Edição 350 | 08 Novembro 2010

Os impactos socioambientais das hidrelétricas

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Márcia Junges

Desmatamentos, inserção de espécies exóticas no ecossistema, desalojamento de populações ribeirinhas e inúmeras perdas econômicas e ambientais estão entre os impactos causados pela construção de hidrelétricas, afirma o geólogo Roberto Naime

“Poluição das águas, contaminações e introdução de substâncias tóxicas nos reservatórios pela lixiviação de pesticidas, herbicidas e fungicidas nas plantações existentes no interior da bacia hidrográfica”, além de “introdução de espécies exóticas nos reservatórios, em desequilíbrio com os ecossistemas da bacia hidrográfica” e, para arrematar, “remoção de mata ciliar em tributários ou no próprio canal de drenagem principal”. Esses são alguns dos efeitos da construção das hidrelétricas, avalia o geólogo Roberto Naime, em entrevista à IHU On-Line, por e-mail. Em seu ponto de vista, “pelo excessivo desequilíbrio gerado pela última eleição, a tendência do novo governo talvez não passe pela consertação social que seria necessária” sobre o tema da construção de grandes hidrelétricas como as de Belo Monte e Madeira. O pesquisador estará no Instituto Humanitas Unisinos – IHU nesta quinta-feira, 11-11-2010, debatendo o tema Impactos socioambientais das hidrelétricas: uma visão local e nacional.


Roberto Naime é graduado e mestre em Geociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É doutor em Geologia Ambiental pela Universidade Federal do Paraná.  Atualmente, é professor na Universidade Feevale. É autor de Impactos ambientais no agronegócio (Cuiabá: Ecos de Cuiabá, 2007) e Gestão de Resíduos Sólidos – uma abordagem prática (Novo Hamburgo: Editora Feevale, 2005), entre outros.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quais são os principais impactos socioambientais das hidrelétricas em termos locais e nacionais?


Roberto Naime -
Por maiores que sejam os impactos nos meios físico ou biológico, é talvez sobre o meio antrópico ou socioeconômico que ocorram os maiores impactos e, ao mesmo tempo, os mais difíceis de resolver. Citarei alguns exemplos:
1.    remoção e relocação de populações com vínculos históricos com os processos de uso e ocupação da paisagem (GOLDSMITH, 1984);
2.    perda de plantios perenes e explotações permanentes (JERONYMO, 2007);
3.    modificações de redes de relações e cooperação com quebra de sinergia entre ocupantes de espaço paisagístico;
4.    redefinição do conjunto de relações hierárquicas que define o geobiossistema local da bacia hidrográfica;
5.    perda de benfeitorias, plantações e áreas agricultáveis ou alagadiças com microecossistemas;
6.    quebra de paradigmas existenciais resultantes da rede de relações históricas locais;
7.    impactos variados sobre a rede complexa de semiótica e simbologia que representa a teia histórica local;
8.    implantação de novos paradigmas axiológicos determinados pela nova rede de relações econômicas locais.
Poderíamos nos estender bastante mas nem é necessário. É possível perceber a importância e a complexidade do que ocorre com as populações atingidas.

IHU On-Line - Em termos biológicos, quais são os impactos mais significativos?

Roberto Naime - Em termos biológicos os impactos são inúmeros e podem ser listados conforme abaixo, o que não quer dizer que ainda não ocorram outros impactos específicos em função das peculiaridades locais.
1.    Poluição das águas, contaminações e introdução de substâncias tóxicas nos reservatórios pela lixiviação de pesticidas, herbicidas e fungicidas nas plantações existentes no interior da bacia hidrográfica (FREEDMAN, 1995; GREENBERGS, 1992);
2.    introdução de espécies exóticas nos reservatórios, em desequilíbrio com os ecossistemas da bacia hidrográfica;
3.    remoção de mata ciliar em tributários ou no próprio canal de drenagem principal;
4.    incremento desordenado de pesca predatória, por pescadores profissionais ou atividades de lazer;
5.    elevação do material em suspensão na água devido a atividades agrícolas, com efeitos sobre flora e fauna;
6.    uso excessivo e descontrolado de equipamentos de recreação que interferem na fauna aquática;
7.    deterioração das margens por assentamentos urbanos ou rurais não planejados;
8.    drenagem e eventual remoção e destruição de áreas alagadas e ecossistemas específicos (HYNES, 1979);
9.    ocorrência de eutrofização pelos ciclos de nitrogênio e fósforo e pela contaminação por lixiviados de fertilizantes (HARPER, 1992);
10.    remoção ou alteração em espécies de relevante importância dentro da cadeia alimentar dos ecossistemas locais da bacia hidrográfica;
11.    desmatamentos em geral e perda da vegetação característica de áreas de inundação (HENRY, 1989);
12.    modificações ambientais transformando ambientes lóticos em bênticos com alterações drásticas da fauna aquática e do equilíbrio dos ecossistemas dentro da bacia hidrográfica;
13.    implantação de barreira física para migrações sazonais de espécies faunísticos, perturbando o equilíbrio do ecossistema;
14.    preenchimento rápido do reservatório sem a retirada florestal que, quando se decompõe, torna o pH da água mais baixo e libera na atmosfera grande quantidade de metano;
15.    diminuição do sequestro de carbono pela vegetação inundada, contribuindo para aumentar o efeito estufa.

