Edição 350 | 08 Novembro 2010

Brasil não deve depender de “poupança” externa

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Graziela Wolfart, Márcia Junges e Patricia Fachin

Para o economista Fernando Ferrari, nosso país só pode ter uma trajetória de “crescimento econômico sustentável, estabilidade monetária e equilíbrio externo” se não depender de “poupança” externa

“O regime de dominância monetária impõe, ao país, a armadilha do câmbio. É melhor enfrentarmos logo tais questões, pois, caso, contrário, os desequilíbrios externos serão ainda maiores (a previsão otimista para 2011 é de que teremos um déficit em transações correntes da ordem de 65,0, bilhões de dólares)”. A ponderação é do economista Fernando Ferrari Filho, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.
Fernando Ferrari Filho é graduado em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, doutor em Economia pela Universidade de São Paulo – USP, e pós-doutor pela University of Tennessee System (1996).


Confira a entrevista.

IHU On-Line - O FED anunciou que irá comprar 600 bilhões de dólares americanos em títulos do Tesouro para reestimular a economia americana. Como avalia essa medida? Quais os efeitos disso para a economia estadunidense e para a economia global?


Fernando Ferrari -
A despeito dos incentivos fiscais e monetários implementados pelas autoridades econômicas dos Estados Unidos da América desde o início da crise financeira, a economia norte-americana continua com sérios problemas: a recuperação do PIB tem sido tímida, a taxa de desemprego está elevada, o setor financeiro está ligeiramente “empoçado” etc. Nesse sentido, as novas medidas são mais uma tentativa de expandir a liquidez da economia norte-americana. Se o efeito for positivo, haverá expansão de crédito, maiores demandas por consumo e investimento, crescimento do PIB, etc. Se o PIB dos EUA voltar a crescer dinamicamente, a economia mundial tende a crescer um pouco mais.

IHU On-Line - Quais os efeitos da medida do FED para a economia brasileira? Como essa medida irá repercutir na economia brasileira?


Fernando Ferrari -
Se a compra de títulos públicos em mãos dos bancos comerciais por parte do FED resultar em expansão de liquidez e crédito, a economia norte-americana tende a crescer mais e, com ela, a economia mundial. O Brasil, em particular, tende a se beneficiar, pois cerca de 17,0% das exportações brasileiras são destinadas para os EUA. Se, todavia, continuar havendo “empoçamento de crédito” e a liquidez injetada na economia norte-americana gerar tão somente uma pressão inflacionária futura, as taxas reais de juros dos EUA tendem a cair e, naturalmente, os rentistas continuarão buscando aplicações financeiras em países emergentes, dentre os quais o Brasil. Nessa situação hipotética, um maior ingresso de capitais na economia brasileira tende a apreciar ainda mais a taxa de câmbio.

IHU On-Line - A guerra cambial internacional é uma guerra entre emergentes e desenvolvidos ou uma guerra entre China e EUA? Quem é responsável pela guerra cambial?


Fernando Ferrari -
Eu não diria que há uma “guerra cambial” explícita, apesar de não discordar da expressão cunhada pelos policymakers. Para mim, há um movimento de depreciação cambial acentuada em duas economias: na China, há muito tempo a taxa de câmbio é subvalorizada para assegurar competitividade dos produtos chineses no mercado internacional; o dólar tem se depreciado no mercado internacional em decorrência, em grande parte, da continuidade da crise, dos déficits gêmeos (fiscal e externo) etc. Como os países, sejam desenvolvidos, sejam emergentes, não querem perder competitividade no comércio internacional, é natural que haja uma reação de política cambial por parte dos policymakers para minar os efeitos deletérios da depreciação do dólar.

IHU On-Line - Em que sentido o anúncio de medidas nos EUA pode interferir na guerra cambial?


Fernando Ferrari -
Se, conforme mencionado acima, a injeção de liquidez gerar tão somente pressões inflacionárias futuras, logo, em um contexto de manutenção das taxas básicas de juros dos EUA ao redor de 0,25% e de dinamização das operações de carry trade, os rentistas (dentre os quais as próprias instituições financeiras) diversificarão seus portfólios, buscando rentabilidades mais atrativas em mercados financeiros emergentes. Assim sendo, saída de capitais nos EUA e, por conseguinte, ingresso de capitais em países emergentes tende a acentuar mais volatilidade cambial.

