Edição 329 | 17 Mai 2010

O pentecostalismo e as mulheres

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Graziela Wolfart

Maria das Dores Campos Machado destaca que, enquanto, nas mulheres, a conversão ao pentecostalismo as ajuda a se ver como indivíduo, no caso dos homens, os torna mais domésticos e familiares

“No caso da América Latina, as pesquisas indicam que o crescimento, nas últimas décadas, dos grupos pentecostais no interior de países como Guatemala, Venezuela, Peru e Brasil resultou numa ampliação da participação desses segmentos na política institucional e na mobilização de lideranças religiosas com o objetivo de influenciar as políticas públicas”. A informação é da professora Maria das Dores Campos Machado, da Escola de Serviço Social da UFRJ. Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, ela destaca que tem observado, em suas pesquisas, que “através dos valores religiosos, muitas mulheres conseguem se estruturar para enfrentar os desafios para a entrada no mercado formal e informal do trabalho. Distante dos movimentos sociais e, em especial do feminista, estas mulheres encontram, na doutrina pentecostal, os elementos discursivos para justificar iniciativas individuais em direção à esfera econômica e ao mercado de trabalho”. Segundo Maria das Dores, “os homens, ao se converterem, tendem a abandonar o modelo de masculinidade predominante na sociedade e a se aproximar de um modelo mais andrógino, que é favorável às mulheres e ao grupo doméstico como um todo”.

Maria das Dores Campos Machado possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e mestrado e doutorado em Sociologia pela Sociedade Brasileira de Instrução - SBI/IUPERJ. Realizou pós-doutorado no Instituto de Desarrollo Económico y Social de Buenos Aires e, atualmente, é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autora de Carismáticos e Pentecostais: Adesão Religiosa e Seus Efeitos Na Esfera Familiar (Campinas: Editora Autores Associados/Anpocs, 1996); e Política e Religião: a participação dos evangélicos nas eleições. (Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006). Também é coorganizadora de Os votos de Deus: Evangélicos, política e eleições no Brasil. (Recife: Massangana, 2006).

Confira a entrevista.
 
IHU On-Line - Que relações podemos estabelecer entre pentecostalismo e política?

Maria das Dores Campos Machado - Em primeiro lugar, é necessário contextualizar bem essa relação – pentecostalismo e política - indicando a configuração social e o momento histórico a que estamos nos referindo. Afinal, o pentecostalismo existe há mais de um século e hoje pode ser encontrado em vários continentes do mundo. Os estudos comparativos demonstram, por exemplo, características diferenciadas, função das matrizes culturais das distintas sociedades nacionais, assim como mudanças ao longo deste período no interior de uma mesma sociedade. No caso da América Latina, as pesquisas indicam que o crescimento nas últimas décadas dos grupos pentecostais no interior de países como Guatemala, Venezuela, Peru e Brasil resultou numa ampliação da participação desses segmentos na política institucional e na mobilização de lideranças religiosas com o objetivo de influenciar as políticas públicas. Estudos sobre as políticas no campo da saúde reprodutiva e dos direitos sexuais no Chile, Brasil, Argentina, Equador, Uruguai, entre outros países, revelam que a implementação de serviços como a distribuição gratuita da pílula do dia seguinte, a educação sexual nas escolas, ou ainda o lançamento de programas governamentais de combate à homofobia têm gerado uma grande mobilização de pastores pentecostais. No caso do Brasil, percebemos que vários grupos pentecostais, além de participar do debate público sobre estas temáticas – através de suas mídias eletrônicas e impressas e da mídia secular – têm também demonstrado muito interesse em se fazer representar no poder legislativo e lançando mão dos instrumentos jurídicos para frear as tentativas dos movimentos feministas e das comunidades LGBT  de criar uma política sexual desvinculada da tradição cristã. E, embora eu esteja citando os exemplos no campo do comportamento e da sexualidade, é bom ficar claro que os interesses destes grupos pela política e especificamente pelo legislativo não são só de ordem moral, mas têm também  caráter corporativo e econômico. Nas diferentes casas legislativas, os parlamentares tendem a atuar no sentido de defender os interesses de seu grupo e de ampliar o poder de barganha junto ao executivo com vistas à troca de favores e concessões, como a dos canais de televisão. Temos, entretanto, que ter cuidado, pois entre as principais características deste braço do protestantismo encontram-se a heterogeneidade e a intensa competição interna. Assim, alguns grupos apresentam uma política mais ousada de atuação na esfera pública – caso da Igreja Universal do Reino de Deus - e outras vão mais ou menos a reboque num movimento mimético. De qualquer maneira, o envolvimento de parlamentares pentecostais em escândalos econômicos na metade desta década parece ter provocado um refluxo no número de representantes destes segmentos no poder legislativo federal.      

