Edição 322 | 22 Março 2010

Um capital sem pátria e sem marca

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Patrícia Fachin

Segundo o jornalista Bernardo Kucinski, o capital vende e compra empresas de modo impessoal, sem estar vinculado a um projeto nacional

Para o jornalista Bernardo Kucinski, a reorganização do capitalismo brasileiro é determinada muito mais por fatores “externos ao país, do que por decisões políticas seja do Estado brasileiro seja do poder econômico”. Na opinião dele, alguns dos aspectos tornaram o Brasil atrativo para o capital estrangeiro: “a descoberta de grandes reservas de petróleo” e “a entrada da China nos mercados mundiais como grande compradora de matérias-primas e fornecedora de bens manufaturados de baixo custo”.

Na entrevista que segue, concedida, por e-mail, à IHU On-Line, Kucinski comenta a formação de grandes grupos econômicos nacionais com potencial de atuação internacional, financiados pelo Estado através do BNDES. Segundo ele, eles estão “deslocados de um projeto nacional de desenvolvimento”. Para ele, o “BNDES tenta formular políticas de fomento e sustentação de cadeias produtivas em setoriais ameaçadas pela globalização.” Entretanto, como as regras são ditadas pelo grande capital, ele não vê outra alternativa no horizonte: “Ou isso é feito ou a empresa sucumbe no mercado global das megafusões.

Kucinski é jornalista e foi militante estudantil durante o regime militar. Cursou doutorado em Ciências da Comunicação na Universidade de São Paulo – USP e é professor aposentado dessa mesma instituição. Ganhou o prêmio Jabuti de Literatura, em 1997. Entre suas obras, citamos Diálogos da Perplexidade – Reflexões críticas sobre a mídia (São Paulo: Perseu Abramo, 2009) e Jornalistas revolucionários. Nos tempos da imprensa alternativa (São Paulo: Editora da USP, 2003).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O capitalismo brasileiro está passando por uma reorganização? Que fatores sinalizam esse processo?

Bernardo Kucinski - As mudanças são determinadas muito mais por fatores fortuitos ou externos ao país, do que por decisões políticas seja do Estado brasileiro seja do poder econômico. A principal mudança no nosso cenário foi a própria eleição de um operário para a presidência. Num país em que o executivo concentra o poder do Estado, a eleição do operário Lula acabou por transtornar as redes estabelecidas de planejamento, diálogo e interação entre Estado e poder econômico. Daí as acusações de “aparelhamento”, que nunca foram formuladas contra governos anteriores. O governo Lula caracteriza-se justamente pela ausência de uma aliança propositiva entre Estado e poder econômico.

Na era Lula há alguns pactos de não agressão, tanto de um lado como de outro, mas não alianças. Por isso, não há um projeto nacional. Nem é possível haver esse projeto, porque a eleição de Lula é tratada como anomalia. Além disso, o vago ideário do PT, um partido operário tardio, flutua num caldo de cultura predominantemente neoliberal – mesmo depois do “crash” de Wall Street de 2008. O poder econômico não vê a hora de se livrar de Lula. Vejam a presteza com que, num cochilo do governo- acabaram com o CPMF.

O projeto de Lula. Nada a ver com o getulismo

O governo Lula é portador de algumas grandes ideias, como a da maior participação popular no processo decisório (através das conferências nacionais e outros meios) e na apropriação da renda nacional (através do aumento do salário mínimo); a ideia de erradicar a fome e a miséria absoluta, e principalmente a ideia do crescimento econômico como pré-requisito para tudo isso, embora dentro dos padrões históricos. Se os “50 anos em 5” de JK  foram uma revolução, uma ruptura, concebida, planejada e executada por uma parceria estreita Estado-capital, na era Lula, isso é impossível porque o capital não aceita a parceria Lula, apenas a tolera e não vê a hora de se livrar, recuperando seu domínio direto do aparelho de Estado, através dos quadros clássicos não sindicalistas e muito menos guerrilheiros.

Por isso, não vale a comparação com o getulismo oriundo da Revolução de 30, que trouxe profundas transformações acordadas entre tenentistas e classes dominantes, marcadas pelo nacionalismo, positivismo no trato das riquezas nacionais e o Estado como empreendedor. Cabe alguma comparação com a segunda era Getulio, na qual são retomadas algumas dessas tendências, mas em oposição ao desejo das forças econômicas dominantes, tanto assim que tudo termina em tragédia, com seu suicídio e sua carta testamento. A crise do mensalão foi a repetição, não como farsa, mas talvez como caricatura, do mesmo choque entre poder econômico e Estado que levou Getulio à morte. Mesmo depois de demonstrado que a ampliação substancial do consumo popular salvou o país de uma baita crise, ainda assim, o poder econômico rejeita os programas sociais de Lula.

Mudanças visíveis sem melhoras expressivas

O principal fator fortuito das mudanças é a descoberta de grandes reservas de petróleo, o que tornou o Brasil especialmente atraente para o capital estrangeiro e propiciou a criação de uma forte indústria petroleira, incluindo equipamentos.

