Edição 332 | 07 Junho 2010

Os impactos da crise do euro e a possibilidade de ruptura social

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Márcia Junges | Tradução: Benno Dischinger

O sociólogo francês Alain Touraine examina a situação europeia frente à sua situação econômica periclitante. Movimentos sociais têm cada vez menos expressão política, adverte. Entretanto, não se deve aceitar recuos de proteção e redistribuição social

Analisando os impactos das crises financeiras dos últimos anos, sobretudo a recente crise do euro, o sociólogo francês Alain Touraine constata o enfraquecimento das instituições políticas, “o que reforça a probabilidade de ruptura social”. De acordo com ele, frente à “dominação da economia globalizada, não se pode mais encontrar, no interior da sociedade, forças de resistência. Nem os partidos, nem as crenças, nem as classes sociais têm, hoje em dia, a possibilidade de armar os descontentamentos e as recusas que correm o risco de se esgotar em ações negativas”. Os movimentos sociais, aponta, estão em crise e têm “cada vez menos expressão política”. De outro lado, surgem “movimentos culturais, como a ecologia política, o feminismo, a defesa das minorias, que devem poder encontrar novas expressões na política e na mídia”. A respeito do desmantelamento do estado de bem-estar social na zona do euro, Touraine é categórico: “Não se deve, em nenhum caso, aceitar um recuo da proteção e da redistribuição social, uma vez que, em escala mundial, as desigualdades aumentaram”. As afirmações foram feitas com exclusividade na entrevista concedida por Touraine, por e-mail, à IHU On-Line.

Touraine é autor de O mundo das mulheres (Petrópolis: Vozes, 2006), Penser autrement (Paris: Fayard, 2007), Um novo paradigma para compreender o mundo de hoje (Petrópolis: Vozes, 2006) e A sociedade pós-industrial (Lisboa: Moraes, 1970). Touraine tornou-se conhecido por ter sido o pai da expressão "sociedade pós-industrial". Ele acredita que a sociedade molda o seu futuro através de mecanismos estruturais e das suas próprias lutas sociais. O ponto de interesse vital da sua carreira tem sido o estudo dos movimentos sociais. Em seus escritos, Touraine aponta para as transformações pelas quais a sociedade moderna e industrial vem passando. Em sua análise, a sociedade pós-industrial, longe de acabar com os conflitos, generaliza-os.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Que novo modelo de organização da sociedade está se descortinando a partir das crises financeiras que vêm abalando o mundo recentemente?

Alain Touraine - A crise financeira e, agora, a crise monetária, que, provavelmente, será seguida de uma crise do crescimento, mostram que se constituiu um mundo financeiro cujas finalidades são estranhas àquelas da economia e de seus necessários investimentos. Vemos desenvolver-se uma sociedade firmada sobre ela mesma, porque está privada de toda a ação sobre o sistema econômico. As instituições políticas se encontram enfraquecidas, o que reforça a probabilidade de ruptura social.

IHU On-Line - Qual deveria ser o papel do Estado em pensar um modelo econômico e social ideal para a sociedade do futuro?

Alain Touraine - Pode-se esperar que, após a crise de 2008, todos os países reconhecerão a necessidade de pôr fim às ilusões neoliberais e, por exemplo, ao Consenso de Washington. Os países europeus, em particular, privados de crescimento, sobrecarregados de déficits e de dívidas, obrigados a impor medidas de rigor, necessitam, para ser aceitos pelas populações, propor objetivos socialmente positivos para o futuro próximo. Ainda é necessário que os Estados transformem sua concepção deles próprios, aliviem sua função administrativa, para dar prioridade ao recuo do desemprego, à elevação do nível de vida e à cobertura dos novos riscos. A situação ainda corre o risco de desembocar em ondas de recusa que não trarão soluções positivas.

IHU On-Line - Quais são as principais necessidades do ser humano moderno e por que a chamada organização dos mercados e do capitalismo não atende a essas necessidades? Que alternativa o senhor vislumbra no sentido de suprir essa carência humana?

Alain Touraine - Face à dominação da economia globalizada, não se pode mais encontrar, no interior da sociedade, forças de resistência. Nem os partidos, nem as crenças, nem as classes sociais têm, hoje em dia, a possibilidade de armar os descontentamentos e as recusas que correm o risco de se esgotar em ações negativas.

IHU On-Line - Qual deve ser, na sua visão, a real função do setor financeiro de uma nação?

