Edição 341 | 30 Agosto 2010

IHU Repórter

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Márcia Junges e Cássio Pereira

Desde pequena Gelsa Knijnik gostava de brincar de professora. O amor por ensinar e também aprender a conduziu para o Curso de Licenciatura em Matemática. Após, realizou mestrado em Matemática e, posteriormente, o doutorado em Educação. Há quase 20 anos desenvolve pesquisas e atua junto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), fato que considera marcante não apenas em sua trajetória acadêmica, mas também na dimensão de sua vida pessoal. A convivência com os camponeses desse movimento, com os educadores e as lideranças, revela Gelsa, lhe possibilita um constante exercício de humildade intelectual. Apreciadora da arte, em suas múltiplas manifestações, um gosto que desenvolveu desde pequena, com seus pais, essa professora da Unisinos fala sobre a bela relação que tem com sua mãe, Liba Juta Knijnik, e com seu marido Attico Chassot. Confira a entrevista.

Origens - Nasci e cresci em Porto Alegre. Sou a filha mais velha de uma mãe professora e um pai médico. Tenho duas irmãs, Neusa Knijnik Lucion, que seguiu a profissão de meu pai, e Silvia Knijnik, arquiteta que se tornou, mais tarde, fiscal do Ministério do Trabalho.  Crescemos em um ambiente onde as coisas relacionadas à arte sempre foram muito cultivadas. Meus pais se conheceram quando ambos estudavam piano. Recordo sempre de um episódio na vida do meu pai que mostra muito de seu interesse e sensibilidade à arte. A primeira vez que ele e minha mãe foram à Europa, quis ir até o cemitério onde se encontrava o túmulo do Beethoven para, com um ramalhete de flores, homenagear o compositor que lhe havia propiciado tantos momentos de prazer ao longo da vida.

Postura política - Outra marca de minha família é o interesse pela política, nosso desassossego com as injustiças sociais, nossa inconformidade com discriminações. Vivemos intensamente a resistência à ditadura e todo o movimento que resultou na democratização. Vi amigos serem presos e torturados. O medo do tempo da ditadura muitas vezes me remonta ao medo da violência que encontramos nas ruas hoje. Esse sentimento de insegurança me marcou muito, essa coisa de caminhar sempre olhando para trás para ver se não estávamos sendo seguidos...

Pai - Perdi meu pai cedo. Na verdade, eu já havia lhe brindado com sua primeira neta, mas é sempre cedo para perder alguém que queremos bem. Ele me marcou muito por sua vibração e entusiasmo pela vida. Há uma avenida em Porto Alegre com seu nome. Na placa, estão os dizeres: “Rubem Knijnik, médico humanitário e protetor das artes”. Dedicou-se intensamente à sua profissão e apoiava os novos artistas, por saber o quão difícil era viver da arte.

Mãe - Minha mãe, que esta semana está completando 89 anos, é, para mim, um exemplo de mulher e de intelectual. Foi isso que escrevi ao dedicar-lhe minha tese de doutorado. Ela tem um grande interesse pela música, pelas artes visuais, pelo cinema. Tem uma agenda atribulada. Além de atender a esse interesse pela arte, frequenta um curso de História da Arte e segue com seus estudos de inglês e alemão, mesmo que seja fluente nesses idiomas. Mas um compromisso que coloca acima de todos esses são os dois turnos semanais que passa com seu bisneto Antonio, de três anos. A relação de amor que os une é algo comovente. Ela está muito em dia com as coisas do mundo, com a vida política do país. Até hoje acompanha de perto minha trajetória acadêmica, lendo e comentando meus escritos, defendendo, com veemência, seus pontos de vista. Preparou os quatro netos para o vestibular e com eles fez viagens ao exterior, para que pudessem usufruir da arte contemporânea internacional. Com seu entusiasmo e vibração pela vida e, em particular, pela educação, muitas vezes escuto dizer que ela ofereceu uma contribuição importante na área de formação de professores em nosso estado.

Família - Tenho duas filhas, Laura e Júlia, frutos de meu primeiro casamento. A Laura, mãe do Antonio, é professora de inglês e cursa o mestrado em Linguística Aplicada. A Julia vive em Paris, com Benjamin, um jovem pesquisador francês que lá conheceu em uma passeata contra a guerra do Iraque. Ela fez toda sua formação universitária lá e agora está em vias de terminar o doutorado em Direito Público Internacional. Há 23 anos, encontrei aquele que tem me acompanhado na vida de uma maneira muito intensa: meu marido, Attico Chassot, que, assim como eu, depois de se aposentar como professor na UFRGS, integrou o Programa de Pós-Graduação em Educação da Unisinos.  O Attico trouxe quatro filhos para nossa relação, o que fez ampliar meu mundo afetivo. Agora, quando juntos já temos cinco netos e um que em poucos dias nascerá, me dou conta da importância em minha vida desse alargamento afetivo. Tenho muito prazer em ver como nossos filhos são amigos e se querem bem, como eles, e agora os netos, estão crescendo partilhando os valores que nós dois cultivamos. Temos uma “domingueira” mensal, onde reunimos todos que estão na cidade. Têm sido momentos de intenso convívio e de muita troca de afeto.

