Edição 352 | 29 Novembro 2010

O lulismo como uma regressão

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Graziela Wolfart

Para Francisco de Oliveira, Lula aprofundou o que ele mesmo chamou de “herança maldita” de FHC. “Lula, na verdade, não é estatizante; ele é um privatista”, dispara

Na opinião do sociólogo Francisco de Oliveira, o fenômeno conhecido como lulismo não é responsável pela formação de uma nova classe social no Brasil. Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, o professor argumenta que Dilma Rousseff “governará de forma muito difícil, porque ela não tem a cancha política do Lula, nem a experiência política que todos insistem em chamar de carisma. Lula está nos holofotes da mídia há 40 anos. A Dilma não tem essa trajetória, nem esse perfil, e encontra-se, por isso, desprotegida no meio de um sistema partidário que não vale coisa nenhuma, mas é apetitoso em termos de cargos e funções. Será um mandato mais difícil do que o de Lula. Ela mesma abriu o flanco para isso ao tornar-se candidata sendo tirada do bolso do colete de Lula. Esse sistema que chamam de ‘presidencialismo imperial’ no Brasil é muito danoso politicamente, não especificamente por causa da presidente eleita. Qualquer um que cair ali sofre isso”. Para Chico de Oliveira, Lula será lido, no futuro, como o “neoliberalismo levado às últimas consequências”, no sentido de impor padrões privatistas à economia brasileira. “Todo mundo acha que ele é estatizante e não é coisa nenhuma. Está reforçando os grandes grupos monopolistas nacionais através do dinheiro público”, defende.

Francisco de Oliveira formou-se em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia da Universidade do Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. É professor aposentado do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo – USP.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Por que o senhor considera o lulismo uma regressão política e os mandatos de Lula uma hegemonia às avessas?

Francisco de Oliveira – Considero uma regressão porque ele fez a política voltar para o culto da personalidade. As democracias mais modernas não têm esse culto da personalidade. Isso é anticidadão. Lula deveria ter aprendido, como ele veio “de baixo”, que todos os cidadãos são iguais, não só perante a lei, mas perante as possibilidades e as perspectivas que o mundo oferece. O mandato que Lula recebeu foi para reverter o que ele mesmo chamava de “herança maldita” de Fernando Henrique Cardoso, e ele não fez isso. Aprofundou na direção do privatismo os negócios públicos, o que já era característica do governo FHC. Ele foi mais longe. Lula, na verdade, não é estatizante; ele é um privatista.

IHU On-Line - Que tipo de classe média surge com o lulismo? Quais seus valores?

Francisco de Oliveira – Não surge classe nenhuma. Isso é ligeireza de alguns jornalistas, sobretudo do professor André Singer, que tem sido o interlocutor mais disposto, do lado petista, a debater o tema intelectualmente. Uma classe social não se forma assim. São estratos que a técnica de pesquisa em estratificação social criou, mas não classes. Uma classe social é algo muito mais complexo e profundo. O lulismo não traz nenhuma novidade do ponto de vista de classe. Tivemos uma elevação econômica que fez com que um determinado estrato social pudesse ter acesso a bens e serviços que não tinha antes, como o crédito bancário mais facilitado, sem aquelas enormes exigências de cadastro, e como a compra muito facilitada de bens duráveis de consumo. Isso é uma novidade no Brasil, no sentido de que o capitalismo agora pode propiciar o acesso a esse tipo de bens. Mas isso não forma uma classe social sozinha. Não é uma façanha do capitalismo brasileiro. Na Europa ocidental, todo o proletariado tem acesso a esses bens. A questão dos valores realmente se altera, como vitória do capitalismo.

IHU On-Line – O senhor acredita que a liberação de crédito pode gerar uma crise social no futuro?

Francisco de Oliveira – Não. Não gera crise social nenhuma. O crédito como porcentagem do PIB no Brasil é muito baixo, não chega a 60%. Nos Estados Unidos é de 180%. E na Europa não chega às proporções norte-americanas, mas é mais de 100%. O crédito faz parte do funcionamento do sistema capitalista. Quem quiser entender isso, é só pegar o terceiro volume de O Capital, do velho Marx, que está lá. O crédito é capital.

IHU On-Line - Quais as implicações sociais do fenômeno lulismo?

Francisco de Oliveira – Trata-se de uma regressão política, porque traz a política novamente para o colo do paternalismo. Lula usou imagens dele, em metáforas, ou se referindo a futebol ou à família. A política deu um passo atrás.

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