Edição 353 | 06 Dezembro 2010

Televisão e interesse público

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Carine Prevedello

O segmento das emissoras públicas reúne, no Brasil, uma multiplicidade de caracterizações e finalidades que acabam por delinear esse grupo em torno da complexidade de configurações. São consideradas televisões públicas, de acordo com os Ministérios da Educação, Cultura e Comunicação, as emissoras educativas, estatais, universitárias, comunitárias, e as ligadas aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Se os canais comerciais têm um vínculo obrigatório com a manutenção de patrocinadores, o que está, por sua vez, relacionado ao perfil dos programas, os canais públicos tornam-se o meio de suprir a demanda por programação educativa, cultural, científica e relacionada à cidadania. É coerente, por essas características, considerá-las como televisões de interesse público, também por estarem relacionadas a temas de interesse coletivo. Entretanto, assim como a noção de interesse público, as formas de organização e de financiamento das emissoras públicas carregam consigo uma série de imposições que significam limitações à independência editorial e produção alternativa.

A posição da Economia Política Crítica aponta a contradição entre a propriedade privada dos meios de comunicação e a característica de serviço público que este setor presta, especialmente na produção de bens simbólicos. No entanto, esse é um debate que está associado, do ponto de vista teórico, a questões ainda não resolvidas.

Consideradas segundo uma lógica de concorrência capitalista, sobre a qual repousa uma tímida regulamentação que, ao invés de assegurar espaços de interesse público, preserva privilégios hereditários e de classe no sistema de concessões políticas, emissoras vinculadas ao Estado, à sociedade civil e a entidades privadas dividem um espectro eletromagnético de propriedade pública e concessão estatal (nível federal de governo). Há, neste cenário, o reconhecimento de três modelos estruturais: as organizações comerciais, que atendem à finalidade de lucro e são de propriedade privada, as organizações público-estatais, vinculadas ao Estado (somadas às mídias dos poderes), e ainda as organizações não comerciais, onde se localizam as emissoras mantidas por entidades de direito privado, mas sem finalidade lucrativa, ou a associações da sociedade civil.
Entre aquilo que se denominam organizações não comerciais, situam-se os canais controlados por entidades filantrópicas ou sem finalidade lucrativa. Ainda, entretanto, que não apresentem finalidade comercial por determinação legal, muitas dessas emissoras são exploradas com fins de marketing privado ou institucional, o que reduz sua legitimidade enquanto televisões de interesse público, especialmente no caso das comunitárias. No segmento das TVs público-estatais, localizam-se as vinculadas, exploradas e mantidas pelo Estado, com orçamento público e administração exercida por instituição estatal. Enquadram-se neste segmento também as televisões operando como sociedades de economia mista, como é o caso da TV Cultura de São Paulo e, mais recentemente, da TV Brasil.

A discussão do interesse público confrontando o interesse privado é outro foco de debate pertinente à dicotomia entre televisões públicas e comerciais. De um lado, apreende-se o conceito de interesse privado como finalidade ou objetivo intrínseco às atividades e organizações de propriedade privada. Estão, de uma forma bastante objetiva, comprometidos com um interesse que é individual, restrito à pessoa ou grupo, e não à coletividade. Por outro lado, o conceito de interesse público, por ser difuso e estar associado à pretensão de definir valores coletivos, encontra uma série de resistências em nível de definição teórico.
Frente à dificuldade de se obter consenso acerca de uma teorização sobre interesse público, são úteis as ponderações da área do Direito, que associa o conceito aos princípios norteadores da administração pública, previstos na Constituição Federal, e ao princípio da utilidade pública como caracterizador das entidades às quais se aplicariam as previsões relacionadas ao interesse público. “A utilidade pública é a finalidade própria da administração pública, enquanto provê à segurança do Estado, à manutenção da ordem pública e à satisfação de todas as necessidades da sociedade” , considerando-se os serviços de comunicação como direito à informação e à cultura.

A relação da comunicação como serviço público também está embasada na associação dos direitos sociais e culturais com a concepção da centralidade do direito à informação para o exercício da cidadania. “A mídia exerce um papel fundamental no exercício da cidadania nas democracias modernas. Não só nas questões diretamente políticas, [...] o acesso aos espaços comunicacionais acaba sendo fundamental no processo de publicização”, ressalta Brittos.  É uma reflexão que encontra consonância no pensamento de Gentilli, que identifica nas funções de publicização das campanhas governamentais de saúde, educação e saneamento, assim como de divulgação de estratégias para valorização das peculiaridades regionais e integração cultural, atividades essenciais desenvolvidas pelos meios de comunicação na promoção do direito à informação: “nas sociedades modernas, estruturadas como democracias representativas, todos os direitos em alguma medida relacionam-se com o direito à informação.”

Dados esses argumentos, propomos cercar a noção de interesse público alinhada às organizações de comunicação como um arcabouço de valores adaptado mais coerentemente às instituições público-estatais em função da atenção aos princípios constitucionais regentes da administração pública e ao reconhecimento do direito à informação como premissa para a efetivação dos demais direitos.

 

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