Edição 338 | 11 Agosto 2010

"Os indígenas estão contribuindo imensamente com a Psicologia”

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Graziela Wolfart

Bianca Sordi Stock explica que os povos indígenas sofrem de problemas ligados às emoções e comportamento, de ordem subjetiva, no entanto, sentem e significam de maneiras diferentes

“Psicologia, Saúde Mental e Povos Indígenas: composição de possíveis”. Este será o tema de um evento a ser realizado na próxima quinta-feira, dia 12 de agosto, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU. A MS Bianca Sordi Stock, da Fundação Nacional de Saúde – Funasa, conduz o debate das 17h30min às 19h, que será um pré-evento do XII Simpósio Internacional IHU: A Experiência Missioneira: território, cultura e identidade, a ser promovido pelo IHU em outubro deste ano.
Bianca adiantou o tema para a IHU On-Line, concedendo a entrevista que segue, por e-mail. Nela, afirma que atualmente, o que mais preocupa as lideranças são os casos de uso abusivo de bebidas alcoólicas, baixa autoestima, suicídio, violência e o aumento relevante do uso de psicotrópicos pelas mulheres. “A psicologia construiu, ao longo da sua história, ferramentas para lidar com estes desafios, assim como as populações indígenas têm as suas próprias ferramentas. O mais rico destes encontros é podermos habitar os paradoxos, ocupar o espaço entre e a interlocução de saberes. Assim produzimos diferença, no sentido de diferenciarmos a vida, ampliarmos seus possíveis, ao invés de nos vermos encurralados em um determinado sintoma de morte subjetiva”, afirma.

Bianca Sordi Stock possui graduação em Psicologia pela Unisinos e mestrado em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente é professora na Unisinos, tutora da residência em saúde mental coletiva da UFRGS e psicóloga da Fundação Nacional de Saúde – Funasa.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que relações podemos estabelecer entre Psicologia, saúde mental e povos indígenas?

Bianca Sordi Stock – Os povos indígenas hoje vêm enfrentando problemas novos em função da maior aproximação com a sociedade envolvente. No desejo de criarem alternativas de cuidado diferentes que auxiliem no enfrentamento dos novos cenários, estão procurando dialogar com setores da sociedade que ainda os desconhecem muito, como no caso dos profissionais psi e das práticas antimanicomiais e de redução de danos na saúde mental. Esta pode ser uma interface muito interessante, pois todos podem ter a ganhar, a ampliar os modos de ver o mundo, potencializando a vida. Os encontros são interessantes na medida em que são realizados de maneira simétrica, sem hierarquia de saberes. 

IHU On-Line – Como podemos avaliar, de forma geral, a saúde mental dos povos indígenas? Quais os principais conflitos por eles enfrentados?

Bianca Sordi Stock – Primeiramente uma ressalva deve ser feita. Não me sinto à vontade para falar em saúde mental dos povos indígenas. Penso que é muito cedo para fazermos uma transposição de conceito. Saúde mental é um conceito que não faz parte das cosmologias indígenas. Assim como as categorias diagnósticas que a Psicologia e a Psiquiatria construíram historicamente, como, por exemplo, depressão, esquizofrenia, até mesmo alcoolismo. Os povos indígenas sofrem de problemas ligados às emoções e comportamento, de ordem subjetiva, no entanto, sentem e significam de maneiras diferentes. Isto faz toda a diferença nos modos de cuidado, de promover saúde. Atualmente, o que mais preocupa as lideranças, de uma forma geral, são os casos de uso abusivo de bebidas alcoólicas, baixa autoestima, suicídio, violência e o aumento relevante do uso de psicotrópicos pelas mulheres. A psicologia construiu, ao longo da sua história, ferramentas para lidar com estes desafios, assim como as populações indígenas têm as suas próprias ferramentas. O mais rico destes encontros é podemos habitar os paradoxos, ocupar o espaço entre e a interlocução de saberes. Assim produzimos diferença, no sentido de diferenciarmos a vida, ampliarmos suas possibilidades, ao invés de nos vermos encurralados em um determinado sintoma de morte subjetiva.

IHU On-Line – Como a Psicologia pode contribuir para a saúde mental dos povos indígenas?

Bianca Sordi Stock – Em 2009 realizamos uma reunião no Conselho de Psicologia do Rio Grande do Sul, onde as lideranças indígenas da região metropolitana de Porto Alegre apontaram que o foco principal da atuação dos Psicólogos deve ser auxiliá-los a lidar com os problemas decorrentes do preconceito e da violência velada que sofrem no contato mais intenso com a sociedade envolvente. Desde, por exemplo, o fato de serem rechaçados no ônibus por terem cheiro de fumaça, assim como o atendimento inadequado nos postos de saúde, ou a cara de desgosto de parte da população que os vê comercializando artesanato e outros itens na feira da cidade. Achei importantíssima esta primeira recomendação das lideranças, pois coloca em questão a qualidade das relações que vêm estabelecendo com a cidade, com as outras culturas, com as instituições governamentais etc. Nos termos do filósofo Spinoza , podemos questionar a qualidade destes encontros, se estão sendo bons ou maus e como podemos vivê-los de outras maneiras. A Psicologia é a profissão que problematiza as relações em seus mais diferentes âmbitos, em uma função clínica e política da vida, criando coletivamente maneiras singulares de cuidado de si, do outro e do mundo. Portanto, além de esta ciência auxiliar no refinamento da capacidade crítica de problematização dos encontros, até mesmo os que se fazem com a bebida alcoólica, entre outros, vivo a experiência incrível de os indígenas estarem contribuindo imensamente com a Psicologia. Temos muito o que aprender com a convivência ao lado das comunidades indígenas e com o perspectivismo ameríndio. Uma iniciativa excelente foi realizada pelo Conselho de Psicologia de São Paulo, que em 2010 fez um processo participativo e descentralizado em todo o estado de São Paulo, convidando lideranças, comunidades indígenas, profissionais psi e da saúde, assim como antropólogos e instituições públicas para criarem as recomendações da atuação de psicólogos junto a populações indígenas. De uma série de encontros foi publicado recentemente o livro Psicologia e Povos Indígenas, com distribuição gratuita pelo Conselho Regional de Psicologia – CRP de São Paulo.

IHU On-Line – Como esse debate sobre a saúde mental dos povos indígenas pode contribuir para a discussão sobre a ideia de território, cultura e identidade dos indígenas?

Bianca Sordi Stock – Penso que tem muito a contribuir. Vivemos a sobreposição de territórios ancestrais e nacionais, assim como a sobreposição de territórios subjetivos. O que se passa no entre? São muitos conceitos que precisam ser revistos e escutados a partir modo indígena de pensá-los. Não vamos pegar cultura e identidade como construções dadas ou tranquilas para todos. Com os antropólogos que estão pensando o perspectivismo ameríndio, mas, sobretudo, com a convivência constante com as comunidades indígenas, tenho compreendido cada vez mais que identidade não tem a ver com diferença, inclusive, identidade, da maneira como a tradição ocidental a entende, não é um valor a ser afirmado nas relações ameríndias com o mundo. Esta discussão é de toda a relevância, pois nela estão contidas as balizas éticas da atuação dos psicólogos e outros profissionais que se veem às voltas com as questões de reconhecimento e afirmação cultural.
Tenho encontrado nos filósofos da diferença, assim como na clínica, que se pensa a partir desta interface um terreno fértil para pensarmos estas questões. A produção de saúde é inseparável da produção de subjetividade. Por isso, devemos perguntar nestas discussões, assim como Deleuze nos provoca: “fazemos isso, dizemos aquilo. Que modos de subjetivação isto implica?”

Leia mais...

>> Bianca Sordi Stock já concedeu outra entrevista para a IHU On-Line:

* O encontro entre a psicologia e os índios do espaço urbano. Entrevista publicada nas Notícias do Dia de 06/10/2007.

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