IHU On-Line - No RS, quais são as hidrelétricas já construídas e por construir que considera ser as maiores causadoras de impactos nos diferentes aspectos?

Roberto Naime - Quem trabalha no meio acadêmico não acompanha de forma sistêmica o que está ocorrendo em termos de obras de infraestrutura. Assim, sempre se corre o risco de omitir coisas importantes ou ressaltar obras que nem representem mais os maiores problemas. Mas em tese podemos dizer que todas as barragens ou reservatórios do estado, em maior ou menor escala, se enquadram nos impactos socioambientais gerais. O Brasil tem desenvolvido uma grande capacidade de utilização dos recursos hídricos superficiais, mas isto tem sido feito sem qualquer análise da sustentabilidade. Prevalecem os interesses econômicos e sociais, e até mesmo ecológicos, mas com carência de estudos hidrológicos. Alguns destes reservatórios de água têm planejamento inicial e preocupação com inserção regional, mas falta atividade sistêmica e formação de plataformas de dados que possam subsidiar sistemas de desenvolvimentos futuros nestas bacias hidrográficas. Os reservatórios oscilam desde pequenos barramentos com 1 milhão de m3 até reservatórios de 100 a 200 bilhões de m3 de água.

Grandes obras


Não ocorre uma preocupação maior com a fase do sistema hídrico em utilização. Os rios podem ser jovens, em suas nascentes, cujas características são a alta declividade, os vales encaixados e as pequenas áreas inundadas. No Brasil das grandes obras, esta fase das drenagens nunca interessou muito porque ela geraria pequenas hidrelétricas, que quer dizer pequenas obras e isto não interessava muito aos empreiteiros. O fato de o sistema de drenagem nesta fase produzir os menores impactos ambientais nunca foi motivo suficiente para nada.
A cidade de Barcelona, na Espanha, é abastecida de energia elétrica com um sistema de pequenas barragens com descarga de fundo que tem tempo de vida útil ilimitado. Descarga de fundo é um sistema mecânico que permite a saída da siltagem acumulada no fundo da barragem devido à precipitação das argilas e siltes  suspensos na água, que tendem a decantar em recursos hídricos sem movimento. Ou seja, nós temos em todo Brasil, indistintamente, que alterar nossos paradigmas e interesses econômicos e políticos que não atendem à maior parte dos interesses das populações.

IHU On-Line - Como espera que seja a condução do novo governo federal sobre a construção de grandes hidrelétricas como as de Belo Monte e do Rio Madeira?

Roberto Naime – Falarei do ponto de vista de cidadão. Eu gostaria que os empreendedores, dentre eles o governo, tivessem maior preocupação em realizar uma concertação social local que atendesse aos interesses dos índios, das populações ribeirinhas e até de madeireiros, e não ficasse apenas preocupado com a questão macroeconômica de potência instalada. De repente, por causa das necessidades de energia do setor industrial no centro sul do país, podem acabar impactadas populações ribeirinhas, indígenas ou outras populações locais, de forma desnecessária. Mas isto é um desejo de cidadão, não uma previsão. Pelo excessivo desequilíbrio gerado pela última eleição, a tendência do novo governo talvez não passe pela consertação social que seria necessária.

IHU On-Line - Como avalia a condução do reassentamento das comunidades indígenas e demais populações ribeirinhas em função da construção dessas barragens?

Roberto Naime - Minha experiência é apenas prática e nesta dimensão posso assegurar que este é o maior impacto. A solução deste enorme problema, que significa cultura local, escala de valores, rede de símbolos, sinergia gerada por redes de cooperação e uma quantidade enorme de fatores que se poderia citar, tem sido relegados a uma mera apreciação de valor econômico através de mediações que entendem esta linguagem, mas são carentes de outras formas de conhecimento que, com certeza, seriam mais importantes.

Leia mais...

>> Roberto Naime concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Acesse na página eletrônica do IHU (www.ihu.unisinos.br)

•    Os prejuízos dos lava-jatos para o meio ambiente. Entrevista publicada nas Notícias do Dia 29-09-2010;
•    Hidrelétricas no Rio Grande do Sul. Impactos sociais e ambientais. Revista IHU On-Line 341, de 30-08-2010.

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