Edição 338 | 11 Agosto 2010

A concentração do investimento e da produção em poucos setores

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Patrícia Fachin

Para o economista Mansueto Almeida, o Brasil não vive uma desindustrialização e, sim, maior concentração de investimentos e de produção industrial em poucos setores. Segundo ele, a política industrial brasileira promove grandes empresas para “fazer mais do mesmo

“Não entendo porque temos que focar tanto na criação de grandes empresas. No mundo, as inovações radicais vêm de empresas pequenas e não de grandes, embora essas últimas são as que normalmente se associam às pequenas para levar essas inovações ao mercado”. A opinião é do Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, Mansueto Almeida. Na avaliação do economista, a política industrial brasileira é ampla e ambiciosa, mas beneficia setores da indústria que já são competitivos. Além do mais, enfatiza, “as políticas de fomento setorial envolvem uma contradição desde a sua concepção. Por um lado, a política industrial tenta incentivar a indústria que se quer ter (mais intensiva em tecnologia), mas essa política mostra seus resultados apenas no longo prazo. Por outro lado, para aumentar a taxa de investimento na economia brasileira hoje é muito mais fácil incentivar os setores da economia que já são competitivos, ou seja, aqueles setores ligados à indústria extrativa, siderurgia, petróleo e gás, alimentos e bebidas e agribussiness”.


Ainda nesta entrevista, concedida, por e-mail, para a IHU On-Line, Almeida assinala que o modelo de desenvolvimento brasileiro ainda não está claro e que “ter um Estado mais ativo e um banco de desenvolvimento com mais recursos não é um projeto nacional”. Ele também faz um alerta para “o excesso de otimismo” brasileiro e alfineta: “Da mesma forma que o pessimismo nos leva ao imobilismo por não aproveitar as oportunidades de reformas e crescimento que se apresentam, o excesso de otimismo cria a falsa expectativa de que não precisamos fazer mais nada, pois o país já teria entrado em um rota de crescimento sustentável, o que não é verdade”.


Mansueto Facundo de Almeida Jr. é formado em Economia pela Universidade Federal do Ceará - UFCE, mestre em Economia pela Universidade de São Paulo – USP. Ele cursou doutorado em Políticas Públicas no MIT, Cambridge, EUA. Almeida é ex-coordenador-geral de política monetária e financeira na Secretaria de Política Econômica no Ministério da Fazenda (1995-1997), ex-assessor da Comissão de Desenvolvimento Regional e de Turismo do Senado Federal (2005-2006). Em seu blog, publica artigos sobre desenvolvimento, política econômica e crescimento. Acesse em <http://mansueto.wordpress.com/>.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O Brasil vive hoje um período de desindustrialização ou industrialização?

Mansueto Almeida - Não se sabe exatamente hoje se o Brasil vive uma desindustrialização. Para alguns economistas, esse processo está em curso com a perda da participação da indústria no PIB e teria relação com a baixa competitividade dos produtos manufaturados, que vêm perdendo participação na nossa pauta de exportação. No entanto, outros indicadores, como o crescimento da produção industrial, não permitem a conclusão que está ocorrendo uma desindustrialização. O que há no Brasil é uma maior concentração dos investimentos e da produção industrial em poucos setores: na indústria extrativa, na fabricação de alimentos e bebidas, e nas atividades relacionadas ao refino de petróleo.

IHU On-Line - Como define a política industrial do Brasil? Quais suas implicações?

Mansueto Almeida - A política industrial do Brasil é muito ambiciosa, já que envolve políticas de fomento para vários setores. Mas o problema que temos hoje com a nossa política industrial é que, ao ser uma política muito ampla, os setores da nossa indústria que já são mais competitivos conseguem ter acesso aos programas do governo e empréstimos do BNDES com mais facilidade do que outros setores que queremos incentivar (biotecnologia, indústria de TI etc.). Assim, ao invés de modificar nossas vantagens comparativas, temos o risco de consolidar a estrutura atual de nossa indústria que se concentra cada vez mais na indústria extrativa, fabricação de alimentos e bebidas, e as atividades relacionados à extração e refino de petróleo.

IHU On-Line - Nesse sentido, de que política industrial o Brasil precisa?

Mansueto Almeida - A política industrial precisa ser mais ousada em duas frentes. Primeiro, temos que entender que mais de 60% das empresas brasileiras estão muito aquém do que se chama da fronteira tecnológica. Essa é a realidade de nossas pequenas e médias empresas no interior do Brasil. Assim, precisamos de uma política mais ousada de melhoria de gestão e “atualização” tecnológica dessas empresas. O Brasil hoje já é um país empreendedor; o problema é que muitas instituições brasileiras já nascem com atraso tecnológico e baixa produtividade. Segundo, precisamos investir mais em inovação, mesmo que esse investimento seja de risco e que envolva maiores subsídios. Por exemplo, o orçamento total dos Fundos Setoriais em 2009, que são os principais instrumentos de financiamento à inovação no Brasil, foi de R$ 2,7 bilhões e menos da metade desses recursos foram liberados. Um país que precisa urgentemente investir em inovação não pode se dar ao luxo de “contigenciar” recursos para inovação. Esses recursos poderiam até mesmo serem aplicados a fundo perdido para inovação, seria mais produtivo do que ficarem guardados na conta única do Tesouro Nacional.

IHU On-Line - A política econômica do BNDES demonstra que postura em relação à industrialização do país?

Mansueto Almeida - É difícil responder a esta pergunta por que as políticas de fomento setorial envolvem uma contradição desde a sua concepção. Por um lado, a política industrial tenta incentivar a indústria que se quer ter (mais intensiva em tecnologia), mas essa política mostra seus resultados apenas no longo prazo. Por outro lado, para aumentar a taxa de investimento na economia brasileira hoje é muito mais fácil incentivar os setores da economia que já são competitivos, ou seja, setores ligados à indústria extrativa, siderurgia, petróleo e gás, alimentos e bebidas e agribussiness. O receio que tenho é que estamos tendo mais sucesso em consolidar o que já somos, um país com vantagem competitiva em produtos de baixa e média-baixa intensidade tecnológica, ao invés do que queremos ser.

 

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição