Edição 328 | 10 Mai 2010

Um diagnóstico ambiental do Vale do Sinos

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Patricia Fachin

O biólogo Rafael Altenhofen apresenta um panorama ambiental do Vale do Sinos, mencionando os problemas e avanços obtidos até o momento

Apesar de os municípios do Vale do Sinos terem características semelhantes, eles têm “grandes diferenças em relação a como suas administrações, historicamente, percebem e tratam a questão ambiental”, afirma Rafael Altenhofen, à IHU On-Line. Segundo ele, os problemas ambientais do Vale são antigos, mas, “na maior parte dos casos, vêm apenas se agravando seja pela omissão, atuação tardia, seja pela falta de capacidade de gestão pública frente ao crescimento populacional e das economias da região”.

Em entrevista concedida, por e-mail, ele menciona que as políticas ambientais estão avançando e que “há muitos grupos de diferentes setores envolvidos em diferentes linhas de ação no tocante a resolução dos principais problemas do Vale do Sinos, e essa busca de soluções encontra exemplos individuais e coletivos”.

Altenhofen também comenta a instalação de empresas de base tecnológica na região e acredita que elas podem ter uma relação diferente com o meio ambiente. “Essa é uma tendência mundial e irreversível”, menciona. Para ele, uma correta gestão ambiental corrige distorções “e vai além, na medida em que modifica as relações internas e externas, junto a clientes, parceiros e comunidade de entorno ao empreendimento, onde todos ganham, sendo ainda uma vantagem competitiva em termos de imagem perante a sociedade”.

O biólogo é vinculado à entidade ambientalista União Protetora do Ambiente Natural (UPAN), de São Leopoldo, que há 35 anos alerta sobre a degradação do Rio dos Sinos.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como caracteriza a biodiversidade do Vale do Sinos?

Rafael Altenhofen - Localizado dentro do bioma Mata Atlântica – caracterizada por sua elevada biodiversidade - o Vale do Sinos apresenta características de diversidade biológica comuns a esse domínio em nossa região do estado do Rio Grande do Sul, e peculiaridades que o diferenciam devido a sua grande variação em termos de relevo, solo, drenagem e urbanização.

A bacia do rio Sinos apresenta, por exemplo, variação de altitude entre suas nascentes e sua foz de cerca de 900 metros, e, em adaptação a tais características, as espécies presentes nesse gradiente também vão variar. A bacia apresenta ainda áreas relativamente grandes de banhados (áreas úmidas) que são os ecossistemas com maior biodiversidade existentes, embora os que restam representem menos de 30% do que originalmente havia no Sinos.

A bacia do Sinos embora hospede aproximadamente 12% da população do Rio Grande do Sul em apenas 1,5% do território do estado, concentra 90% de seus moradores nas áreas urbanas. Dessa forma, se, por um lado, apresenta poucas áreas verdes em seu eixo metropolitano, ainda mantém as áreas rurais dos municípios menos populosos relativamente preservadas. A bacia Sinos apresenta o maior percentual de cobertura florestal entre todas as bacias hidrográficas do estado, 37,8%, e isso confere ao nosso vale ambientes relativamente preservados, refúgios de biodiversidade, onde é possível encontrar espécies vegetais e animais raras e até ameaçadas de extinção.

Há cerca de 10 anos, por exemplo, encontrei rastros de jaguatirica, o terceiro maior felino brasileiro, ameaçado de extinção, na base do Rio Velho, um parque municipal localizado a apenas 2,5 Km em linha reta do centro de São Leopoldo.

IHU On-Line - Como avalia a questão ambiental no Vale do Sinos? As políticas ambientais variam de acordo com os municípios da região?

Rafael Altenhofen - Sim, embora exista uma tendência a uma padronização a partir das melhores experiências – cujo sucesso tende a ser copiado com o passar do tempo e mesmo das exigências da sociedade –, ainda encontramos muita variação entre os municípios de nossa região. Variações essas ocasionadas por diferentes fatores, entre os quais predominam geralmente o tamanho do município em termos de população e em termos de área, grau de urbanização, arrecadação e características de matriz econômica.

