Edição 339 | 16 Agosto 2010

Paulo Staudt Moreira

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Patricia Fachin

Política e literatura sempre foram temas presentes na vida do professor e coordenador do PPG em História da Unisinos, Paulo Staudt Moreira. Jovem militante no período da Ditadura, ele era afeiçoado a partidos de esquerda, principalmente ao Partido dos Trabalhadores (PT). Na entrevista que segue, o professor reflete sobre o atual momento político brasileiro e enfatiza que “vivemos num processo de descoberta da democracia, o que, para nós, brasileiros, é uma novidade”. Confira.

Política e literatura sempre foram temas presentes na vida do professor e coordenador do PPG em História da Unisinos, Paulo Staudt Moreira. Jovem militante no período da Ditadura, ele era afeiçoado a partidos de esquerda, principalmente ao Partido dos Trabalhadores (PT). Na entrevista que segue, o professor reflete sobre o atual momento político brasileiro e enfatiza que “vivemos num processo de descoberta da democracia, o que, para nós, brasileiros, é uma novidade”.

Confira.

Origens – Nasci em Alegrete, no ano de 1962. Meu pai, Antonio Carlos Moreira, nasceu em Bagé e é de origem portuguesa e siciliana. Minha avó enviuvou muito cedo, então ele teve de trabalhar a partir dos oito anos de idade, vendendo pastel na rua. Por volta de 1943, ele mudou para Porto Alegre e morou em várias pensões, todas no Bairro Floresta, onde conheceu minha mãe. A origem dela é completamente diferente: é uma típica descendente de alemães A família tinha alguns bens na cidade de Tapera, porém empobreceu, fato que a fez ir morar em Porto Alegre, passando a trabalhar como comerciaria em uma loja."
Em 1953, eles se casaram e tiveram quatro filhos: primeiro minhas duas irmãs e, depois, enquanto morávamos em Alegrete em função do trabalho do meu pai na Cooperativa da Viação Férrea, nascemos eu e meu irmão. Quando eu tinha cinco anos, a família retornou a Porto Alegre. Sou um típico portoalegrense e gremista.

Estudos – Sempre estudei em escola pública. Iniciei os estudos no Grupo Escolar Camila Furtado Alves, em Porto Alegre e conclui o então Segundo Grau (hoje, Ensino Médio) no Colégio São Pedro. Nesta época, os militares retiraram do currículo escolar matérias contestadoras, políticas e introduziram disciplinas profissionalizantes. Então, me formei em Contabilidade, o que me garantiu o primeiro emprego. Com 16 anos, comecei a trabalhar como técnico contábil em uma imobiliária. Depois, trabalhei cinco anos em um banco privado.

Ditadura – No período da Ditadura, havia um investimento nas comemorações cívicas. Até hoje isso é algo complicado para mim. Sinto-me estranho cantando o Hino Nacional; sempre acho que é meio reacionário ser nacionalista. Lembro com carinho e respeito de uma professora chamada Rosa Maria. Ela subvertia a Moral e Cívica, discutia liberdade e cidadania, e, sem querer, me incentivou a ser historiador.
Meu pai nasceu em 1922, no mesmo ano de nascimento do Brizola. Criei-me influenciado pelo brizolismo do meu pai e, portanto, rejeitando a ditadura militar. Mais tarde, ao aderir a outros partidos mais de esquerda, tive algumas discussões com ele. Nada de muito grave, pois ainda somos muito ligados.

Faculdade – Quando conclui o Ensino Médio, fiquei apenas trabalhando. Mais tarde, escolhi um curso superior que desse dinheiro. Na época, a tendência era cursar Processamento de Dados. Então, iniciei o curso na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Em determinado momento, percebi que era muito infeliz trabalhando como bancário e frustrado fazendo aquela faculdade. No terceiro semestre da graduação, tinha a nítida certeza de que iria me tornar um analista de sistemas razoável, mas muito triste. Foi aí que decidi cursar História, na Unisinos. A professora Helga Piccolo me convidou para ser bolsista. Isso foi fantástico porque ela me introduziu no mundo da pesquisa. Continuei trabalhando no banco mais alguns anos, até que assumi a profissão de professor, lecionando em escolas estaduais.
Em outra ocasião, a professora Helga me incentivou a cursar o mestrado na UFRGS e acabou orientando a minha dissertação. Nesse período fiz um concurso estadual e me tornei Historiador do Governo do Estado, em 1992. Trabalhei, desde então, no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Depois, fiz doutorado na mesma universidade, orientado pela professora Sandra Pesavento, que faleceu há pouco tempo.