O principal fator externo é a entrada da China nos mercados mundiais como grande compradora de matérias-primas e fornecedora de bens manufaturados de baixo custo. As consequências para nós são a expressiva valorização das nossas matérias-primas e da principal base de sua produção, nossas terras e riquezas naturais, e, ao mesmo tempo, uma pressão permanente contra ganhos salariais, que não podem ser muito superiores aos dos trabalhadores chineses.

A principal mudança visível foi de uma economia de estagnação e desemprego para uma economia de crescimento e criação de emprego formal em grande escala, embora sem melhora expressiva na recuperação da renda do trabalhador. Melhoras significativas na redução da miséria na habitação e demarcação de reservas indígenas e ambientais. Melhoras importantes na reestruturação do Estado, desmantelado no governo FHC, especialmente na Polícia Federal e agências ambientais, mas não decisivas e, nem ao que parece, irreversíveis. O legislativo se desmoralizou e o judiciário foi se tornando o bastião da resistência conservadora.

Pouco ou quase nada foi feito na logística, em que é mantida a estratégia neoliberal de concessões, embora em termos menos exorbitantes e nada na modernização da política. Também predominou a continuidade nas políticas monetária e fiscal, dada pela manutenção da subordinação do Banco Central ao capital financeiro-bancário e pela nefasta manutenção da Lei de Responsabilidade Fiscal, principal instrumento de implantação legal do neoliberalismo no Brasil, feita para travar o investimento público em infraestrutura, especialmente no saneamento, e não social.

IHU On-Line - Que papel os fundos de pensão, as estatais e o BNDES exercem na reorganização do capitalismo brasileiro?

Bernardo Kucinski - Os fundos são a fonte do financiamento de longo prazo na economia, sem o qual não há investimento pesado, sobretudo em infraestrutura. Também, em outros países, os grandes fundos se tornaram protagonistas importantes no mercado financeiro. No Brasil, a intermediação desses recursos é feita pelos bancos oficiais, especialmente BNDES e Banco do Brasil. A banca privada aqui é muito ligada ao financiamento da exportação e mercado de câmbio, mas pouco vinculada à produção. Realimenta-se do próprio mercado financeiro, especialmente da rolagem da dívida pública.  Na crise, a banca privada debandou. Foram o BNDES, o Banco do Brasil, a CEF e o Bando do Nordeste que sustentaram a liquidez e expandiram o crédito; por isso, o BNDES é visto como um Leviatã e, de fato, tem condições de induzir a formação de megagrupos e coordenar setores da indústria.

A atuação dos fundos depende fortemente do governo do dia. Foram os fundos, no governo FHC, que financiaram as gigantescas transferências de patrimônio público para o capital estrangeiro e alguns grupos privados nacionais. No governo Lula, a ênfase se voltou à indução de formação de grandes grupos econômicos nacionais, em condições de competir no mundo globalizado da megafusões. Mas como decisões pontuais, algumas delas, são emergenciais. Além disso, não são transparentes e estão descoladas de um projeto nacional de desenvolvimento. Em escala bem menor, o BNDES tenta formular políticas de fomento e sustentação de cadeias produtivas em setoriais, ameaçadas pela globalização.

IHU On-Line - Quais os aspectos positivos e negativos da atuação do Estado enquanto financiador de potências nacionais com atuação internacional? Quem se beneficia com tal procedimento e como isso reflete na sociedade brasileira?

Bernardo Kucinski - Não há alternativa. Ou isso é feito ou a empresa sucumbe no mercado global das megafusões. Nesse sentido, não cabe discutir quem ganha ou quem perde, e sim a forma como isso é feito e porque é feito em alguns casos (agronegócios, por exemplo) e não em outros (indústria farmacêutica, supermercados).

Dito isso, os aspectos positivos são a recuperação, embora indireta, de um sentido de projeto nacional e de identidade nacional, além, é claro, dos dividendos materiais, tecnológicos e cambiais. Os aspectos negativos são a criação de poderosos focos de pressão do interesse privado sobre o aparelho de Estado, sobre o Congresso e sobre a mídia, menor proteção ao consumidor, fragilização da concorrência, serviços piores e mais caros, menos empregos e menor poder de barganha dos sindicatos.

IHU On-Line - Os bancos lucraram mais do que esperado no último ano. Na sua visão, o Estado deveria exercer uma postura mais reguladora no sistema financeiro?

Bernardo Kucinski - Na minha visão, utópica, todo o sistema bancário macro deveria ser Estatal, mantendo-se uma rede privada de bancos e instituições financeiras de pequeno porte para funções de capilaridade financeira. Também as empresas de cartões de crédito deveriam ser estatizadas. Não tem sentido pagar hoje uma porcentagem por cada transação da moeda, já que o cartão virou a moeda e é função do Estado promovê-la.

Sendo impossível a estatização que eu desejaria, deveria se partir para uma profunda investida no setor bancário, para reduzir suas tarifas, exorbitantes, coibir seus abusos, limitar seus riscos e suas apostas na especulação. Os bancos privados deveriam ser fiscalizados como um serviço público, concedido pelo Estado. 