Também prepondera, nessas políticas públicas ambientais, a cultura da classe política dominante em cada município. Então, apesar de termos municípios com características semelhantes quanto aos aspectos anteriormente relatados, temos grandes diferenças em relação a como suas administrações, historicamente, percebem e tratam a questão ambiental. Se, por exemplo, a relevam, ou se a tratam como algo que apenas deve ser maquiado para seguir modismos, se como um problema ou se como uma solução - como no caso de municípios que vêm optando por desenvolver matrizes ecoturísticas, de agricultura sustentável, de economia solidária, ou pólos de produção mais limpa, por exemplo.

IHU On-Line - Quais são, em sua opinião, os maiores problemas ambientais do Vale do Sinos hoje?

Rafael Altenhofen - Os problemas atuais no Vale são problemas que já se apontam de longa data, mas que, na maior parte dos casos, vêm apenas se agravando, seja pela omissão, atuação tardia, seja pela falta de capacidade de gestão pública frente ao crescimento populacional e das economias da região. Temos então o desmatamento e a degradação de solos agrícolas pelo uso indiscriminado de agrotóxicos e manejo indevido de plantações na região das cabeceiras, a falta de tratamento do esgoto cloacal dos domicílios - ou índices muito baixos – em praticamente todos os municípios do vale, a gestão ineficaz dos resíduos sólidos gerados pela população e a ocupação de áreas de preservação permanente pelo crescimento urbano desordenado, como encostas de morro e áreas de banhado. Todos esses aspectos, aliados à poluição por resíduos industriais, que em determinados setores apresenta parcela bastante significativa, afetam diretamente a qualidade e a quantidade das águas do Rio dos Sinos.

IHU On-Line - Em que aspectos foi possível avançar até o momento?

Rafael Altenhofen - Podemos dizer que todas as áreas estão tendo avanços, embora, como já havia mencionado, em algumas delas, a velocidade com que os avanços ocorrem é menor do que a velocidade de crescimento da população, fazendo o problema perdurar ou até aumentar. Há muitos grupos de diferentes setores envolvidos em diferentes linhas de ação no tocante a resolução dos principais problemas do Vale do Sinos, e essa busca de soluções encontra exemplos individuais e coletivos.

O setor agrícola, por exemplo, vem se organizando cada vez mais em cooperativas e associações e outros coletivos no sentido de construir alternativas de uso mais sustentável dos recursos naturais com o apoio de órgãos de extensão rural e institutos de pesquisa e entidades de classe.

Os setores dos resíduos sólidos e de saneamento vêm recebendo especial atenção desde os episódios envolvendo as últimas grandes mortandades de peixes no Sinos, mobilizações a partir das quais surgiram ações coordenadas e articuladas que resultaram na criação do Consórcio Público de Saneamento da Bacia Sinos, hoje trabalhando na criação de um plano de resíduos sólidos e um de educação ambiental para a região.

Nosso comitê de bacia hidrográfica, o Comitesinos, vem, a cada dia, ocupando mais seu papel de base da gestão participativa e integrada das águas do Sinos. Papel que lhe é facultado pela legislação, mas que por tanto tempo lhe foi permitido fazer apenas em doses homeopáticas, na medida em que lhe faltavam subsídios do próprio Sistema Estadual de Recursos Hídricos para que colocasse em prática todos os instrumentos de gestão na busca dos princípios que regem a gestão de nossas águas. Estamos agora no processo de construção do Plano da Bacia Hidrográfica do Sinos, que é um dos instrumentos que falta para o sistema funcionar como rege a legislação.

IHU On-Line - Como avalia o saneamento básico na região?

Rafael Altenhofen - O saneamento ambiental envolve quatro componentes: abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, e drenagem e manejo de águas pluviais urbanas. Em termos de abastecimento de água, a região está bem estruturada, com exceções das áreas invadidas e muitas propriedades rurais, nas quais os moradores ainda se utilizam de poços ou de nascentes.

Quanto ao esgotamento sanitário, embora tenhamos alguns poucos exemplos de municípios que tratam seus efluentes em valores acima de 20%, a realidade de nossa bacia ainda é preocupante, muitíssimo aquém daquela ideal e minimante sustentável em termos ambientais. Dados recentes apontavam que de todo o esgoto cloacal domiciliar produzido pelos aproximadamente 1,5 milhão de habitantes da Bacia Sinos, apenas 7% era captado e somente 6% tratado, sendo o restante despejado diretamente no rio ou em banhados.