Carreira acadêmica – Ser professor na universidade parece algo inacreditável. Quando entrei na Unisinos, há oito anos, encontrei professores que me deram aula na graduação. O respeito que tenho por eles é impressionante. Lembro das aulas de história medieval com o Baldissera, de história moderna com a Beatriz Franzen, de história gaúcha com a Capovilla, de arqueologia com o Pe. Ignacio Schmitz , de história antiga com o Pe. Milton Valente. Além disso, fui colega de aula de vários dos atuais professores, os quais conheço há 30 anos. Marluza Harres, Eliane Fleck, Maria Cristina Martins, Sirlei Gedoz, Marcos Tramontini , todos colegas e amigos dos corredores da Unisinos, depois, de congressos e da associação dos historiadores gaúchos.
Família – Sou casado. Conheci a Dani [Daniela Carvalho], minha esposa, aqui na universidade. Ainda não temos filhos, mas estamos encomendando.

Lazer – Adoro livros policiais e adoro romances. Sou apaixonado por música e frustrado por não saber tocar nenhum instrumento. Fui, durante muito tempo, assíduo corredor. Nos primeiros anos trabalhando na Unisinos, sempre ia até o complexo desportivo para correr na pista. Isso me fortalecia para as aulas. Também gosto de futebol.

Religião – Minha família é católica e uma das tarefas que tenho é levar ocasionalmente a minha mãe à missa. Quando eu estava na graduação, tentei me tornar marxista e ateu. Em termos de marxismo até que fui bem sucedido, mas não no quesito fé, porque a Igreja sempre foi um lugar onde me senti bem. Minha mãe passou para mim um catolicismo humanista. Então, a religião e a fé, para mim, sempre foram “a cara” dela. Hoje, me considero um agnóstico e assumi as minhas dúvidas. Às vezes achamos que a nossa vida é sempre uma jornada em busca de certezas, mas não. Ela pode ser uma excelente peregrinação em busca das dúvidas.

Política – Eu era daqueles milhares que participavam de comícios do PT, escolhia candidatos para fazer campanha. Quem viveu esse momento sabe que foi lindo e não me arrependo. Acho que vivemos num processo de descoberta da democracia, o que, para nós, brasileiros, é uma novidade. O que menos tivemos na história brasileira foi democracia. Estávamos num afã muito grande de resolver todas as nossas demandas sociais e fazer com que o país se tornasse um paraíso.  Tentamos fazer a revolução porque achamos que tudo vai certo. Acontece que não é assim. Vivemos numa sociedade plural e cheia de problemas a serem resolvidos. Então, é obvio que o governo Lula causou uma série de frustrações, mas é um aprendizado da vida em democracia.
Claro que ficamos chateados ao observar que pessoas do PT compactuaram com práticas que criticávamos em outros governos. Não tenho mais uma prática política efetiva no sentido de apoiar candidatos, sair na rua. Meu pai acha que me tornei muito sem graça por que tínhamos grandes discussões políticas em casa: ele defendendo o brizolismo e eu o PT.

Sonhos – Meus sonhos são momentâneos. Sempre sonhei em morar em uma casa com pátio para poder cuidar de vários cachorros. Estou vivendo um momento profissional e sentimental que gosto muito.

Unisinos – Estou há oito anos na universidade e, nesse tempo, a Unisinos passou por várias transformações que chocaram professores e funcionários, como a saída de vários profissionais. Torno-me solidário e me sensibilizo com estas perdas de amigos e colegas. Mas a Unisinos não está isolada do mundo e esse é um processo radical que está ocorrendo em diversos lugares. Percebo que estamos num outro momento, ligado a uma ânsia de produtividade – o que não é uma característica apenas da universidade. Participei do Fórum de Coordenadores de Pós-Graduação, no Rio de Janeiro, e a reclamação era de que existe hoje um estimulo abusivo à produtividade. Isso pode nos conduzir a uma superprodução superficial. Tenho muita expectativa na forma como as atividades estão sendo conduzidas na Unisinos. A universidade é um referencial educacional. Certas palavras nos assustam e têm nos levado a algumas angustias. Quando ouvimos falar em sustentabilidade, competitividade, achamos que o capitalismo venceu tudo. Mas, na verdade, é a aceitação de algumas regras das quais não escapamos, porque estamos em uma universidade particular. Em termos de pós-graduação, estamos entre as melhores do país. A reitoria e as diversas unidades têm de estar conscientes dos riscos de um possível desestímulo às áreas das ciências humanas. Esse é um risco que não podemos correr. As ciências humanas são, por excelência, os locais onde se promove a consciência, a reflexão e a autocrítica. Por isso mesmo, precisam ser estimuladas.

IHU – O IHU é interessante. Parece-me o local de inerente reflexão e ponto crítico. O IHU é um ponto de referência e aponta para o futuro e o horizonte.

 

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