Alain Touraine - O setor financeiro de uma nação tem, normalmente, duas funções complementares: financiar os investimentos na produção e dar crédito aos indivíduos e aos negócios para a organização de sua vida e, em particular, para sua moradia. O imenso setor financeiro que se criou, em particular, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, não tem nenhum cuidado dos investimentos; ele procurou e obteve lucros enormes por usa capacidade de dispor de informação em tempo real. Este sucesso de certos financistas enfraqueceu a economia e, por consequência, as condições de vida da população.

IHU On-Line - Se considerarmos, como dizem alguns autores, que "Estado" e "mercado" foram dois meios de opressão nos últimos 100 anos, o que podemos esperar para o futuro?

Alain Touraine - Os que consideram o Estado e o mercado como dois meios de opressão se colocam numa situação irreal. Não há sistema econômico que funcione sem mercado e sem Estado. Opostamente, é indispensável que existam movimentos de base que apelem às necessidades mais reais contra as especulações mais abstratas. Aquilo de que provavelmente tenhamos mais necessidade é de aprender a combinar o mercado e o Estado após um período absurdo que queria dar tudo ao mercado.

IHU On-Line - Considerando um possível desmantelamento do estado de bem-estar social na zona do euro, quais elementos da sociedade sofrerão as piores consequências?

Alain Touraine - Os países europeus e outros têm a escolha entre duas políticas face ao déficit do estado de bem-estar social. A primeira é de diminuir os fornecimentos e as garantias, o que parece uma provocação, uma vez que a parte do trabalho na renda nacional baixou, e a outra solução consiste em mudar a concepção sobre a proteção social. O estado de bem-estar social foi concebido como realidade sendo financiada e como servindo os trabalhadores, incluindo suas empresas. É preciso, agora, considerar que o conjunto dos rendimentos, os do capital ainda mais do que os do trabalho, devem participar na manutenção da proteção social. Também é preciso, com total urgência, responder a novos riscos e a novas demandas. Pensa-se, em particular, nos problemas acrescidos pela longevidade cada vez maior da vida humana. A dependência sob todas as suas formas e o aumento das doenças, como certos cânceres junto às pessoas idosas, criam problemas urgentes, mas sabe-se bem, hoje em dia, que as novas formas de trabalho e, principalmente, as novas políticas das empresas criavam novos riscos para os trabalhadores. No caso francês, a opinião pública foi golpeada pelas ondas de suicídio  que se produziram nas empresas, embora modernas e mais públicas. Não se deve, em nenhum caso, aceitar um recuo da proteção e da redistribuição social, uma vez que, em escala mundial, as desigualdades aumentaram.

IHU On-Line - Por que o senhor afirma que os movimentos sociais vivem uma crise? Como eles têm reagido, na Europa e sobretudo na França, à crise econômica?

Alain Touraine - O que se chamou de movimentos sociais foi definido em termos que correspondem às sociedades industriais. Antes de seu desenvolvimento, conheceram-se, principalmente, movimentos políticos. Hoje, esses movimentos sociais têm cada vez menos expressão política, mas vê-se surgir movimentos culturais, como a ecologia política, o feminismo, a defesa das minorias, que devem poder encontrar novas expressões na política e na mídia.

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Alain Touraine já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Confira:

• A falta de mobilização social como deficiência da política contemporânea. Revista IHU On-Line, número 250, de 10-13-2008;
• As mulheres na origem da nova sociedade. Revista IHU On-Line, número 210, de 05-03-2007.

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Confira outras edições da Revista IHU On-Line relacionadas à temática da crise econômica e financeira mundial.
• A crise da zona do euro e o retorno do Estado regulador em debate. Revista IHU On-Line, edição 330, de 24-05-2010;
• O capitalismo cognitivo e a financeirização da economia. Crises e horizontes. Edição número 301, publicada em 20-7-2009;
• O mundo do trabalho e a crise sistêmica do capitalismo globalizado. Edição número 291, de 4-5-2009;
• A crise capitalista e a esquerda. Edição número 287, publicada em 30-3-2009;
• Alternativas energéticas em tempos de crise financeira e ambiental. Edição número 285, publicada em 8-12-2008;
• A financeirização do mundo e sua crise. Uma leitura a partir de Marx. Edição número 278, de 21-10-2008;
• A crise financeira internacional. O retorno de Keynes. Edição número 276, de 6-10-2008;
• A reestruturação do capitalismo brasileiro. Edição número 322, de 22-03-2010.

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