A gestão de resíduos sólidos, por sua vez, apresentou significativa melhora nos últimos anos em nossa região devido à intensificação da fiscalização ambiental, à disponibilização de recursos públicos para projetos na área e, a meu ver, principalmente ao fato dos resíduos sólidos terem virado um negócio muito rentável, incentivando o surgimento de grupos organizados em cooperativas de catadores e recicladores e atraindo a atenção de grandes empresas privadas com capital internacional, que hoje administram a grande parte dos resíduos produzidos em nossa região por meio da atuação nos principais aterros sanitários que temos. Esses aspectos tendem a receber um forte subsídio com o diagnóstico e estratégias resultantes do Plano Regional Integrado em Resíduos Sólidos, atualmente em condução pelo Consórcio de Saneamento Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos – PRÓ-SINOS.

Finalmente, em termos de drenagem urbana, os municípios da parte baixa do rio vêm sofrendo um aumento a cada ano nos problemas relacionados a cheias dos rios e a alagamentos nas áreas urbanas. Esses vêm se agravando pela crescente impermeabilização dos solos com as construções urbanas, pela remoção da vegetação ciliar dos corpos hídricos e pela ocupação indiscriminada de áreas de banhados, várzeas e áreas de encostas de morros.
  
IHU On-Line - Em 2007, estava sendo criado um Consórcio de Saneamento Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos, o qual pretendia construir estações de tratamento nos principais arroios da região. O senhor tem acompanhado o andamento desse projeto? Quais os avanços no tratamento do esgoto da região?

Rafael Altenhofen - A criação do PRÓ-SINOS faz parte desse processo de retomada do tempo perdido a que me referi anteriormente. Trata-se de uma louvável e mais do que necessária iniciativa no sentido de juntar forças e experiências entre os municípios da bacia. Nesse sentido, entendo que todos saem ganhando, mas principalmente os municípios menores que, muitas vezes, não contam com pessoal e estrutura suficientes, além de possuírem pouca capacidade de endividamento na busca de financiamentos para as obras de saneamento necessárias. Atualmente, o consórcio está desenvolvendo, junto aos 22 municípios que o integram, além do já mencionado Plano Regional de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, também o Programa de Educação Ambiental, com recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente - FNMA e contrapartidas e custeio pelos municípios consorciados. Intermédia também os recursos do FNMA para a execução do Plano da Bacia Hidrográfica do Sinos, por meio do Comitesinos, Unisinos e parceiros.

IHU On-Line - Como avalia a atuação das empresas e das prefeituras em relação ao ecossistema do Vale? Percebe preocupação ambiental por parte das entidades?

Rafael Altenhofen - A bacia do Sinos abriga 1/3 das indústrias do Rio Grande do Sul. Esse é um número muito elevado, e qualquer generalização nesse sentido pode ser leviana. Mas as entidades que as representam, como, por exemplo, a representação desse setor junto ao Comitesinos tem se mostrado uma grande parceira na busca de soluções coerentes e tecnicamente fundamentadas para os problemas ambientais da bacia que estejam direta ou indiretamente associados as suas atividades. O fator água em quantidade e com qualidade é preponderante para a manutenção do setor na bacia Sinos, e o fato de diferentes indicadores demonstrarem que essa está no limite viável de utilização já acendeu o sinal amarelo junto às empresas que tratam a questão com a importância que sabemos que ela tem.

Quanto às administrações municipais, com as devidas exceções, diria que a mobilização dos últimos anos vem sendo uma espécie de retomada do tempo perdido durante o qual as mesmas ficaram apenas na reatividade e muito pouco na proatividade em termos de ações ambientais concretas. Não é à toa que virou quase senso comum hoje se afirmar que as grandes soluções em termos ambientais surgem e surgirão do segundo e terceiros setores, ou seja, o setor privado e o não governamental – sociedade civil organizada.

