Edição 343 | 13 Setembro 2010

A crise civilizacional e os desafios das alternativas energéticas

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Patrícia Fachin

Para Heitor Scalambrini Costa, a mudança do atual modelo de produção e consumo passa pela “completa revisão do conceito de crescimento econômico adotado pela humanidade como verdade divina”

“Devemos visualizar e apontar para um mundo sem combustíveis fósseis, com matrizes energéticas que utilizam recursos energéticos locais, geridas e produzidas localmente de maneira descentralizada, evitando as perdas por transmissão e distribuição”. A ideia é defendida pelo físico Heitor Scalambrini Costa, professor da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Segundo ele, ao associar energia e desenvolvimento local com o conceito de cultura sustentável, “estaremos apontando para uma reconciliação entre a democracia política e a democracia econômica”. Além de pensar alternativas para a atual geração de energia fóssil, o pesquisador aponta a “racionalização no uso da energia” como “ponto fundamental” para resolver os problemas energéticos da atualidade. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Costa também destaca o potencial da energia das ondas em eletricidade. “

As fontes de energia provenientes dos oceanos e dos mares possuem um enorme potencial energético disponível em uma área de 360,6 milhões de km2 (70,7% da superfície do planeta Terra)”. De acordo com o professor, em conjunto, “o gradiente térmico, as ondas, as correntes marítimas, o gradiente salino e as marés, poderiam proporcionar muito mais energia do que a humanidade seria capaz de consumir, hoje ou no futuro, mesmo considerando que o consumo global tem dobrado de dez em dez anos”.

O Ciclo de Estudos em EAD: Sociedade Sustentável, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, discute a questão energética e as perspectivas de emergência de uma sociedade sustentável. Até o dia 18-9-2010, ocorre o segundo módulo, que discute a questão energética no mundo contemporâneo.

Heitor Scalambrini Costa é graduado em Física pelo Instituto de Física Gleb Wattaghin da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, mestre em Energia Solar, pelo Departamento de Energia Nuclear da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE- e doutor em Energética, pela Commissariat à I’Energie Atomique - CEA, Centre d’Estudes de Cadarache et Laboratorie de Photoelectricité Faculte Saint- Jerôme/Aix-Marseille III, França. Atualmente, coordena os projetos da ONG Centro de Estudos e Projetos Naper Solar, o Núcleo de Apoio a Projetos de Energias Renováveis – Naper, e o Sendes- Soluções em Energia e Design da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Será necessário e possível, no futuro, criar matrizes energéticas descentralizadas? Como isso é viável?

Heitor Scalambrini Costa - A diversificação da matriz energética mundial, baseada hoje principalmente no petróleo e seus derivados, é uma necessidade imposta pelos problemas, incertezas e riscos causados pelos combustíveis fósseis. Devemos visualizar e apontar para um mundo sem combustíveis fósseis, com matrizes energéticas que utilizam recursos energéticos locais, geridas e produzidas localmente de maneira descentralizada, evitando as perdas por transmissão e distribuição.
A racionalização no uso da energia é outro ponto fundamental. A União Europeia, por exemplo, estaria consumindo 50% mais energia se não tivesse adotada sérias medidas de conservação energética. Sendo algumas delas como o uso de geladeiras mais eficientes, automóveis com maior quilometragem por litro de combustível e muitas outras, relativamente simples, que são bem conhecidas e testadas na prática. Nesta mesma linha, graças a programas de eficiência, lembremos também que o consumo de energia nos EUA, entre 1973 e 1988, não aumentou em um só kilowatt-hora, e nem assim prejudicou o crescimento do PIB, que foi de quase 40% nesse período.

Produção de energia local

O envolvimento da comunidade na discussão, no planejamento e na gestão democrática dos recursos energéticos é chave para a sua soberania e para a sustentabilidade, e uma opção de resistência aos modelos centralizadores de recursos e poder que impõe aos povos altos custos econômicos, ambientais e sociais em troca do acesso a este bem de interesse comum que é a energia e que, portanto, deveria ser um direito de todo o cidadão, assim como direito a uma vida digna num ambiente saudável.

