Edição 337 | 09 Agosto 2010

O serviço da fé que busca a promoção da justiça e o diálogo com a sociedade

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Graziela Wolfart

João Inácio Wenzel entende que é preciso avaliar os instrumentos utilizados e encontrar formas de entrar em diálogo com o sujeito contemporâneo pelos meios modernos de comunicação, e trabalhar uma cultura de rede que rompa com o individualismo, respeitando cada um na sua individualidade

Ao recordar a origem dos Centros de Investigação e Ação Social (CIAS), o padre jesuíta João Inácio Wenzel afirma que eles “surgem num contexto de responder, por um lado, aos desafios do crescente empobrecimento das populações, em meio à guerra fria, e, por outro, aos apelos da Igreja do Concílio Vaticano II (1965) que abre as portas e janelas para um diálogo com o mundo moderno”. Ele reconhece que a atualidade do trabalho dos CIAS consiste, por um lado, “em reavivar criativamente o carisma inaciano de ser presença junto aos setores sociais que estão na ponta terminal da linha da pobreza, bem como colaborar no seu processo de afirmação cidadã; e por outro lado, consiste em contribuir no amadurecimento do projeto utópico de transformação sociopolítica, econômica, cultural e ambiental da sociedade, de respeito à diversidade e gerador de humanidades”. A atualidade também se dá, continua Wenzel, “na capacidade de articular ações que respondem às novas velhas demandas sociais, como o resgate de trabalhadores que vivem em situação análoga a de escravos, e entender este processo na lógica perversa do capital mediante estudo e análise da realidade. Dá-se, igualmente, no enfrentamento do ceticismo na capacidade de mobilização social em torno de bandeiras de luta, como o plebiscito pela redução do módulo máximo de propriedade, pelo cultivo da espiritualidade encarnada, de compromisso e transformação social”.

João Inácio Wenzel é coordenador do Centro Burnier Fé e Justiça, e diretor do Centro Jesuíta de Cidadania e Ação Social de Cuiabá, Mato Grosso. Possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, graduação em Teologia pelo Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus e mestrado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, de Belo Horizonte, MG. Para responder às questões desta entrevista, ele contou com a contribuição de vários membros do Centro Burnier, como Rosangela Goes, da Economia Solidaria do Mato Grosso, Keka Werneck, jornalista, Roberto Rossi, pesquisador, e Jair José Schuh, psicólogo.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual a atualidade do trabalho dos CIAS no sentido de pôr em prática a missão da Companhia de Jesus (serviço da fé, promoção da justiça e diálogo cultural e inter-religioso) na sociedade contemporânea?

João Inácio Wenzel - Desde a fundação da Companhia de Jesus estava presente a preocupação em atender às urgências sociais da época e, ao mesmo tempo, optar pelo “maior fruto e alcance mais universal”, conforme os critérios apostólicos (critérios eclesiais) para seleção de ministérios. Assim, do primeiro abrigo para atender mulheres exploradas sexualmente nasce um primeiro centro educativo. Quando Laínez e Salmerón  foram escolhidos para colaborar na assessoria teológica no Concílio de Trento  (1545), recebem a recomendação de Santo Inácio de Loyola  para que se hospedassem no hospital, a fim de também darem assistência aos doentes. Os Centros de Investigação e Ação Social (CIAS) surgem num contexto de responder, por um lado, aos desafios do crescente empobrecimento das populações, em meio à guerra fria, e, por outro, aos apelos da Igreja do Concílio Vaticano II (1965) que abre as portas e janelas para o diálogo com o mundo moderno. A Companhia, buscando entender seu papel histórico, fez uma opção estratégica de criar e desenvolver CIAS em diferentes partes do continente. Estes, por sua vez, contribuíram para a redefinição do carisma como serviço da fé e promoção da justiça, na Congregação Geral 32ª  (1975), reassumida e ampliada na questão do diálogo cultural e inter-religioso, nas congregações posteriores. A atualidade do trabalho dos CIAS consiste, por um lado, em reavivar criativamente o carisma inaciano de ser presença junto aos setores sociais que estão na ponta terminal da linha da pobreza, bem como colaborar no seu processo de afirmação cidadã; por outro lado, consiste em contribuir no amadurecimento do projeto utópico de transformação sociopolítica, econômica, cultural e ambiental da sociedade, de respeito à diversidade e gerador de humanidades. A atualidade também se dá na capacidade de articular ações que respondem às novas velhas demandas sociais, como o resgate de trabalhadores que vivem em situação análoga a de escravos, e entender este processo na lógica perversa do capital mediante estudo e análise da realidade. Dá-se, igualmente, no enfrentamento do ceticismo na capacidade de mobilização social em torno de bandeiras de luta, como o plebiscito pela redução do módulo máximo de propriedade , pelo cultivo da espiritualidade encarnada, de compromisso e transformação social. 

