Edição 338 | 11 Agosto 2010

Uma economia do petróleo

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Patrícia Fachin

Está se criando uma bolha de consumo e endividamento colossal, que, quando estourar, vai gerar uma estagnação econômica prolongada”, analisa Carlos Lessa.

A economia brasileira está se recuperando depois de 25 anos de estagnação. No entanto, caso a indústria nacional não retome o crescimento da capacidade produtiva, o atual endividamento familiar ocasionado pela liberação de crédito pode ter como consequência uma “bolha de consumo e endividamento colossal, que, quando estourar, vai gerar uma estagnação econômica prolongada”. O alerta é do economista e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, Carlos Lessa.


Para ele, a economia do petróleo, criada pelo Presidente Lula, pode ser a alavanca para o desenvolvimento industrial. E aposta: “Todas as indústrias associadas a abastecer a economia do petróleo e todas as atividades de processamento de petróleo para fazer outros produtos terão altíssima prioridade e mercado firme por que essa economia irá crescer”.
Na entrevista a seguir, concedida, por telefone, para a IHU On-Line, Lessa menciona que a economia nacional só irá crescer “se o novo governo tiver coragem de colocar o Banco Central sob controle, fizer fusões empresariais no setor público”, reduzir o superávit primário e desvalorizar o câmbio. Com otimismo, conclui, pode haver “explosão de crescimento”.


O economista estará na Unisinos, no dia 23/8/2010, às 20h, participando do Ciclo de Palestras socioambientais e econômicas do Brasil 2010-2015. Limites e Possibilidades, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Na ocasião, abordará os desafios do desenvolvimento brasileiro. Para maiores informações, acesse http://migre.me/13mMg.


Carlos Lessa é formado em Ciências Econômicas pela antiga Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ) e doutor em Ciências Humanas pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas – Unicamp. Em 2002, foi reitor da UFRJ e, de janeiro a novembro de 2003, assumiu a presidência do BNDES.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O senhor verifica um processo de industrialização ou desindustrialização no cenário nacional?

Carlos Lessa – O Brasil passou por um período intenso de desindustrialização, onde perdeu posição relativa no ranking mundial. Em 1980, o país era a oitava economia industrial do mundo e, hoje, deve ser a décima terceira. Houve uma desmontagem de cadeias produtivas, setores industriais inteiros foram desarticulados. O Brasil tinha três fábricas locomotivas; não tem mais nenhuma. Atualmente, está em início uma modesta recuperação.

IHU On-Line – O senhor disse que a manutenção da atividade industrial se baseia num avassalador endividamento familiar. Pode nos explicar essa ideia? O que essa política sinaliza para o futuro?

Carlos Lessa – O endividamento familiar é uma das maneiras de dar início à recuperação da economia. A questão é que o Brasil só faz o endividamento familiar. A frota automobilística brasileira, por exemplo, dobrou nos últimos dez anos; cresceu 9% ao ano em cima de uma explosão da dívida dos compradores de veículos. Hoje, cerca de 53% das famílias brasileiras estão endividadas. Utilizar a dívida das famílias para ampliar o mercado no presente é normal e, com essa medida, se mantém a atividade industrial. Se a indústria retoma o crescimento produtivo, o endividamento é virtuoso, ou seja, ele faz com que haja crescimento da capacidade produtiva, logo, do emprego e da renda. Com essa ambiência, ter-se-á mais emprego e renda melhor, a dívida pesa menos e o sistema se expande. Se, pelo contrário, houver endividamento familiar e não houver elevação da taxa de investimento, quer dizer, se as empresas não investirem, esse endividamento irá gerar uma bolha perniciosa que poderá produzir crises econômicas terríveis.
No Brasil, as famílias estão se endividando de todos os meios, modos e formas. Foram criados todos os mecanismos para isso: desconto em folha, crédito consignado, além de terem mudado a legislação, que agora permite a retomada de bens não pagos. Só que a taxa de investimento da economia brasileira continua medíocre, em torno de 18% ano. Para se ter ideia de quão pouco isso é, basta ver que a taxa da China é de 40% e da Índia, de 30%. A taxa de investimento brasileira de 1960 até 1980 foi de 25% ao ano.
Por que a taxa de investimento está tão baixa apesar de as empresas estarem sendo beneficiadas por esse endividamento das famílias? Primeiro porque o Banco Central faz absoluta questão de pagar o juro mais alto do mundo e, ao mesmo tempo, valorizar o Real de forma espantosa. Essas medidas estimulam as empresas a serem mais importadoras, e não produtoras, o que deviam ser. Elas não irão investir quando se tem pela frente uma ameaça de importações baratas. O Banco Central trabalha contra o crescimento industrial brasileiro: toda vez que a indústria nacional começa a crescer, ele tenta pôr freios e isso faz com que o investimento privado seja pequeno. Já o investimento público – que é chave no processo de crescimento e desenvolvimento econômico – deveria ser de 5% ao ano, e é de 2,5%.
Minha preocupação é a de que está se criando uma bolha de consumo e endividamento colossal, que, quando estourar, vai gerar uma estagnação econômica prolongada.