Matemática - Minha trajetória acadêmica é ligada à Matemática. Fiz licenciatura e depois mestrado em Matemática Pura, uma área bastante abstrata, ligada à álgebra. Cheguei a começar um doutorado em Teoria das Especializações no Instituto de Matemática da Universidade de Oxford, mas por razões familiares tive que retornar antes do término. Fui professora durante 20 anos no Instituto de Matemática da UFRGS, no Curso de Licenciatura. Depois de minha aposentadoria, ao ler no jornal o edital da seleção para o Programa de Pós-Graduação em Educação da Unisinos, me submeti ao processo seletivo, ingressando em nossa universidade em 1996.

Educação - Foi na gestação da minha segunda filha que gestei também o retorno à educação de uma maneira mais intensa. Decidi fazer doutorado em Educação, que me propiciou começar um trabalho que vai completar 20 anos ininterruptos com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Minha vida acadêmica se divide em “antes e depois” do encontro com esse movimento, pois foi aí que pude articular dentro de mim a dimensão política de inconformidade com a injustiça e vontade de lutar por um mundo melhor com minha dedicação à produção do conhecimento. Meu trabalho com os camponeses Sem Terra me oportuniza o permanente exercício da humildade intelectual e mantém acesa, dentro de mim, a atenção ao necessário cuidado ético no ofício de pesquisadora. A vida acadêmica tem me propiciado participar de eventos em diferentes países e construir relações de amizade mesmo com colegas de longe.

Arte - Estudei piano, dança e frequentei escolinha de artes desde pequena. Como aluna do Instituto de Educação, em Porto Alegre, fiz teatro infantil. A música erudita é a minha preferida para momentos em que estou lendo ou estudando. Aprecio principalmente Mozart, Bach e Villa-Lobos. Na música popular brasileira, Chico Buarque, Maria Betânia e Marisa Monte. A fruição da arte contemporânea é, para mim, algo fascinante. Há muitos artistas que me entusiasmam, como os brasileiros Waltercio Caldas, Tunga, Lygia Clark e Adriana Varejão, o estadunidense Dale Chihuly, o francês Ives Klein, o inglês Francis Bacon e o espanhol Antoni Tapies. Em nossas viagens de férias, Attico e eu nos dedicamos muito a ver exposições, a frequentar museus, como o Serralves, da cidade do Porto, o Louisiana, de Copenhague e a Tate Modern, de Londres.

Literatura - Sou bastante eclética em minhas leituras. Nos últimos tempos, o livro que mais me emocionou foi o Sorriso etrusco, do autor espanhol José Luis Sampedro. É uma história comovente, que trata do amor de um avô por um neto, das tensões vividas pelo camponês da Sicília por suas discordâncias com o modo com que o filho e a nora, uma professora universitária, educavam o menino. Talvez pelo momento que estou vivendo, no qual o Áttico e eu curtimos muito essa experiência fascinante de conviver com os filhos dos nossos filhos, a obra tenha me tocado tanto. Quando viajo, nas esperas de aeroporto e em voos longos, gosto muito de levar obras de Georges Simenon, uma literatura mais “ligeira”.

Unisinos - Ao longo dos anos, presenciei vários redirecionamentos na caminhada da Unisinos. Algumas deles, inicialmente, foram difíceis de compreender. Mas hoje me dou conta de que a universidade encontra-se no patamar onde está devido a esse percurso. Em todo este tempo em que estou na Unisinos, tive muitas gratificações. Aqui, o trabalho que eu já desenvolvia com o MST foi mais bem acolhido do que na instituição pública federal na qual trabalhava. O ethos de nosso Programa de Pós-Graduação em Educação favorece o fortalecimento de vínculos que transcendem a dimensão acadêmica. Prezo muito a relação de amizade e parceria que tenho construído com meus orientandos, uma relação que tem nos mantido próximos, acadêmica e pessoalmente, mesmo depois de seus mestrados ou doutorados concluídos. Tenho muito orgulho em ver jovens, que comigo se iniciaram na pesquisa, serem profissionais respeitados academicamente em nossa instituição e em outras nas quais prestaram concurso.

IHU - O que entendo como espírito universitário se realiza plenamente no Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Nas múltiplas atividades desenvolvidas pelo IHU, encontro, de uma maneira intensa, o que mais prezo: o exercício da controvérsia, o debate de ideias em torno de temas atuais. Muitas vezes já comentei com amigos e colegas que considero a Revista IHU On-Line o mais importante semanário que temos no Brasil, pela atualidade e profundidade dos temas que discute.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição