Edição 344 | 21 Setembro 2010

O Brasil deve apostar mais no setor de serviços

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Patricia Fachin

Interferências macroeconômicas como a concentração de crédito podem afetar o crescimento a longo prazo, adverte Pedro Cavalcanti Ferreira, economista da Fundação Getúlio Vargas

Políticas econômicas que favorecem um setor em detrimento de outros são “contraproducentes”, defende o economista Pedro Cavalcanti Ferreira, ao mencionar que o Brasil deve apostar mais no setor de serviços, o qual vem ganhando peso nas economias modernas. Para ele, a consolidação de gigantes nacionais é um equívoco porque grandes empresas não garantem maior produtividade para a economia nacional. “Essa política pode levar a uma estratégia de, ao alavancar alguns setores, aumentar a margem de lucro deles e, com isso, transferir renda da sociedade para esses grupos específicos”, aponta. Além do mais, para financiar esses empreendimentos, “o Tesouro está tomando dinheiro emprestado a uma taxa alta e o BNDES empresta a uma taxa barata. Esse tipo de transferência é muito ruim do ponto de vista tanto das finanças públicas como do ponto de vista social”. Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, o economista explica que a ideia keynesiana está sendo usada, na conjuntura atual, “fora do contexto” porque o BNDES concedeu investimentos depois que a crise já estava sendo resolvida. “De qualquer modo, isso teve um impacto e fez com que a crise acabasse mais rapidamente. Mas, a crise já acabou há muito tempo. Então, agora, a decisão de gastos é política, uma visão de governo, diferente do cenário anterior”. A atual política nacional-desenvolvimentista “não tem nada a ver com o keynesianismo; é uma volta das ideias dos anos 1950”, ressalta.
Questionado sobre a relevância dos bancos de desenvolvimento para elevar o potencial das economias atuais, ele rebate: “O Brasil estaria melhor sem eles?” Com certeza não, enfatizou. Entretanto, embora o aporte do BNDES tenha garantido o crescimento econômico, “deveríamos estar pensando em substituir esses mecanismos sociais por mecanismos de mercado. Se as economias são desenvolvidas, não precisam de um banco como o BNDES intervindo nos negócios, decidindo quem é o vencedor e o perdedor”, conclui.

O Ciclo de Estudos em EAD – Repensando os Clássicos da Economia - Edição 2010, aborda atualmente as concepções teórico-analíticas e as proposições de políticas econômicas de Keynes - John Maynard Keynes, 1883-1946.

Pedro Cavalcanti Ferreira possui graduação e mestrado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e PhD pela University of Pennsylvania. Desde 1993 é professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas - FGV.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Por que o Brasil deve apostar na economia de serviços? Quais as vantagens, e desafios nesse sentido? É possível acelerar o crescimento econômico do país a partir desse setor?

Pedro Cavalcanti Ferreira – Uma política para o setor de serviços é quase uma política de educação. Sou contrário a uma política centrada em setores e subsetores específicos. No artigo que escrevi para o jornal Valor (04-09-2010), em parceria com o professor Renato Fragelli , lançamos um desafio porque as pessoas têm estudado pouco o setor de serviços, dedicam-se à agricultura e à indústria. Como a tendência das economias modernas é virar economia de serviços, deveriam estar estudando mais intensamente essa área. Então, isso diz respeito claramente a uma política de educação, porque o setor de serviços é muito intensivo em mão de obra. Assim, quanto mais educada for a mão de obra, mais produtivo seria o setor de serviços.

IHU On-Line – Então, investir em industrialização é uma prática de economias menos desenvolvidas? Essa política faz parte do passado?

Pedro Cavalcanti Ferreira – A indústria é um setor relevante e fundamental em todas as economias modernas. O ponto é que ao centrarem políticas de industrialização, privilegia-se um setor em detrimento de outros; isso por si já é contraproducente, porque nenhum estudo mostra que o setor industrial é mais forte em pesquisa e desenvolvimento do que outros.
De certa maneira, políticas de industrialização transferem renda de um setor para o outro. A partir delas, a economia pode até acrescer, mas, como o setor de serviços é muito maior que o industrial, fazer uma política centrada apenas em um setor menor, por mais importante que ele seja, vai gerar um impacto menor do que se a economia fosse pensada como um todo ou se valorizassem mais o setor dominante. Uma política econômica ampla seria mais agressiva. Grandes inovações tecnológicas modernas, como a área de informática e software pertencem ao setor de serviço. Então, talvez uma política de pesquisa mais agressiva - não necessariamente na área de software - seria um subsídio para a adoção de tecnologias de ponta, e geraria impactos fortes a longo prazo.

IHU On-Line - Qual é o atual panorama do setor de serviços no Brasil? Quais as razões de a produtividade estar quase estagnada?

Pedro Cavalcanti Ferreira – Vejo que o setor de serviços brasileiro é pouco produtivo quando comparado aos setores das economias modernas. Obviamente há uma parcela, como os serviços financeiros, que é muito produtivo e moderno. Provavelmente o nosso setor financeiro, por ser mais informatizado, é tão ou mais produtivo que setores financeiros dos países desenvolvidos. Por outro lado, tem uma gama de serviços na informalidade, como os vendedores ambulantes, ou seja, são serviços pouco produtivos. Então, existe esta dicotomia. Mas, como as pessoas precisam trabalhar e têm pouca qualificação, elas procuram atividades com baixa remuneração - como é o caso da empregada doméstica, a qual representa uma atividade muito significativa no setor de serviços do Brasil -, o que faz com que o setor de serviços seja pouco produtivo. Nessa perspectiva, de novo, percebo uma relação muito forte com educação.

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