IHU On-Line – Qual é a contribuição do BNDES no processo de industrialização do país?

Carlos Lessa – Em tese, o BNDES e a Caixa Econômica Federal são os únicos instrumentos do governo que funcionam na contramão do Banco Central. Eles tentam oferecer juros baixos e condições de crédito a longo prazo. O BNDES faz uma força enorme para preservar as empresas brasileiras, mas não basta apenas o banco fazer isso. É preciso que os empresários privados queiram se endividar a longo prazo. Mas eles não querem isto, pois preferem fazer aplicações financeiras, tendo enormes grupos no Brasil e investindo no exterior. Um exemplo é a Vale do Rio Doce, que está crescendo e comprou minas e companhias no Canadá; a Petrobras comprou uma refinaria no Japão. Historicamente, o BNDES só poderia financiar empresas com capital 100% nacional. Na Constituição de 1988 havia um conceito de empresa nacional, mas Fernando Henrique Cardoso promoveu uma emenda constitucional que acabou com esse paradigma e, por isso, o BNDES é obrigado a emprestar dinheiro a empresas residentes no Brasil, que têm mais facilidade de se endividarem no exterior, mas preferem pegar o dinheiro barato do BNDES e aplicar em juros no mercado financeiro interno. Isso prejudica a política do BNDES a favor da industrialização nacional. De qualquer modo, o banco é favorável à industrialização, da mesma maneira que a política da Caixa Econômica é a única forma correta de endividamento familiar.

IHU On-Line – O Brasil investe em gigantes nacionais nos setores de energia, alimentos, construção. Qual é a estratégia política do governo a partir desses investimentos?

Carlos Lessa – O discurso do BNDES é: “Vem a mim, meu coração”. O Banco hoje, de certa maneira, é aberto a ajudar todo e qualquer projeto razoável que se apresente. Não existe, propriamente, uma fixação de frente de desenvolvimento industrial. A única frente de desenvolvimento industrial que foi criada pelo governo Lula, e que se mantém firme, é a da economia do petróleo. Ou seja, todas as indústrias associadas a abastecer a economia do petróleo e todas as atividades de processamento de petróleo para fazer outros produtos terão altíssima prioridade e mercado firme por que essa economia irá crescer. Aliás, Lula fez um ensaio bonito com a indústria de construção naval, que estava praticamente morta, e foi no governo dele que ela renasceu a partir de encomendas da Petrobras. Infelizmente, não reapareceram a navegação fluvial, a navegação de cabotagem. Porém, a construção naval para a Petrobras é um sucesso.

IHU On-Line – Como percebe a compra da Telefônica na participação da Portugal Telecom (PT) na Vivo? O que significa isso no momento atual?

Carlos Lessa – Não tenho opinião formada sobre esse assunto. A privatização do setor de comunicação do Brasil foi estúpida. Veja a diferença em relação a outros países: o México privatizou uma única empresa, a qual está entre os maiores grupos mundiais. O Brasil esquartejou seu setor de telecomunicações em quatro sub-redes regionais e quem ganha com isso é a mídia, em função da propaganda.

IHU On-Line – Três anos após o início da crise, os mercados reinam novamente. O que aconteceu?

Carlos Lessa – Crises são frequentes na história e promovem transformações importantes no capitalismo. A crise que começou em 2008 ainda não acabou: a Europa está devastada; o Japão está em péssima situação; os EUA continuam em crise e o FED  disse que vai parar de ajudar as instituições, quer dizer, se ajudar mais irá desvalorizar os Títulos do Tesouro norte-americano. A crise de 1929 arrebentou a economia mundial e terminou quando iniciou a Segunda Guerra Mundial, ou seja, foi ela quem tirou os países da crise.
A crise de 2008 mostra com clareza que a economia de mercado funciona mal. O problema é que, na hora em que há melhoria, a mídia conservadora e o sistema financeiro internacional procuram fazer de conta que está tudo bem, o que não é verdade. A Alemanha, que é o sustentáculo da Europa, aplicou um problema de contenção brutal que desativou parte do exército alemão; Portugal também está em crise; a Grécia quebrou. Além do mais, há uma série de mortes anunciadas começando pela economia da Espanha, da Hungria, da Irlanda e, estão dizendo, que as economias italiana e inglesa estão debilitadas. Nessas crises, o capitalismo renova formas de crescer.

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