No Brasil, fontes energéticas, como a biomassa a partir de resíduos agrícolas (bagaço da cana, cascas de arroz, serragem), óleos vegetais (de soja, o dendê, mamona, etc.), florestas energéticas, a energia solar (térmica e fotovoltaica), a energia eólica, a energia produzida por micro e pequenas centrais hidrelétricas e a energia das ondas, constituem em um potencial enorme para o suprimento de energia. Como vantagens, podem ser aproveitadas de forma descentralizada, conforme as potencialidades e particularidades de cada região e de acordo com as necessidades e capacidades dos territórios. Ou seja, a necessidade de regionalização da matriz energética.

Assim, ao associarmos energia local, desenvolvimento local com o conceito de cultura do desenvolvimento sustentável, estaremos apontando para uma reconciliação entre a democracia política e a democracia econômica. O possível outro mundo vai exigir uma ciência econômica mais aberta, que incorpore estas dimensões.
Na minha visão, resgatar o potencial econômico da gestão local com energia local não envolve apenas eficiência de gestão empresarial e pública; ela envolve também colocar uma parte maior da economia na escala onde as pessoas têm sobre ela um controle maior, resgatando assim o controle sobre as suas próprias vidas. Uma economia movida a fontes renováveis passa a pertencer ao cidadão, abre mais espaço para uma política que pertença ao cidadão.

IHU On-Line - Que aspectos dificultam o desenvolvimento do mercado nacional de energias renováveis?

Heitor Scalambrini Costa - Se há um país no mundo que goza das melhores oportunidades ecológicas e geopolíticas para ajudar formular a possibilidade de uma matriz energética menos agressiva ao meio ambiente – à base da água, do vento, do sol, das ondas do mar e da biomassa -, este país é o nosso. Ele é a potência das águas, possui a maior biodiversidade do planeta, as maiores florestas tropicais. Entretanto, ainda não acordou para isso.

Infelizmente, temos avançado para um modelo de desenvolvimento econômico e social que privilegia o uso intensivo de recursos naturais, e o apoio governamental a grandes empresas que são historicamente contrárias a ter limites no uso dos recursos. O que é contrário aos interesses de um desenvolvimento sustentável.

Internacionalmente, o uso da energia solar térmica/fotovoltaica e energia eólica tem  crescido rapidamente, impulsionado por diferentes mecanismos de suporte ao mercado, baseado a promoção das tecnologias em subsídios prêmios e linhas especiais de crédito medidas de apoio campanhas públicas, educação ambiental incentivos fiscais, e obrigação legal de instalação ou preparação da instalação.
Há uma completa omissão do governo federal sobre a tecnologia solar. O aproveitamento é irrisório, tanto para aquecimento de água quanto para geração elétrica. No Brasil, um dos empecilhos para o desenvolvimento das energias renováveis é a inexistência de uma legislação federal que incentive políticas públicas nesta área.

Um alento foi o relatório sobre o Projeto de Lei 630/2003, que consolidou outros 18 projetos de lei que trata dos incentivos ao desenvolvimento das fontes renováveis de energia. Este PL trata da comercialização de energias renováveis, e a conexão delas à rede; o estabelecimento de contratos de longo prazo entre os geradores e as distribuidoras de energia, o que dá um mínimo de segurança aos investimentos em usinas de geração renovável; a criação de programas para a geração de energia renovável em sistemas isolados; institui a renúncia fiscal para a importação de equipamentos para a geração a partir de fontes renováveis; restringe a participação de termelétricas fósseis nos leilões de energia; prevê a criação de um fundo para a pesquisa e desenvolvimento de energias renováveis. Fundos como estes são importantes para a capacitação tecnológica e técnica do país, sem as quais seria impossível o desenvolvimento interno de pesquisas e equipamentos.

Até hoje não foi votado por falta de vontade política. Portanto, sem dúvida alguma, o que dificulta uma maior disseminação das tecnologias energéticas renováveis em nosso país é a falta de uma definição política.

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