IHU On-Line - Como as relações de gênero aparecem nas religiões pentecostais?

Maria das Dores Campos Machado - Como quase todas as tradições religiosas, a ordem de gênero dos grupos pentecostais tende a ser assimétrica. Entretanto, a doutrina apresenta elementos igualitários que favorecem uma revisão dos arranjos tradicionais uma vez que fortalecem a autoridade moral dos/as fiéis e estimulam o processo de individuação das mulheres. Tenho trabalhado com este processo de revisão da subjetividade feminina nos segmentos populares a partir da ampliação do pentecostalismo nas periferias urbanas e o que me parece mais importante é chamar atenção para o fato de que através dos valores religiosos, muitas mulheres conseguem se estruturar para enfrentar os desafios para a entrada no mercado formal e informal do trabalho. Distante dos movimentos sociais e, em especial do feminista, estas mulheres encontram na doutrina pentecostal os elementos discursivos para justificar iniciativas individuais em direção à esfera econômica e do mercado de trabalho. Então, embora não se compare com a proposta feminista de ampliação de autonomia feminina, este processo acaba por apresentar um resultado que a meu ver não é desprezível: estimular a educação feminina e fomentar a transformação das mulheres do segmento popular em atores econômicos e enquanto tal com mais margem de negociação nas suas relações sociais e afetivas. Os limites desta reconfiguração da subjetividade feminina nas camadas populares são dados pela própria doutrina religiosa que enfatiza o casamento, mas também pela cultura machista que impera na sociedade mais ampla e, em especial, nos setores de pouca escolaridade. De qualquer forma, este processo de revisão por parte das mulheres se dá em sintonia com mudanças nas percepções dos pentecostais sobre o papel social das mulheres na contemporaneidade. 

Mulheres pastoras

Uma recente pesquisa quantitativa, Spirit and Power, realizada em dez países do mundo, demonstra que, embora 61% dos pentecostais brasileiros concordem com a afirmação de que a mulher deve obedecer ao marido, em outras circunstâncias sociais – como no mercado de trabalho, na hierarquia religiosa e no mundo da política -, a maioria expressa visão mais igualitária da participação dos homens e das mulheres. Assim, 64% dos pentecostais aceitam a ideia de que as mulheres podem atuar como pastoras ou sacerdotes, e 69% acreditam que as mulheres inseridas no mercado de trabalho podem manter uma relação apropriada e terna com os maridos e filhos. Quando a questão é a participação dos homens e das mulheres na política institucional, menos da metade dos pentecostais (36%) compartilha da opinião de que a liderança masculina é melhor que a feminina. Na mesma direção, apenas 29% dos pentecostais compartilham da assertiva de que os homens devem ter mais direito às vagas do mercado de trabalho do que as mulheres . Estes dados me parecem muito interessantes e corroboram os estudos qualitativos que indicam mudanças no interior das próprias hierarquias religiosas, com a consagração de mulheres para o pastorado e a tendência ainda tímida de lideranças femininas criarem novas igrejas pentecostais.

IHU On-Line - Na sua tese de doutorado, sobre "Carismáticos e pentecostais" (1994), a senhora aborda a hipótese de que a conversão das mulheres ao pentecostalismo significou uma diminuição ou mesmo abolição de conflitos familiares, provocando uma nova harmonização familiar. Pode explicar essa relação?

Maria das Dores Campos Machado - A conversão fornece uma nova visão de mundo e uma nova forma de interpretar e lidar com os problemas cotidianos. Neste sentido, ela cria possibilidades do/a adepto/a a experimentar outras atitudes frente as adversidades. Ou seja, ao ampliar os recursos ideológicos dos sujeitos sociais, ela pode favorecer mudanças nas atitudes destes sujeitos. No caso das mulheres casadas de pouca escolaridade e renda baixa, a adesão a um grupo religioso que, embora, crescente, segue sendo minoritário em nossa sociedade, representa uma primeira ruptura com a tradição social e, na maioria dos casos, uma experiência de individuação das mulheres em relação não só aos maridos, mas também à família mais ampla. A crença da superioridade moral dos integrantes de sua comunidade acaba por gerar um sentimento de autoconfiança e encoraja atitudes inovadoras no relacionamento. È claro que os resultados deste processo na vida conjugal e familiar dependem também da disposição dos demais membros do grupo doméstico e em especial do cônjuge. E quando a mulher consegue a conversão do esposo, ampliam-se as chances de uma revisão do arranjo familiar em termos mais igualitários. Porque os homens, ao se converterem, tendem a abandonar o modelo de masculinidade predominante na sociedade e a se aproximar de um modelo mais andrógino, que é favorável às mulheres e ao grupo doméstico como um todo. Ou seja, enquanto, nas mulheres, a conversão ajuda a se ver como individuo, no caso dos homens, os torna mais domésticos e familiares. De qualquer maneira, meus estudos têm demonstrado que as mulheres nas igrejas pentecostais aprendem a se ver como indivíduos responsáveis pela sua vida e buscam criar espaço próprio de sociabilidade, diminuindo a dependência emocional em relação aos familiares. Mais seguras e autoconfiantes, elas criam novas formas de lidar com o marido. Muitas vezes ignorando as limitações e defeitos dos cônjuges, elas abandonam as constantes cobranças e correm atrás do que querem. Neste sentido, muitas não mudam seus parceiros no primeiro momento, mas, ao mudarem seus próprios comportamentos, acabam por alterar as relações entre eles. È o caso de mulheres que, insatisfeitas com as precárias condições econômicas da família, deixam de ficar cobrando do marido e vão à luta no mercado de trabalho.
              
IHU On-Line - Como explicar a existência de uma maior tolerância das mulheres pentecostais que passam a entender melhor os seus maridos, e lutam por sua conversão?

Maria das Dores Campos Machado - Na doutrina pentecostal, os fiéis encontram não só parâmetros morais para suas atitudes, mas também uma série de crenças que criam disposições para uma atitude conversionista junto aos demais. Sentindo-se especial, um/a escolhido/a de Deus, o/a fiel se vê como responsável pela espiritualidade e salvação dos demais membros da família. A crença de que as atitudes negativas dos que relutam em aceitar as normas religiosas são fruto da intervenção de forças malignas, possibilita que o/a fiel estabeleça certa distância entre o comportamento e ou ação dos sujeitos e estes mesmos sujeitos. Trata-se de um artifício ideológico que resulta na diminuição da responsabilidade do cônjuge sobre seus atos, o que acaba por criar uma zona de maior tolerância em relação ao parceiro. Com isso, o que poderia ser intolerável para muitas mulheres, como o alcoolismo ou a traição masculina, pode ser interpretado como uma luta entre as forças do bem e do mal – Deus e o Diabo – e assim sendo, cabe à mulher pentecostal não só a tolerância, mas a batalha para ganhar a sua alma para o Senhor. Particularmente, acredito que este tipo de visão é muito atraente para aquelas pessoas que dispõem de poucos recursos cognitivos e sem muitas chances de interação com movimentos sociais e ou instituições que possuem outras visões de mundo.                   

IHU On-Line - Quais as principais diferenças entre carismáticos e pentecostais?

Maria das Dores Campos Machado - Lembro que quando comecei a estudar de forma comparativa estes dois movimentos, na primeira metade da década de 90, havia uma tendência dos pesquisadores afirmarem que os movimentos carismáticos eram tipicamente das camadas médias, enquanto a base social do pentecostalismo encontrava-se nos segmentos mais pobres da sociedade. Assim sendo, não fazia muito sentido a comparação. De lá para cá, as percepções em relação a estes movimentos religiosos mudaram muito. Em parte porque estes movimentos romperam as fronteiras originais das camadas sociais: enquanto os carismáticos começaram a ganhar adeptos entre os católicos mais pobres, os pentecostais conseguiram ampliar o número de seus membros nos segmentos médios. Na realidade, as iniciativas do Papa e das autoridades católicas locais em enquadrar o movimento carismático (que nasceu nos anos 60 sob influência dos pentecostais nos Estados Unidos) se, por um lado, reforçaram alguns elementos da tradição católica e, em especial, o marianismo, por outro, não conseguiram eliminar alguns traços de continuidade entre os dois movimentos: a ênfase na experiência religiosa pessoal, o caráter emocional e o intenso uso do corpo nos cultos. De qualquer maneira, percebe-se que a hierarquia católica empenhou-se em traçar uma linha fronteiriça em relação aos pentecostais, e o elemento fundamental nesta linha é a devoção à Virgem Maria. Explorei esta questão no meu livro Carismáticos e Pentecostais: os efeitos da vida religiosa na vida familiar, e creio que muito do que ali foi dito serve ainda hoje para caracterizar estes dois movimentos que são particularmente atrativos para as mulheres. Com um discurso de valorização da vida familiar, uma ênfase nos problemas cotidianos e a incorporação de algumas interpretações do campo da psicologia, estes dois movimentos oferecem às mulheres um espaço a um só tempo de sociabilidade e de experiências religiosas. Ambos fomentam nas mulheres a autoconfiança, mas percebe-se que, no caso do Movimento carismático católico, a construção da autoridade moral e o processo de individuação das fiéis ocorrem num terreno bem mais delimitado, uma vez que as posições do Vaticano em relação à contracepção são bastante desfavoráveis ao pleno exercício da sexualidade humana e, em uma sociedade machista, tendem a penalizar ainda mais o segmento feminino. Os pentecostais são mais pragmáticos, e as decisões no campo da anticoncepção são uma prerrogativa do casal, o que aproxima a fiel pentecostal das tendências em curso na sociedade mais ampla.
   
IHU On-Line - O que mais mudou no cenário religioso brasileiro com o surgimento do pentecostalismo?

Maria das Dores Campos Machado – O pentecostalismo surgiu no início do século passado e mudou muito ao longo deste período histórico, acompanhando os processos de transformação da sociedade brasileira. Existe uma vasta literatura relacionando os processos de urbanização, deslocamentos populacionais, a pobreza e a dificuldade de acesso aos serviços e equipamentos urbanos por parte de grande parte da população com o crescimento dos grupos pentecostais. E predomina, nos estudos da sociologia e antropologia da religião, a interpretação de que o pentecostalismo vem revelando certa plasticidade frente não só às outras tradições religiosas - catolicismo popular e expressões afro-brasileiras - como também às mudanças no campo da esfera política e dos movimentos sociais. De forma que alguns autores preferem hoje falar em pentecostalismos no plural em vez de generalizar as características de determinados grupos para todas as denominações pentecostais. De qualquer maneira, a expansão do pentecostalismo expressa mudanças na correlação de forças no interior do campo religioso com a instituição historicamente hegemônica, a Igreja Católica, passando a enfrentar a competição não só pelos fiéis, mas também pela influência na política institucional - que vai desde as  parcerias com as agências governamentais para implementação das políticas sociais e de saúde até a distribuição de concessões dos meios de comunicação e a influência na política eleitoral. Um aspecto interessante é, por exemplo, o surgimento e a formação de atores políticos individuais das camadas populares e/ou em ascensão social, que antigamente ocorria preferencialmente nos movimentos sociais ligados à igreja católica, e que, nas últimas décadas, também tem se dado no campo pentecostal. Além disso, as próprias estruturas eclesiásticas são atualmente percebidas como atores coletivos importantes na política brasileira, e a competição entre pentecostais e católicos tem favorecido o deslocamento crescente da igreja hegemônica para o campo do conservadorismo moral. De modo que, com o crescimento dos pentecostais, o que parecia como "natural" ou intrínseco à sociedade brasileira no passado, a presença da igreja católica em diferentes espaços sociais, políticos e assistenciais passa ser visto como um privilégio de uma confissão religiosa que pode ser questionado. Este crescimento dos pentecostais, o grande interesse de determinados grupos pela política institucional e o uso da identidade religiosa como um atributo eleitoral nas disputas políticas produziram também, nos últimos anos, um debate sobre a laicidade do Estado e o espírito republicano que me parece muito interessante e importante para a sociedade brasileira. De qualquer forma, a participação dos pentecostais na política partidária e o envolvimento de muitos deles em escândalos econômicos nos governos passados têm ajudado a desqualificar a estratégia de se adotar a pertença religiosa como atributo eleitoral. E o número de parlamentares eleitos a partir de seus vínculos com as comunidades pentecostais caiu nos últimos processos eleitorais.

