Edição 339 | 16 Agosto 2010

“A bíblia de Jesus foram os corações fervorosos de Maria e de José”

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Graziela Wolfart

Para Geraldo Dondici Vieira, os Evangelhos são os caminhos mais diretos para encontrar a realidade e o sublime mistério do mestre da Galileia, Jesus de Nazaré, o Filho de Deus

“O homem Jesus, o Deus encarnado, assumiu completamente a vida dos homens e mulheres do seu tempo. Assumiu sua língua, seus valores, seus problemas, suas dúvidas, suas ameaças e inseguranças. A todos se mostrou próximo e cheio de generosidade. E os convidou dizendo assim: ‘Vinde a mim...’ (Mt 11,28). A proximidade e hospitalidade generosa de Jesus são valores que o cristianismo deverá sempre buscar assumir e viver profundamente”. A declaração é do padre e professor na PUC-Rio Geraldo Dondici Vieira. Ele concedeu a entrevista que segue por e-mail à IHU On-Line, refletindo sobre o Jesus histórico. Geraldo Vieira entende que “jamais teríamos tido contato com o homem Jesus, se ele não nos tivesse transformado com a verdade de sua vida e de sua missão: ser o Filho de Deus feito homem por dádiva incomparável do amor do nosso Pai e Deus”.

Geraldo Dondici Vieira possui graduação em Teologia pelo Instituto Teológico Arquidiocesano Santo Antônio, de Juiz de Fora, Minas Gerais, graduação em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora, mestrado em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma e doutorado em Teologia Bíblica pelo Instituto Santo Inácio, que hoje é a Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE, de Belo Horizonte, Minas Gerais. Atualmente é professor e coordenador da graduação em Teologia na Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e professor visitante na Faculdade São Bento do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Teologia, com ênfase em Exegese Bíblica. É autor de A grande ruína (Juiz de Fora: Editar Editoria Associada, 2008).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como entender a lacuna histórica da vida de Jesus dos 12 aos 30 anos nos Evangelhos? O que Jesus pode ter feito neste período de tempo, considerando seu contexto?

Geraldo Dondici Vieira – “O menino crescia e se fortalecia, enchendo-se de saber, e o favor de Deus o acompanhava” (Lc 2,40); “...e foi morar num povoado chamado Nazaré. Assim se cumpriu o que foi anunciado pelo profeta: será chamado Nazareno” (Mt 2,23). Os evangelhos são relatos teológicos nascidos a partir da experiência de fé dos que viram e ouviram Jesus. O fato de terem seguido os passos do mestre e o terem acolhido na fé como o Filho de Deus fizeram deles testemunhas de um evento absolutamente novo na terra. Deus se fizera homem e havia estado entre nós. Este fato histórico fundante determina todas as outras narrativas presentes nos Evangelhos. Os Evangelhos narram e testemunham tudo aquilo que é necessário acolher para se crer em Jesus. Os autores inspirados (evangelistas) jamais imaginaram ou poderiam ter pensado numa separação entre “Jesus da História” e “Jesus da Fé”. Sabemos, sempre dentro da experiência da Fé, que Jesus viveu no seio de uma família comum no interior da Galileia. Sabemos que foi educado como um menino judeu de seu tempo. Sabemos que era artesão de profissão, como seu pai, e que cumpriu basicamente tudo o que o judaísmo pedia dele.

IHU On-Line – Como o senhor descreve Jesus de Nazaré? Quem foi Jesus homem?

Geraldo Dondici Vieira – A família - Como todo judeu da interior da Galileia no século I, Jesus viveu no seio de uma grande família. Certamente, em várias casas muito simples agrupadas ao redor de um pátio comum. Ali conviviam avós; tios; primos; cunhados e noras, e também hóspedes e agregados, reunidos em estreito laço de sangue e de mútua ajuda. A grande família era uma condição para a sobrevivência. Havia carência de bens de primeira necessidade e fome na Palestina do primeiro século. Os Evangelhos nos apresentam nomes de pessoas da família de Jesus: Maria e José; Tiago; José; Simão e Judas (Mt 15,55).

A profissão – Como José de Nazaré, Jesus foi até se mudar para Cafarnaum (Mt 4,13) um artesão. Trabalhava com madeira, pedra, barro e ferro na construção de casas, pequenos móveis, instrumentos agrícolas e utensílios domésticos. Deve ter tido a necessidade de andar de povoado em povoado em busca de trabalho. Pode ter ajudado em sua primeira juventude na reconstrução da cidade de Séforis, capital da Galileia, que estava apenas a cerca de 5 km de Nazaré.

A formação espiritual e cultural – Deve ter sido a de qualquer menino do seu tempo num povoado do interior. Isto é, baseada na tradição oral dos antigos. Certamente, a bíblia de Jesus, que não deve ter sido um livro ou rolo, foram os coração fervorosos de Maria e de José, como também, os corações de outros anciãos e anciãs de Nazaré. Como bons judeus, a família de Jesus guardava com carinho o sábado; vivia profundamente o espírito de cada uma das festas ao longo do ano, especialmente a Páscoa, e subiam, quando podiam, em peregrinação a Jerusalém. Frequentavam a sinagoga de Nazaré e faziam suas orações diariamente.

Jesus rompe com sua família – Em sua maturidade, após a juventude, Jesus deixa Nazaré e se estabelece em Cafarnaum, agitada cidade à beira do mar da Galileia (no meio de uma rota comercial). Ali passa a morar como hóspede na casa de Simão Pedro (Mt 8, 14-15). Muito provavelmente, Jesus ajudará nas despesas de casa trabalhando como pescador ou ajudando com seus dotes de artesão. De Cafarnaum, parte em pequenas missões de pregação pelos arredores. Como mestre, Jesus prega com simplicidade e autoridade. Seu ensinamento causa grande alegria e também certo estranhamento. Trata-se de um ensino novo. Viverá como mestre peregrino até o final de sua vida.

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