Edição 352 | 29 Novembro 2010

Consumismo e individualismo generalizados na sociedade brasileira

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Graziela Wolfart

Waldir Quadros acredita que a perda de dinamismo nos estratos melhor situados da classe média deve estar refletindo as debilidades estruturais da nossa economia

Na opinião do economista Waldir Quadros, “o surgimento de uma nova classe média no Brasil vem sendo associado ao vigoroso processo de redução da miséria e da pobreza que ocorre desde 2004, quando tem início a fase de crescimento econômico mais robusto”. Ele concedeu a entrevista que segue à IHU On-Line por e-mail, onde ilustra o padrão de vida da chamada baixa classe média, que seria aquele “dos professores do ensino fundamental, dos balconistas do comércio, dos caixas de supermercado, dos auxiliares de enfermagem, dos auxiliares de escritório, dos trabalhadores com alguma qualificação, etc.”. Para o professor, “o consumismo e o individualismo generalizaram-se na sociedade brasileira nas últimas décadas, num quadro de enfraquecimento dos valores da cidadania, da solidariedade, da igualdade, do espírito público republicano, etc.”.

Waldir Quadros possui graduação em Economia pela Universidade de São Paulo - USP, e mestrado e doutorado em Ciência Econômica, pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, onde, atualmente, é professor associado do Instituto de Economia.


Confira a entrevista.

IHU On-Line - O que caracteriza e como emerge a nova classe média brasileira surgida com o lulismo? Qual a importância das políticas sociais e do aumento do salário mínimo para a constituição desse novo perfil ou camada social?


Waldir Quadros -
De um modo geral, o surgimento de uma nova classe média no Brasil vem sendo associado ao vigoroso processo de redução da miséria e da pobreza que ocorre desde 2004, quando tem início a fase de crescimento econômico mais robusto. Em primeiro lugar, este importante progresso social repousa fundamentalmente no próprio crescimento econômico mais expressivo, que dinamizou o mercado de trabalho e ampliou bastante as oportunidades de geração de emprego e renda. Em segundo, temos a contribuição decisiva da manutenção e avanço da recuperação do poder de compra do salário mínimo, com forte repercussão na base do mercado de trabalho, e cujo alcance foi ampliado pela expansão do emprego formal. Por outro lado, o aumento do salário mínimo também impactou significativamente nos benefícios previdenciários e sociais reforçando bastante o movimento de redução da miséria. Por fim, as políticas de transferência de renda, particularmente o programa Bolsa Família, complementam este processo ao oferecer assistência social aos segmentos mais vulneráveis e, de certa forma, à margem dos progressos ocorridos no mercado de trabalho. Em seu conjunto, estes avanços ocorridos na base da sociedade dinamizaram bastante o mercado de consumo popular, realimentando o processo e despertando o interesse das empresas e profissionais que o abastecem com mercadorias e serviços.

A estrutura social

No que diz respeito à estrutura social, os dados apontam que este duplo movimento de ampliação das oportunidades para os segmentos populares e de redução da miséria resultou basicamente no crescimento da massa trabalhadora (pobre) e da baixa classe média (remediada) . Para ilustrar, o padrão de vida desta baixa classe média é aquele dos professores do ensino fundamental, dos balconistas do comércio, dos caixas de supermercado, dos auxiliares de enfermagem, dos auxiliares de escritório, dos trabalhadores com alguma qualificação, etc. Entretanto, para o expressivo contingente de pessoas que no início deste processo já se encontravam na baixa classe média, as oportunidades de ascensão foram muito mais restritas, uma vez que a expansão da média classe média foi menos significativa e a alta classe média ficou estagnada. Em nossa avaliação, esta perda de dinamismo nos estratos melhor situados da classe média deve estar refletindo as debilidades estruturais da nossa economia, particularmente no que diz respeito aos constrangimentos que se verificam na indústria, nos serviços produtivos e no desenvolvimento científico e tecnológico de um modo geral. E estes obstáculos a um desenvolvimento mais avançado e com melhores oportunidades ao trabalho mais qualificado e melhor remunerado, em grande medida, resultam da política de juros elevados e câmbio valorizado que estimulam as importações e penalizam a produção nacional.

IHU On-Line - Já em 2008  o senhor considerava a nova classe média individualista e consumista. Mantém essa posição? Acredita que ela seja também conservadora? Em que medida o contexto social favorece um possível conservadorismo?

Waldir Quadros - O consumismo e o individualismo generalizaram-se na sociedade brasileira nas últimas décadas, num quadro de enfraquecimento dos valores da cidadania, da solidariedade, da igualdade, do espírito público republicano, etc. O conservadorismo também está profundamente arraigado em nosso meio social, porém necessita ser melhor qualificado, o que escapa um pouco do meu campo de atuação profissional. Em termos gerais, ele é identificado à manutenção de privilégios e de situações em que se tira proveito da desigualdade. Estas mazelas não estão restritas às elites e, em maior ou menor grau, afetam igualmente as camadas intermediárias e mesmo as populares. O professor André Singer recentemente ofereceu interessante contribuição a esta problemática, caracterizando o conservadorismo popular como o respeito à ordem, em que as mudanças são bem-vindas, mas devem ocorrer sem conflitos . Um outro ângulo de análise que me parece relevante diz respeito aos impactos nas camadas melhor situadas da classe média decorrentes da redução da miséria e da pobreza. Este assunto, sem dúvida, merece uma reflexão mais cuidadosa e demorada, porém um aspecto que se destaca de imediato é o mal estar provocado pelo relativo encarecimento dos serviços pessoais, particularmente o trabalho doméstico. Para muitos é igualmente perturbador o surgimento de amplos contingentes de novos consumidores em ambientes anteriormente mais seletivos, como é o caso dos aeroportos. Sem falar dos empresários que dependem de mão de obra mal remunerada para assegurar suas margens de lucro e padrão de vida diferenciado. Estes rápidos exemplos nos parecem suficientes para ilustrar as dificuldades envolvidas na promoção de avanços sociais numa sociedade que se estrutura e funciona com base na desigualdade. Envolve profunda mudança de valores e reorganização da vida das pessoas e famílias, apontando para a urgência de uma atenção especial por parte dos intelectuais, homens públicos, educadores, formuladores de políticas sociais e todos aqueles preocupados com a construção de uma sociedade mais justa e democrática.

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