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Graziela Wolfart
“Raimon Panikkar preferia falar de diálogo ‘intrarreligioso’ ao invés de diálogo inter-religioso. Um diálogo que começa no interior de nós, descobrindo a relatividade das nossas crenças (relatividade, não relativismo) e aceitando o desafio de uma mudança, de uma conversão; uma conversão que começa renunciando à pretensão de possuir toda a verdade; renunciar a uma ideia de verdade que se diz exclusiva, porque a verdade está acima de nós e da nossa religião. O seu projeto era alcançar um ecumenismo ecumênico, além do cristianismo, a busca da harmonia das religiões, além de um sincretismo e uma ‘teoria universal das religiões’, que vinha a ser uma espécie de absurdo ‘esperanto religioso’”. A definição é do teólogo Victorino Pérez Prieto. Na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line ele fala sobre o legado de Raimon Panikkar, recentemente falecido. Para Victorino, Panikkar “era um homem de uma qualidade intelectual e humana excepcional; um filósofo e um teólogo, um sábio e um místico, um profeta do nosso tempo que rompeu as fronteiras estreitas do cristianismo e do ocidente para se abrir a todas as religiões e culturas”.
Victorino Pérez Prieto é teólogo e escritor. Atualmente dá aulas na Universidade de Santiago de Compostela. Estudou Filosofia e Teologia e doutorou-se em Teologia pela Universidade Pontifícia de Salamanca. É membro da Asociación de Teólogos Juan XXIII, da Asociación de Escritores en Lingua Galega, do Centro Interculturale Raimon Panikkar, da Argentina, e de outras associações. Ensaísta e publicista, publicou mais de uma dúzia de livros em galego e castelhano, entre os quais citamos Más allá de la fragmentación de la teologia, el saber y la vida: Raimon Panikkar (Valência: Tirant lo Blanch, 2008).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quem foi Raimon Panikkar?
Victorino Pérez Prieto - Raimon Panikkar foi um dos grandes pensadores da nossa época. Nestes dias depois de sua morte, temos lido que ele foi o maior na sua Catalunha natal depois do grande pensador medieval Raimon Llull . Era um homem de uma qualidade intelectual e humana excepcional; um filósofo e um teólogo, um sábio e um místico, um profeta do nosso tempo que rompeu as fronteiras estreitas do cristianismo e do ocidente para se abrir a todas as religiões e culturas. Teve uma vida longa e riquíssima; realmente excepcional pelas múltiplas realidades que nele convergiam: pela múltipla origem hindu-cristã, pelos seus estudos interdisciplinares (doutorados em Filosofia, Ciências e Teologia), pela sua interculturalidade e inter-religiosidade. Ele mesmo reconhecia o “risco existencial” como uma característica da sua própria existência, por estar enraizado em mais de uma cultura e religião; conforme consta no seu relato autobiográfico (Autobiografía intelectual. La filosofía como estilo de vida. Barcelona: Anthropos, 1985): “minhas circunstâncias pessoais me permitiram aceitar o risco de uma conversão sem loucura, uma assunção sem repúdio, uma síntese e simbiose sem cair em um sincretismo ou ecletismo”. Como se escreveu sobre ele, é um místico portador de uma mensagem que apresenta um problema sem nunca se limitar ao todo constituído de uma instituição. Tivemos uma longa e intensa relação, intelectual e amistosa, alimentada, sobretudo, pelos nossos encontros na sua casa em Tavertet (Espanha). Ele foi um mestre e amigo; por isso me escrevia com frequência: “Lembro de ti e muito. Não deixes de me visitar em Tavertet. A uma certa idade, é preciso superar a tentação de se fazer de difícil”, me escrevia. “A amizade, que é uma forma de amar, é uma virtude humana e, portanto, cristã”.
IHU On-Line - Quais os principais passos de sua trajetória?
Victorino Pérez Prieto – Panikkar nasceu em Sarriá-Barcelona (Espanha) em 1918, numa família católica, mas com uma circunstância excepcional: seu pai era indiano e de religião hindu, aristocrático de Kerala, no sul da Índia, e sua mãe era catalã, burguesa e profundamente católica. Ele assumiu esta dupla origem fazendo-a mais ainda sua: “Não me considero meio espanhol e meio indiano, meio católico e meio hindu, mas totalmente ocidental e totalmente oriental”. Educou-se com os jesuítas de Barcelona, e em seguida realizou os seus estudos universitários em Ciências e Letras entre as universidades de Barcelona, Bonn e Madrid; posteriormente cursou Teologia em Roma. É doutor nas três disciplinas com magníficas teses publicadas (Filosofía: El Concepto de la naturaleza. Análisis histórico y metafísico de un concepto. Madrid 1972; Ciencias: Ontonomía de la ciencia. Sobre el sentido de la ciencia y sus relaciones con la filosofia. Madri, 1961; Teología: The Unknown Christ of Hinduism. Londres, 1964). Ordenou-se sacerdote em 1946, em Madri. E em 1953 fez sua “viagem romana”, para ir no ano seguinte à Índia, a Varanasi. A permanência ali mudou a sua vida. No encontro com a religião e a cultura daquele país descobriu um modo diferente de pensar e ver a religião, Deus, o ser humano e o cosmos. O terceiro grande encontro depois do cristianismo e do hinduísmo foi com o budismo, mas este triplo encontro não lhe fez abandonar nenhuma das identidades anteriormente conquistadas. Na Índia trabalhou como pesquisador nas universidades de Vanarasi e Mysore, aprofundando-se nas raízes do hinduísmo e do budismo. Voltou várias vezes à Europa e viajou por todo o mundo, dando cursos e conferências.
Vida nos Estados Unidos
Em 1971, instalou-se nos Estados Unidos, primeiro em Harvard e depois, de maneira quase permanente, na Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, como catedrático de Filosofia Comparada da Religião e História das Religiões. Ali se casou, mas sem abandonar o sacerdócio católico. Chegada a sua jubilação em 1987, Panikkar volta às suas raízes catalãs, instalando-se em Tavertet, onde viveu como um monge, com sua mulher e participando ativamente na vida cultural e religiosa catalã. Podemos falar de etapas na sua vida, as quais tenho recolhido no meu livro Más allá de la fragmentación de la teología, el saber y la vida: Raimon Panikkar (Prólogo de Raimon Panikkar, Valência 2008):
1. Etapa de estudos e atividade em Barcelona, Madri, Salamanca, Roma e outras cidades europeias (1918-1954).
2. Etapa da Índia. Simbiose cristã-hindu (1955-1966).
3. Etapa docente norte-americana (1966-1987).
4. Volta às suas raízes catalãs, para completar o ciclo vital (1987-2010).