IHU On-Line - As características dos sujeitos contemporâneos não exigem dos CIAS uma renovação de sua proposta inicial?

João Inácio Wenzel - Enquanto finalidade, não. Enquanto instrumentos e mediações, certamente sim. Tanto as pessoas, enquanto sujeitos individuais, quanto os projetos de ação coletiva, precisam se pautar pelo fim último, o “reino e sua justiça”. Na linguagem inaciana, isso corresponde à primeira parte do título dos “Exercícios Espirituais  para vencer a si mesmo e ordenar a própria vida”, ou seja, a nossa intencionalidade. “Assim, qualquer coisa que se escolher deve ajudar-nos a atingir o fim para o qual somos criados, sem ordenar e trazer o fim para o meio, mas o meio para o fim” [EE 169,3]. Há, portanto, de se respeitar a hierarquia dos meios e dos fins. Os meios que escolhemos podem nos trair, determinando-nos, escravizando-nos ou fazendo-nos perder a direção. É o que expressa a segunda parte do título do livro de Inácio de Loyola: “...sem se determinar por nenhuma afeição desordenada” [EE 21]. Os sujeitos com os quais trabalhamos no momento são jovens, mulheres, afro-descendentes, indígenas, egressos do trabalho escravo, lideranças comunitárias, e os sujeitos coletivos que integram os diferentes movimentos sociais, de luta pela terra, fóruns de luta, de erradicação do trabalho escravo, direitos humanos, etc. Eles exigem uma postura consciente sobre os problemas atuais. Muitos deles são históricos, impactando a coletividade há tempos. O sujeito atual está embebido pela estrutura individualista. É difícil alcançá-lo para uma postura mais social. No entanto, também está carregado de potencialidades e desejos de entrar em relação e comunhão com as outras pessoas. Como provocar um processo de conversão dessa árvore que produz egoísmo em uma árvore que produza frutos de partilha? João Batista quis colocar o machado à raiz. Jesus propôs adubar a terra para ver se a árvore começa a produzir frutos da justiça do reino (cf. Lc 13,8). É preciso, então, avaliar os instrumentos que utilizamos e encontrar formas de entrar em diálogo com este sujeito pelos meios modernos de comunicação, e trabalhar uma cultura de rede que rompa com o individualismo, respeitando cada um na sua individualidade. Pela nossa experiência, continuam válidos instrumentos antigos, presente desde a origem da Companhia, como os Exercícios Espirituais na Vida Corrente, reavivados nas últimas décadas com diferentes enfoques, e as oficinas de espiritualidade inaciana que despertam as pessoas para os seus desejos mais fundos de sair de si e ir ao encontro do outro. Muito significativo também foi o vídeo-fórum sobre a Ética e as Religiões do Mundo, que promoveu um diálogo cultural e inter-religioso de alto nível e grande proveitoso.

IHU On-Line - Qual a contribuição que os jesuítas podem dar à sociedade e à Igreja no sentido de escutar os sinais dos tempos a partir da realidade contemporânea?

João Inácio Wenzel - Continuar o legado deixado por Inácio de viver intensamente os Exercícios Espirituais como pessoas sóbrias, ousando deixar-se conduzir pelo Espírito do Senhor e levar a sério a opção cristológica pelos pobres. Começando da pedra angular, ordenar pedra por pedra em vista de alcançar o fim que se quer. Para isso será necessário avaliar constantemente os nossos instrumentos para não cair nas armadilhas que a sociedade consumista nos apresenta. Em tempos que a Igreja institucional se fecha sobre si mesma e acentua a relação vertical em detrimento da relação horizontal de amor ao próximo, a nossa contribuição é ser um contrapeso, ajudando-a a sair de si e enfrentar a realidade contemporânea. Daí segue a manutenção do compromisso com os empobrecidos, a inserção nos debates sociais e ações de denúncia da exploração e da injustiça, ao mesmo tempo em que se realizam obras que promovam a justiça social. Em tempos que a sociedade, como um todo, se fecha sobre si mesmo. Aqui em Mato Grosso trabalhamos junto ao Fórum de Erradicação ao Trabalho análogo ao Escravo, no FORMAD, no Fórum de Lutas, no apoio a Reforma Agrária, às mulheres e aos povos indígenas, aos dependentes químicos e às crianças. Temos atuado não só com a denúncia de que estes sujeitos sofrem violência e exploração decorrentes da organização de nossa sociedade, mas desenvolvemos também ações efetivas que buscam se contrapor a esta realidade.

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