IHU On-Line - Qual é a atual situação do Rio dos Sinos? Depois de tantas polêmicas em torno da mortandade de peixes e da poluição em razão das indústrias da região, que avanços o senhor sinaliza nos últimos três anos?

Rafael Altenhofen – Primeiramente, um dado que deve ser levado em conta é que aproximadamente 85% da carga poluente do Sinos é oriunda não de indústrias, mas do esgoto cloacal das cidades. Então temos a poluição de caráter eminentemente químico – e, muitas vezes, com maior potencial de degradação – por parte das empresas, e a poluição fundamentalmente orgânica por parte dos lançamentos de esgoto cloacal, domiciliar, cuja responsabilidade é dos municípios.

Poderia se resumir a poluição do Sinos como crônica – pelo lançamento diário, sistemático e ininterrupto de esgoto cloacal e efluentes industriais – e aguda. Essa segunda, causada pelo lançamento de algum efluente industrial com elevada toxicidade ou então pela conjugação de fatores climáticos, como, por exemplo, baixo nível de água e temperatura mais elevada, que, associadas à elevada carga orgânica, sempre presente no rio, mas com menor quantidade de água presente, torna-se mais concentrada ainda, ocasionam a diminuição substancial de oxigênio presente na água e a morte de organismos aquáticos que dele necessitam, como os peixes.

Dados levantados por órgãos de proteção ambiental e posteriores análises e discussões sobre as causas da mortandade de 2006, apontam - mas até onde sei isso não foi oficializado - que a provável causa principal da mortandade possa ter sido o despejo de cianeto por parte de uma das empresas autuadas à época.

Atualmente, as emissões dessa substância bem como outras emissões fora dos padrões de algumas das empresas autuadas cessaram ou se adequaram à legislação ambiental, mas as emissões rotineiras, tanto químicas quanto da elevadíssima carga orgânica de aproximadamente 90% da população da bacia Sinos continuam a ser depositadas diariamente no rio.

IHU On-Line - Está se constituindo, no Vale, parques tecnológico e científico, com empresas que demonstram ter uma preocupação com a sustentabilidade. Essas empresas sinalizam o surgimento de uma nova geração de instituições e até mesmo uma nova forma de relação com o meio ambiente e com a sociedade?

Rafael Altenhofen - Sem dúvida nenhuma. Essa é uma tendência mundial e irreversível. Antes mesmo de ser uma questão ambiental é uma questão econômica, de competitividade e de sobrevivência no mercado. Empresas que não apresentam “preocupação” com o meio ambiente e, consequentemente, não realizam uma correta gestão de seus materiais e processos, geram, por exemplo, mais resíduos, que desperdiçam mais matérias-primas, que gastam mais energia, que não se alinham a tendências do mercado consumidor. Em outras palavras, gastam mais e lucram menos. Uma correta gestão ambiental corrige tais distorções e vai além, na medida em que modifica as relações internas e externas, junto a clientes, parceiros e comunidade de entorno ao empreendimento, onde todos ganham, sendo ainda uma vantagem competitiva em termos de imagem perante a sociedade. Então, a gestão ambiental na empresa não necessariamente é motivada pelo desejo de se contribuir com a sustentabilidade ambiental – embora isso esteja cada vez mais presente junto aos novos empreendedores –, mas pode estar simplesmente relacionada a aspectos de competitividade e de gestão: se eu desperdiço mais - demando mais recursos naturais, poluo mais e gasto energia à toa -, tenho menos lucratividade e perco espaço frente aos meus concorrentes. Se entendermos os resíduos, por exemplo, como recursos naturais que não soubemos aproveitar bem, nos damos conta que pagamos duas vezes por eles: primeiro, como matéria-prima, e, depois, para destinar a parte deles que não conseguimos fazer uso.

Leia mais...

>> Rafael Altenhofen já concedeu outras entrevistas para a IHU On-Line.

* Prefeituras ainda liberam loteamentos na região do Sinos. Entrevista publicada na edição 242, de 5-11-2007, intitulada Rio dos Sinos. Um ano depois da tragédia. Ainda é possível salvá-lo?;

* O desastre ambiental no Rio dos Sinos. Entrevista publicada nas Notícias do Dia, em 19-10-2006.

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