IHU On-Line - Como a diversidade sexual aparece no discurso religioso do pentecostalismo? Qual é a ética sexual pregada e difundida pelas religiões pentecostais?

Maria das Dores Campos Machado - É preciso deixar claro que a diversidade sexual, na forma como colocada hoje pelos movimentos sociais LGBT e alguns teóricos/as do feminismo é uma expressão da luta política pelo sentido da sexualidade na sociedade contemporânea. Assim sendo, não só o pentecostalismo como as demais tradições religiosas que participam deste embate resistem - algumas mais, outras menos - à possibilidade de que se desenvolva uma moral sexual de caráter secular e desvinculada da moral religiosa. Temos que lembrar que, na medida em que a ciência foi se desenvolvendo e que os discursos religiosos tornaram-se um entre os muitos discursos em disputa nas sociedades, foi crescendo também a possibilidade de que a esfera da moral sexual ganhasse certa autonomia em relação às fontes tradicionais de moralidade, que são as crenças religiosas. Hoje temos não só os discursos médicos e das áreas psi, mas também o discurso das ciências sociais e dos direitos humanos, que têm introduzido novos parâmetros nesta disputa pelo sentido da sexualidade. No caso do Brasil, fizemos, na Escola de Serviço Social da UFRJ, uma pesquisa recente sobre a percepção das lideranças religiosas das tradições cristãs - católica, protestante histórica e pentecostal -, mediúnicas - espírita e afro-brasileira- e a judaica no Rio de Janeiro, e constatamos que existe uma pluralidade de discursos no interior de cada um destes grupos (ver www.ess.ufrj/diversidadesexual). Esta pluralidade de percepções resulta da capacidade diferenciada dos segmentos religiosos realizarem negociações cognitivas com os outros discursos existentes na sociedade, em especial com os discursos dos direitos humanos, que é transversal aos movimentos sociais e às ciências humanas. No caso dos líderes estudados, observou-se que os pentecostais, assim como os judeus ortodoxos e os carismáticos católicos, resistem muito ao processo de revisão do sentido tradicional e naturalista da sexualidade humana e tendem a ser mais intolerantes frentes às demandas dos movimentos LGBT.

Diversidade sexual e vulnerabilidade social

De todo modo, a capacidade de mobilização destes movimentos acabou por colocar os temas das homossexualidades, adoção por casais do mesmo sexo, união civil de gays e de lésbicas, entre outros, na pauta de discussão destes grupos, e algumas poucas lideranças revelaram-se mais suscetíveis ao diálogo cognitivo com outros discursos ou formas de interpretar as múltiplas formas da sexualidade, pelo menos no que se refere à união civil e à adoção de crianças. Mas, sem dúvida alguma, os pentecostais encontram-se entre os que mais rejeitam as percepções que valorizam as dimensões culturais no embate em torno do sentido da sexualidade humana. Como a base social deste movimento é constituída pelos setores de pouca escolaridade e baixa renda, que são justamente os segmentos que apresentam mais dificuldade para acessar os aparatos jurídicos e policiais em defesa de sua integridade física e dos direitos individuais, esta realidade acaba por colocar os membros dos grupos pentecostais que não se enquadram na heteronormatividade numa situação de grande vulnerabilidade social. Neste sentido, a ética sexual pentecostal é resultado da articulação de proposições naturalistas, e mais especificamente do modelo heterossexual de arranjo sexual, com a ideologia familista tradicional que associa o exercício da sexualidade com o casamento.

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