Edição 348 | 25 Outubro 2010

Francisco de Borja e as missões no “Novo Mundo”

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Martinho Lenz

No próximo dia 28 de outubro celebram-se os 500 anos de nascimento de Francisco de Borja y Aragon, que foi o terceiro superior geral da Companhia de Jesus. Francisco de Borja, antes de entrar na Companhia de Jesus, foi membro da Corte espanhola. Nomeado primeiro Marquês de Llombay, foi depois vice-rei na Catalunha, entre 1539 e 1543. Ele faz parte da primeira geração de jesuítas que tiveram suas vidas influenciadas diretamente por Santo Inácio de Loyola, seu amigo e conselheiro. O artigo que segue foi enviado para a IHU On-Line pelo próprio autor, Martinho Lenz, sob o título “A vida fascinante de Francisco de Borja: de nobre a santo”. Para Martinho Lenz, Francisco de Borja foi um grande incentivador das missões no Novo Mundo. Este “Novo Mundo” era a América, ou seja, as reduções, que inspiram o tema de capa da presente edição. Graduado em Filosofia e Teologia, Martinho Lenz é mestre em Sociologia da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), e doutor em Sociologia pela Universidade Gregoriana, em Roma, com a tese Movimentos sociais na era da globalização. É especialista em desenvolvimento das comunidades e cooperativismo pelo S. Francis Xavier College, no Canadá. É co-autor de Realidade Brasileira - Estudo de Problemas Brasileiros (Sulina) e Temas de Doutrina Social da Igreja (Porto Alegre: Paulinas, 2004-2006). Atualmente é secretário executivo da Conferência dos Provinciais Jesuítas da América Latina (CPAL), com sede no Rio de Janeiro. Confira o artigo.

A cidade missioneira de São Borja-RS, leva nome de um Santo que este ano completa 500 anos de seu nascimento. No dia 28 de outubro de 1510 nascia Francisco de Borja y Aragón, filho do duque de Gandia, da Espanha e vice-rei de Navarra. Francisco de Borja levou uma vida intensa e guiada pela fé católica. Liderou na política, formou uma família, era rico e generoso. Depois de perder a esposa, e de ter colocado os filhos, repensou sua opção de vida. Fez um retiro espiritual. Resolveu então mudar de rumo, tornando-se jesuíta. Acabou sendo escolhido superior geral da sua Ordem. Como tal, fomentou as missões religiosas na América. Essa ação foi o germe do qual nasceram depois as reduções dos sete povos no RS e os demais 23 povos da região do rio da Prata. Em honra ao mérito, o seu nome foi dado à cidade de São Borja, a primeira das sete reduções guarani criadas em solo rio-grandense.

Qual o sonho que inspirou a criação das reduções? Quem foi Francisco de Borja, o patrono da cidade de São Borja, cidade que deu dois presidentes ao Brasil?


As reduções

Os Sete Povos das Missões eram aldeamentos de indígenas fundadas pelos jesuítas, em terras hoje gaúchas, para aí assentar os guarani. Os missionários convidavam os indígenas, através de seus caciques, para que viessem morar nessas aldeias ou reduções. Tinham dois objetivos. Um era atrair o indígena para o cristianismo. O outro, dar segurança às populações guarani contra os mamelucos de São Paulo que vinham ao Sul para “prear” índios e vendê-los como escravos. Os jesuítas lutaram muitos contra essa prática desumana e sonhavam com uma República independente dos guarani. Obtiveram leis que proibiam escravizar os índios. Além disso, organizaram a defesa das reduções contra os ataques dos mamelucos, obtendo do rei da Espanha a autorização para armar os índios (em troca de serviços ao rei). A localização das reduções obedecia a um plano estratégico, ficando uma não muito distante da outra, para facilitar a comunicação e a defesa conjunta.

A primeira tentativa de aldear os indígenas se deu na região do Guairá, hoje Estado do Paraná, onde chegaram a existir 28 reduções. A tentativa fracassou por causa da ação dos bandeirantes paulistas, que arrasaram estas aldeias e de uma só vez levaram presos 30.000 índios, vendidos como escravos em São Paulo. Para fugir de novos ataques, o Pe. Ruiz de Montoya, SJ, promoveu a transferência dos que sobreviveram no Guairá, levando-os rio Paraná abaixo, para o Entre-Rios (entre o Paraná e Uruguai), juntando-se com os guarani que já viviam ali. Assim, se consolidaram os trinta povos espalhados no Paraguai, na Argentina e no atual Rio Grande do Sul. No entanto, os paulistas continuaram a assediar os indígenas, que só conseguiram viver em relativa paz após a derrota que impuseram à bandeira de Domingos Jorge Velho em M’bororé (em 1641). Depois disso, as reduções floresceram.