IHU On-Line - O mercado financeiro tem interesse na guerra cambial?


Fernando Ferrari -
Se as posições compradas ou vendidas por câmbio forem equivocadas, obviamente que o mercado financeiro não tem interesse na “guerra cambial”. Se, todavia, a precificação dos movimentos de câmbio for antecipada, o mercado financeiro continua com sua lógica.

IHU On-Line - Quem ou que país está se fortalecendo com esta guerra cambial?


Fernando Ferrari -
Em uma situação de configuração de “guerra cambial”, via de regra, todos os países perdem. No momento, a China, talvez, não sofra os efeitos da “guerra cambial” pelo fato de que o regime cambial chinês é, há muito tempo, administrado e, por causa disso, a taxa de câmbio tem se mantido subvalorizada.

IHU On-Line - O que está em jogo nesta guerra cambial?


Fernando Ferrari -
Mercados internacionais. Ou seja, o crescimento para fora (via exportações) é uma forma de se contornar crises de demanda efetiva.

IHU On-Line - Dólar fraco e real apreciado podem gerar desindustrialização no cenário nacional?


Fernando Ferrari -
A tendência é essa. Nos últimos anos tem havido uma queda acentuada das exportações manufaturadas brasileiras. As exportações concentradas em commodities, por sua vez, têm aumentado. Parte dessa alteração da pauta de exportações brasileiras deve-se à apreciação cambial.

IHU On-Line - Como o Brasil pode se proteger da guerra cambial?


Fernando Ferrari -
Para ter uma taxa real de câmbio competitiva, política monetária e controles de capitais são fundamentais. Se as autoridades econômicas brasileiras quiserem estancar o processo de apreciação cambial e de volatilidade da taxa de câmbio, redução abrupta da taxa de juros e controles de capitais (ou qualitativos, tipo IOF, ou quantitativo, tipo depósitos compulsórios, “quarentena” etc.) não podem ser descartados.

IHU On-Line - Qual a importância de discutir a guerra cambial neste momento, pós-eleições?


Fernando Ferrari -
O Brasil somente terá uma trajetória de crescimento econômico sustentável, estabilidade monetária e equilíbrio externo sem depender de “poupança” externa se enfrentar as questões monetária e cambial. O regime de dominância monetária impõe, ao país, a armadilha do câmbio. É melhor enfrentarmos logo tais questões, pois, caso, contrário, os desequilíbrios externos serão ainda maiores (a previsão otimista para 2011 é de que teremos um déficit em transações correntes da ordem de 65,0, bilhões de dólares).

IHU On-Line - Dilma anunciou que manterá o regime de câmbio flutuante. Quais são, na sua opinião, os maiores desafios econômicos para a nova presidente?


Fernando Ferrari -
Que tipo de câmbio flutuante? Flutuante em que o mercado determina a taxa de câmbio? Se for esse o regime cambial preconizado pela futura presidente, a crise cambial, cedo ou tarde, estoura. Se, todavia, por flutuante se entende intervenções (não pontuais, mas sistemáticas) no mercado de câmbio para que se obtenha uma taxa de câmbio de equilíbrio competitiva, então estamos de acordo. Ademais, mais uma vez ressalto tal ponto, as taxas de juros e de câmbio estão erradas. Portanto, alterações nas políticas monetária e cambial não podem ser adiadas.

Leia mais...

>> Fernando Ferrari concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Acesse na página eletrônica do IHU (www.ihu.unisinos.br)

* As concepções teórico-analíticas e as proposições de política econômica de Keynes. Cadernos IHU Ideias, nº 37;
* A economia brasileira e a síndrome de Peter Pan, Revista IHU On-Line nº 338, de 09-09-2010, intitulada Economia brasileira. Desafios e perspectivas;
* “O mercado somente funciona com a ‘mão visível’ do Estado”, Revista IHU On-Line nº 330, de 4/5/2010, intitulada A crise da zona do euro e o retorno do Estado regulador em debate;
* Uma política econômica única e exclusivamente para controlar a dinâmica inflacionária. Revista IHU On-Line nº 204, de 13-11-2006;
* Programa de aceleração do crescimento. Um ano depois. Notícias do Dia 23-01-2008;
* A “mão invisível” do mercado não funciona sem a “mão visível” do Estado. Revista IHU On-Line nº 276, de 06/10/2008.

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