Edição 323 | 29 Março 2010

A casa do diálogo e a teologia plural

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Márcia Junges

Representantes de diferentes religiões escrevem obra que propõe uma introdução ecumênica à ciência da fé

Uma obra ecumênica, preocupada em fazer dialogar diferentes teologias e oferecer a possibilidade de um autêntico diálogo inter-religioso. Essas são algumas das características da recém lançada A casa da teologia: uma introdução ecumênica à ciência da fé. Um dos seus autores, Paulo Roberto Gomes, acentua que, ao abordar a pluralidade de teologias como feminista, mulherista, negra, africana, houve uma “preocupação de falar do diálogo inter-religioso e da teologia das Religiões como necessárias para quem quer começar a estudar a Ciência da Fé”. Avaliando a plurivocidade desse diálogo, Afonso Murad menciona que “a identidade não se perde em contato com o outro, mas se enriquece. Numa sociedade plural, a teologia também necessita ser plural”.

Paulo Roberto Gomes é doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio, foi professor do Instituto São Tomás de Aquino - ISTA e é presbítero católico. Atua ativamente na formação de lideranças cristãs. Afonso Murad é doutor em Teologia Sistemática pela Universidade Gregoriana. É professor de Teologia na Faculdade Jesuíta - FAJE, em Belo Horizonte, e pesquisa temas contemporâneos como gestão e ecologia. A entrevista foi realizada por e-mail.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Por que "A casa da Teologia" é uma introdução ecumênica à ciência da fé?

Paulo Roberto Gomes - O livro "A Casa da Teologia" é uma obra ecumênica pelo fato de ter sido escrita por dois católicos com experiências na linha do Ecumenismo (Afonso Murad e Paulo Roberto) e por contar com a contribuição de uma teóloga batista (Súsie Ribeiro) com experiências ecumênicas também. Desde o princípio, procuramos discutir todos os capítulos e cuidar da linguagem para que contemplasse católicos, ortodoxos, protestantes históricos e pentecostais. O capítulo sobre a história da Teologia Católica, Ortodoxa e Evangélica demonstra esta preocupação. O pastor Geraldo Cruz da Silva  contribuiu muito com suas observações na parte histórica. Todo o material escrito era cuidadosamente lido por cada um de nós, corrigido e debatido em grupo para tornar o texto mais fluente e rico. Tivemos a oportunidade de submetê-lo à leitura de outros teólogos e aplicá-lo em sala de aula. As observações desses teólogos e alunos enriqueceram ainda mais a nossa obra.

Afonso Murad - Para nós (Murad, Paulo Roberto e Susie) escrever este livro foi uma tarefa árdua e saborosa. Eu já havia elaborado um outro livro de Introdução à Teologia (Editora Loyola) com meu mestre, João Batista Libânio. Esta primeira obra está na quarta edição, e tem servido a muitos professores e alunos de Teologia no Brasil. Então, pensei em atingir outro público: os leigos e leigas que frequentam os cursos de Iniciação à Teologia, em diversas modalidades. Na primeira conversa com Paulo Roberto, quisemos estender este horizonte para as Igrejas cristãs, favorecendo uma compreensão da Teologia para além dos estreitos limites confessionais. Então convidamos Susie, teóloga batista, que havia sido minha aluna. Susie tem uma boa experiência de trabalhar em Faculdade de Teologia Evangélica, integrando a perspectiva das várias Igrejas. No trajeto de escrever e corrigir o livro, recebemos a contribuição de estudantes e professores de algumas Igrejas cristãs. Isso nos enriqueceu muito. Foi uma aprendizagem enorme! E, ao final, temos uma obra ampla de teologia cristã, em linguagem acessível, que suscita diálogo.

IHU On-Line - Em que aspectos essa obra traz uma abertura ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso?

Paulo Roberto Gomes - Ao abordarmos a pluralidade de teologias como: feminista, mulherista, negra, africana etc., tivemos a preocupação de falar do diálogo inter-religioso e da teologia das Religiões como necessárias para quem quer começar a estudar a Ciência da Fé. Como se trata de uma obra introdutória, não pudemos nos alongar muito. Tratamos as teologias de todas as Igrejas (luteranas, calvinistas, batistas, metodistas, pentecostais) com muito respeito, mostrando suas concepções a respeito da riqueza do Cristianismo. A obra tem a edição das Paulinas com a coedição da Sinodal dos luteranos. Gostaríamos muito que fosse um serviço às diversas Igrejas, abrindo perspectivas de sair de uma concepção fundamentalista para um dialogo mútuo e enriquecedor para todos.

Afonso Murad - Em vários aspectos. Em primeiro lugar, porque ela foi elaborada com os olhares de diferentes Igrejas. Além disso, contemplamos assuntos que normalmente não se encontram em outros livros. Por exemplo: raramente um livro de introdução à teologia católica contempla a história da teologia protestante. Há uma igual dificuldade nos livros de introdução, escritos por evangélicos e pentecostais, de apresentar o tema do método teológico, e de refletir sobre a utilização de outros saberes na elaboração da ciência da fé. E existe ainda a questão espinhosa da relação entre Bíblia e Tradição. Resolvemos abordar estes temas de forma aberta e respeitosa, mostrando as diferenças e os possíveis pontos em comum. Um dos grandes problemas para o diálogo ecumênico e inter-religioso é que não se conhece a visão do outro a partir do seu ponto de vista. Então, este livro se presta a informar e refletir, sem ter a pretensão de doutrinar ninguém. Assume uma postura clara: a teologia cristã é um saber apaixonado, que parte da experiência da fé, vivida em comunidade. Mas esta paixão é lúcida. Quer compreender em que (ou em Quem) crê, e como se dá este processo. Por isso, necessita pensar, com instrumentais teóricos adequados. A identidade não se perde em contato com o outro, mas se enriquece. Numa sociedade plural, a teologia também necessita ser plural.

IHU On-Line - O que a metáfora da casa revela sobre a Teologia em nossos dias?

Paulo Roberto Gomes - Escolhemos a metáfora da casa para tornar mais leve a leitura e pelo fato da casa ser um lugar do convívio, da intimidade e do cultivo do relacionamento. Nos evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas, a casa é um lugar teológico de grande relevância na aprendizagem com o mestre, na convivência e no se tornar discípulo do Reino. A metáfora da Casa revela que nossa teologia deve ser hoje mais saborosa, construída nas diversas relações entre Igrejas, mulheres e homens, religiões, entre o público e o privado, um diálogo respeitoso com os mais variados interlocutores, procurando dar respostas ainda que provisórias para o serviço do Povo de Deus.

Afonso Murad - A metáfora da casa nasceu da tentativa de apresentar de uma forma poética os vários assuntos que compõem uma Iniciação à Teologia, em perspectiva ecumênica. Visitar a casa de um amigo é lentamente penetrar na sua intimidade, partilhar de algo que lhe é próprio. Assim acontece com os diversos capítulos do nosso livro. O leitor, de forma gradual, vai entrando no mundo da teologia. Chega na varanda, onde se descortinam as expectativas e desejos dos estudantes. Entra na sala de visita e começa a estabelecer relação com o saber teológico. Passa pelos corredores da história, e vai à cozinha, o lugar familiar. Visitando diferentes cômodos da “Casa da Teologia”, o leitor se sente parte dela. Por fim, a teologia reconhece que não basta a si própria. É necessário ouvir e dialogar com as grandes questões da humanidade: sociais, étnicas, culturais e ecológicas. Por isso, a metáfora nos leva ao capítulo final: “A casa e a cidade”. Por fim, nós cremos que a teologia é uma casa em construção. Então, criamos o blog: www.casadateologia.blogspot.com, para apresentar bibliografia recente, novos artigos e até pequenos vídeos, além de favorecer a interlocução com o(a) estudante de Teologia. A “casa da teologia” é nossa casa. Bem-vindo!

Saiba mais sobre o livro MURAD, Afonso; GOMES, Paulo Roberto; RIBEIRO, Susie. A casa da teologia: introdução ecumênica à ciência da fé (São Paulo: Paulinas; São Leopoldo: Sinodal, 2010).

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