A redução de São Borja foi fundada em 1687 pelo Pe. Francisco Garcia. São Borja era uma extensão da missão de São Tomé, se onde saíram os primeiros 195 habitantes para fundar a nova aldeia. A partir daí foram criadas outras seis reduções: São Nicolau, São Miguel Arcanjo, São Lourenço Mártir, São João Batista, São Luiz Gonzaga e Santo Ângelo Custódio. Em 1707, São Borja já contava com 2.814 habitantes. Por 150 anos estas reduções cresceram e se expandiram; os indígenas viviam felizes, autogovernados, sob a supervisão dos missionários, tirando seu sustento da criação de gado, da agricultura e da produção de erva-mate (exportada para a Europa, junto com couros). As missões criaram a base de um estado indígena, como mostra o livro de Clóvis Lugon , a “República Comunista cristã dos guaranis” (Paz e Terra, Rio, 1968). Mas num mundo dominado pela ganância dos ricos e pela competição entre os grandes, não havia lugar para utopias. Os índios receberam a ordem de abandonar suas terras, entregando-as a novos donos, os portugueses. Sepé  mandou dizer ao Rio da Espanha: “Esta terra tem dono.” Sepé Tiarajú liderou a revoltados indígenas, que acabaram sendo massacrados pelo exército luso-espanhol de Gomes Freire de Andrade. São Sepé, herói da resistência indígena, continua vivo no imaginário popular rio-grandense.


Francisco de Borja

O jesuíta Francisco de Borja, terceiro superior geral da Companhia de Jesus, foi um grande incentivador das missões no Novo Mundo. Borja viveu de 1510 a 1572, sendo Geral dos Jesuítas nos últimos oito anos de sua vida. Uma vida breve, mas suficiente para dar um grande impulso à ação da Ordem e para criar novas missões em várias regiões do mundo. Enviou missionários à Flórida, ao Peru e ao Brasil (1570).

Francisco de Borja, o patrono da cidade de São Borja, foi quase tudo na vida. Filho de nobres, casado e pai de oito filhos, vice-rei de Navarra, Duque de Gandia, viúvo, padre jesuíta, superior geral da Companhia de Jesus. Isto em 62 anos de vida. Uma vida fascinante, que acaba de ser transformada em uma novela histórica intitulada Duque Jesuíta, escrita pelo jesuíta Pedro Miguel Lamet . Por ora esta novela só existe em espanhol. O drama histórico começa com a descoberta de outro livro, escrito por Juan de Borja, o terceiro filho de Francisco e companheiro do pai em suas muitas viagens de negócios, como governante e pessoa de confiança do rei Carlos V de Espanha. O livro conta os acontecimentos da vida de Borja, como seu casamento com Dona Leonor de Castro (em 1529), a morte do pai, o duque de Gandia, em 1543 – quando Francisco assume o governo deste ducado. A esposa, que ele muito amava, morreu em 1546. A partir daí os acontecimentos se precipitam: Francisco faz os Exercícios Espirituais com um jesuíta, Pe. André de Oviedo, e, após um cuidadoso discernimento, resolve tornar-se jesuíta. Consegue colocar os filhos, encaminha a administração do ducado (um dos mais ricos e prósperos da Espanha), estuda teologia.

Por que se fez religioso? A primeira inspiração lhe viera diante do rosto desfigurado da imperatriz Isabel, falecida em 1539, a quem ele havia servido: “Nunca mais vou servir a um senhor que possa morrer”. Resolve servir o “Reino eterno, Jesus Cristo”. Em 1550, é recebido em Roma por Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, como membro da Ordem. Retorna à Espanha, onde recebe a ordenação sacerdotal e passa a trabalhar, não como duque ou vice-rei, mas como missionário, pregador, conselheiro espiritual. Vai em missão a Portugal. Acaba sendo nomeado superior geral dos Jesuítas da Espanha e de Portugal. Multiplicam-se as fundações: 21 colégios, duas universidades, além de três noviciados para formação dos novos jesuítas. Borja é imensamente feliz com a nova vocação, servindo agora a “um rei que não pode morrer”. Perseguições não faltaram na nova vida de Francisco. A “Santa Inquisição” condenou um livro “Obras do Cristão”, onde aparecia um artigo de Borja, que teve que responder a processo de heresia, para finalmente ser absolvido.
Entretanto, ele foi chamado a Roma, onde foi eleito superior geral em 1565. Ao saber de sua eleição, Borja disse: “Eu me ofereço à Companhia, em sangue e vida”. Não poupou sacrifícios. Durante seu generalato, a Companhia de Jesus se expandiu muito. Os mil jesuítas passaram 4.000. Principais atividades eram educação secundaria e universitária, a difusão da fé e as missões estrangeiras, na África, na Índia, no Japão. Borja morreu em 1572, aos 62 anos. Foi declarado santo da Igreja Católica em 1671.

Deixou duas importantes lições de vida para nós. Primeira: o que conta para ser feliz não é a riqueza e o poder. Não é acumular tesouros na terra. O que conta é o bem que fazemos aos outros, em qualquer vocação abraçada com amor, com a fortaleza que vem de um Deus que nos ama. Segunda: vida realizada é vida vivida intensamente, com entrega e generosidade. Sem medir sacrifícios nem olhar as feridas. “Em sangue e vida”.

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