Edição 343 | 13 Setembro 2010

Panikkar e a eterna busca pela harmonia do saber

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Graziela Wolfart

Para Victorino Pérez Prieto, Raimon Panikkar foi um dos grandes pensadores da nossa época, que insistia na busca da harmonia da realidade

“Raimon Panikkar preferia falar de diálogo ‘intrarreligioso’ ao invés de diálogo inter-religioso. Um diálogo que começa no interior de nós, descobrindo a relatividade das nossas crenças (relatividade, não relativismo) e aceitando o desafio de uma mudança, de uma conversão; uma conversão que começa renunciando à pretensão de possuir toda a verdade; renunciar a uma ideia de verdade que se diz exclusiva, porque a verdade está acima de nós e da nossa religião. O seu projeto era alcançar um ecumenismo ecumênico, além do cristianismo, a busca da harmonia das religiões, além de um sincretismo e uma ‘teoria universal das religiões’, que vinha a ser uma espécie de absurdo ‘esperanto religioso’”. A definição é do teólogo Victorino Pérez Prieto. Na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line ele fala sobre o legado de Raimon Panikkar, recentemente falecido. Para Victorino, Panikkar “era um homem de uma qualidade intelectual e humana excepcional; um filósofo e um teólogo, um sábio e um místico, um profeta do nosso tempo que rompeu as fronteiras estreitas do cristianismo e do ocidente para se abrir a todas as religiões e culturas”.

Victorino Pérez Prieto é teólogo e escritor. Atualmente dá aulas na Universidade de Santiago de Compostela. Estudou Filosofia e Teologia e doutorou-se em Teologia pela Universidade Pontifícia de Salamanca. É membro da Asociación de Teólogos Juan XXIII, da Asociación de Escritores en Lingua Galega, do Centro Interculturale Raimon Panikkar, da Argentina, e de outras associações. Ensaísta e publicista, publicou mais de uma dúzia de livros em galego e castelhano, entre os quais citamos Más allá de la fragmentación de la teologia, el saber y la vida: Raimon Panikkar (Valência: Tirant lo Blanch, 2008).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quem foi Raimon Panikkar?

Victorino Pérez Prieto - Raimon Panikkar foi um dos grandes pensadores da nossa época. Nestes dias depois de sua morte, temos lido que ele foi o maior na sua Catalunha natal depois do grande pensador medieval Raimon Llull . Era um homem de uma qualidade intelectual e humana excepcional; um filósofo e um teólogo, um sábio e um místico, um profeta do nosso tempo que rompeu as fronteiras estreitas do cristianismo e do ocidente para se abrir a todas as religiões e culturas. Teve uma vida longa e riquíssima; realmente excepcional pelas múltiplas realidades que nele convergiam: pela múltipla origem hindu-cristã, pelos seus estudos interdisciplinares (doutorados em Filosofia, Ciências e Teologia), pela sua interculturalidade e inter-religiosidade. Ele mesmo reconhecia o “risco existencial” como uma característica da sua própria existência, por estar enraizado em mais de uma cultura e religião; conforme consta no seu relato autobiográfico (Autobiografía intelectual. La filosofía como estilo de vida. Barcelona: Anthropos, 1985): “minhas circunstâncias pessoais me permitiram aceitar o risco de uma conversão sem loucura, uma assunção sem repúdio, uma síntese e simbiose sem cair em um sincretismo ou ecletismo”. Como se escreveu sobre ele, é um místico portador de uma mensagem que apresenta um problema sem nunca se limitar ao todo constituído de uma instituição. Tivemos uma longa e intensa relação, intelectual e amistosa, alimentada, sobretudo, pelos nossos encontros na sua casa em Tavertet (Espanha). Ele foi um mestre e amigo; por isso me escrevia com frequência: “Lembro de ti e muito. Não deixes de me visitar em Tavertet. A uma certa idade, é preciso superar a tentação de se fazer de difícil”, me escrevia. “A amizade, que é uma forma de amar, é uma virtude humana e, portanto, cristã”.

IHU On-Line - Quais os principais passos de sua trajetória?

Victorino Pérez Prieto – Panikkar nasceu em Sarriá-Barcelona (Espanha) em 1918, numa família católica, mas com uma circunstância excepcional: seu pai era indiano e de religião hindu, aristocrático de Kerala, no sul da Índia, e sua mãe era catalã, burguesa e profundamente católica. Ele assumiu esta dupla origem fazendo-a mais ainda sua: “Não me considero meio espanhol e meio indiano, meio católico e meio hindu, mas totalmente ocidental e totalmente oriental”. Educou-se com os jesuítas de Barcelona, e em seguida realizou os seus estudos universitários em Ciências e Letras entre as universidades de Barcelona, Bonn e Madrid; posteriormente cursou Teologia em Roma. É doutor nas três disciplinas com magníficas teses publicadas (Filosofía: El Concepto de la naturaleza. Análisis histórico y metafísico de un concepto. Madrid 1972; Ciencias: Ontonomía de la ciencia. Sobre el sentido de la ciencia y sus relaciones con la filosofia. Madri, 1961; Teología: The Unknown Christ of Hinduism. Londres, 1964). Ordenou-se sacerdote em 1946, em Madri. E em 1953 fez sua “viagem romana”, para ir no ano seguinte à Índia, a Varanasi. A permanência ali mudou a sua vida. No encontro com a religião e a cultura daquele país descobriu um modo diferente de pensar e ver a religião, Deus, o ser humano e o cosmos. O terceiro grande encontro depois do cristianismo e do hinduísmo foi com o budismo, mas este triplo encontro não lhe fez abandonar nenhuma das identidades anteriormente conquistadas. Na Índia trabalhou como pesquisador nas universidades de Vanarasi e Mysore, aprofundando-se nas raízes do hinduísmo e do budismo. Voltou várias vezes à Europa e viajou por todo o mundo, dando cursos e conferências.

Vida nos Estados Unidos

Em 1971, instalou-se nos Estados Unidos, primeiro em Harvard e depois, de maneira quase permanente, na Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, como catedrático de Filosofia Comparada da Religião e História das Religiões. Ali se casou, mas sem abandonar o sacerdócio católico. Chegada a sua jubilação em 1987, Panikkar volta às suas raízes catalãs, instalando-se em Tavertet, onde viveu como um monge, com sua mulher e participando ativamente na vida cultural e religiosa catalã. Podemos falar de etapas na sua vida, as quais tenho recolhido no meu livro Más allá de la fragmentación de la teología, el saber y la vida: Raimon Panikkar (Prólogo de Raimon Panikkar, Valência 2008):

1. Etapa de estudos e atividade em Barcelona, Madri, Salamanca, Roma e outras cidades europeias (1918-1954).
2. Etapa da Índia. Simbiose cristã-hindu (1955-1966).
3. Etapa docente norte-americana (1966-1987).
4. Volta às suas raízes catalãs, para completar o ciclo vital (1987-2010).

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