niilismo: desespero e superação

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Por Márcia Junges

Brasileiros têm um “relativismo infiel”, e a estrutura social oligárquica fomenta a relativização das normas e, consequentemente, o clientelismo, aponta o filósofo Luiz Filipe Pondé

Para o filósofo Luiz Filipe Ponde, o “niilismo é um conceito mais grave e amplo do que relativismo, porque implica tanto no desespero deste quanto numa possível superação em direção a utopias como a nietzschiana, mas que pode representar em algum grau uma espécie de saída psicoterapêutica”. Questionado se havia alguma peculiaridade no caso do niilismo e relativismo brasileiros, respondeu: “Antropólogos afirmam que os índios brasileiros sempre foram dados a conversões superficiais... Diante do padre eram católicos, longe dele, voltavam aos seus deuses... Somos assim, de um relativismo infiel... Além disso, a estrutura social bastante oligárquica produz um viés de relativização das normas a favor do clientelismo. Mas, fora isso, penso que sofremos do mesmo tipo de relativismo típico da modernização avançada”. As afirmações fazem parte da entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line.

Pondé leciona no Departamento de Teologia da PUC-SP e na Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Álvares Penteado. Graduado em Medicina pela Universidade Federal da Bahia e em Filosofia Pura pela USP, é mestre em História da Filosofia Contemporânea pela USP e em Filosofia Contemporânea pela Université de Paris VIII, França. Doutor em Filosofia Moderna pela USP e pós-doutor pela Universidade de Tel Aviv, Israel, escreveu O homem insuficiente (São Paulo: Edusp, 2001); Crítica e profecia. Filosofia da religião em Dostoievski (São Paulo: Editora 34, 2003); Conhecimento na desgraça. Ensaio de epistemologia pascaliana (São Paulo: Edusp, 2004); e Do pensamento no deserto, que será em breve lançado pela Edusp.

Confira e entrevista.


IHU On-Line - O que explica o niilismo ético e o relativismo de valores que presenciamos no século XXI?

Luiz Filipe Pondé -
A modernização avançada implica velocidade, rearranjo de modos de vida, mais viagens que produzem comparações de comportamento, avanços das ciências pondo em cheque os modos de enfrentamento da vida via tradição, mídia e redes sociais que instigam novos comportamentos e novas práticas de vida. Niilismo é um conceito mais grave e amplo do que relativismo, porque implica tanto no desespero deste quanto numa possível superação em direção a utopias como a nietzschiana, mas que pode representar em algum grau uma espécie de saída psicoterapêutica, como ele mesmo pensava de certa forma. Isto é, tornar-se um tanto desligado do desespero que busca sentido na vida.


IHU On-Line - Há peculiaridades desse relativismo no caso da sociedade brasileira? Quais seriam elas?

Luiz Filipe Pondé -
Antropólogos afirmam que os índios brasileiros sempre foram dados a conversões superficiais... Diante do padre eram católicos, longe dele, voltavam aos seus deuses... Somos assim, de um relativismo infiel... Além disso, a estrutura social bastante oligárquica produz um viés de relativização das normas a favor do clientelismo. Mas, fora isso, penso que sofremos do mesmo tipo de relativismo típico da modernização avançada.


IHU On-Line - Qual seria o solo comum para o entendimento dos seres humanos numa sociedade com essas características niilistas?

Luiz Filipe Pondé –
Essa questão é muito vasta quando tratada fora de âmbito pastoral ou político partidário. Penso que numa primeira apresentação, talvez, um campo comum seja o respeito pelas normas públicas, pouca invasão da vida privada pelo Estado, não confundirmos política com moral, multiplicidade religiosa (se não discutirmos muito as crenças de cada um...), respeito pela propriedade privada, mais cuidado com os desfavorecidos. Acho que o solo comum deve ser a busca de não termos um solo comum muito vasto, no sentido de deixarmos as pessoas viverem de modo a acomodarmos as diferenças, tendo ao nosso favor os hábitos cotidianos que tendem a produzir solos comuns, frutos da ação humana, e não de projetos racionalistas humanos.


IHU On-Line - Que espaço tem a solidariedade e a ética no contexto do niilismo?

Luiz Filipe Pondé –
A ética é sempre uma tentativa de domá-lo; também como aposta nietzschiana em sermos responsáveis por nós mesmos e menos ressentidos. Solidariedade é sempre uma possibilidade quando não estamos de mau humor.


Leia mais...

>> Luiz Filipe Pondé já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Confira.

* A mística judaica. Publicada na edição 133 da Revista IHU On-Line, de 21-03-2005

* Parricídio, niilismo e morte da tradição. Publicada na edição 195 da Revista IHU On-Line, de 11-09-2006

* A fé é dada pela graça. Publicada na edição 209 da Revista IHU On-Line, de 18-12-2006

* A Teologia da Libertação: será que ela não crê demasiadamente nas promessas modernas e na sua gramática hermenêutica? Publicada na edição 214 da Revista IHU On-Line, de 02-04-2007

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