IHU On-Line - Especula-se hoje, no país, a criação do projeto Ômega, que visa transformar o Brasil num centro financeiro da América Latina. O projeto faz parte da reorganização do capitalismo brasileiro?

Bernardo Kucinski - Não conhecia esse projeto. Fui me informar e fiquei sabendo que entre os seus formuladores está o ex-presidente do Banco Central do governo de FHC, Armínio Fraga. Deve ser o velho sonho dos especuladores, da desregulação total do mercado financeiro. Trata-se de um projeto inoportuno, até provocador, quando o mundo discute justamente o oposto, ou seja, reconstruir normas e impor limites à especulação financeira.

IHU On-Line - Qual é o papel que o PAC desempenha na reorganização do capitalismo brasileiro? Ele vai na contramão da crise ecológica?

Bernardo Kucinski - O PAC é uma tentativa de transpor os empecilhos ao investimento público, criados pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Não vai na contramão da crise ecológica. Os ambientalistas brasileiros, especialmente os ongueiros, é que vão na contramão da proteção ambiental ao se opõem à construção de estradas, portos, hidroelétricas e canais de irrigação e transposição de águas, sem as quais não há sociedade moderna e nem a possibilidade da ação fiscalizadora do Estado chegar ao coração da florestas e de criar uma economia sustentável na Amazônia. Uma das maiores contradições desse tipo de ambientalismo é a condenação da energia limpa e barata gerada pelas hidroelétricas quando —objetivamente — a alternativa é a termelétrica, esta sim, das mais caras e poluentes. As hidroelétricas, além disso, regulam a vazão das águas, reduzindo a frequência e as severidades das enchentes e das secas, garantem o abastecimento de água, criam reservas turísticas, de lazer, de pesca e de navegação. Esses ambientalistas que combatem hidroelétricas deveriam ser levados pelo governo a visitar Itaipu, uma das maravilhas da engenharia brasileira. Eu amo as hidroelétricas bem construídas.

IHU On-Line - Assiste-se, nesse processo de reorganização do capitalismo, uma reconfiguração de classes ou frações de classe? Que classes surgem?

Bernardo Kucinski - Se o processo de reconfiguração de classes ou frações de classe existe, não está muito claro, o que talvez indique que nada de muito substancial está ocorrendo. A grande configuração aconteceu no governo FHC, quando surgiram os “novos-ricos” da privatização e ao mesmo tempo foi dizimada a poderosa tecnocracia estatal especializada em energia, comunicações e logística em geral - a maior parte dela cooptada pelo capital privado durante as privatizações através de salários cinco vezes maiores -, como que se perderam vários centros e núcleos importantes de planejamento estratégico e criação tecnológica do Estado.

Os barões da mídia continuam os mesmos, e os barões do campo também, embora paradoxalmente mais fortes e mais fracos. Mais fortes pelo poder econômico aumentado do agronegócio; mais fracos pela entrada agressiva do capital estrangeiro no setor, fenômeno semelhante ao acontecido com os barões bancários.

O fato de grandes contingentes das classes D e E evoluírem para a faixa de consumo C poderá significar uma mudança no peso e na mentalidade da classe média baixa, que se tornaria menos manobrável pelo populismo e mais crítica e exigente. Por isso, está equivocado o André Singer  quando diz que a base de Lula mudou, passando ele a ser apoiado por um “subproletariado”, que deixou de ser o que era, invalidando o argumento, especialmente sua conotação depreciativa.

Movimentos sociais enfrentam conjuntura duplamente desfavorável

Já os trabalhadores organizados, sindicatos e centrais sindicais, embora mais ativos, soltos e menos hostilizados pelo Estado, ao contrário, por ele apoiados, enfrentam a conjuntura mundial duplamente desfavorável: o toyotismo, nova forma de relação capital-trabalho que implica no descarte do trabalho e na precarização do emprego, e a “síndrome da China”, que coloca um limite severo aos ganhos salariais no Brasil. Por isso, está errada a tese do meu amigo Chico de Oliveira  de que se formou no governo Lula um poder sindical. É impossível hoje, com o toyotismo e o desemprego estrutural, com o predomínio dos serviços e da indústria de bens simbólicos, haver um poder sindical. Os sindicatos têm que se ater a estratégias defensivas e de sobrevivência, especialmente através da legislação já conquistada. Nesse sentido, o governo Lula foi muito mais uma tábua de salvação do sindicalismo, que certamente será destruído se tivermos pela frente, por exemplo, uns dez anos de tucanato no poder.

IHU On-Line – Como os movimentos sociais devem atuar nessa nova configuração?

Bernardo Kucinski - Que movimentos sociais? O Movimento dos trabalhadores Sem Terra, o mais importante deles, está perdido entre demandas utópicas (contra o agronegócio), retrógradas (contra sementes geneticamente modificadas), e o anacronismo de sua reivindicação principal (reforma agrária). Ou o MST reinventa o conceito de reforma agrária e, com isso, se reinventa, ou vai desaparecer. Acho que foi o que tentaram com a Via Campesina ao atribuir à pequena propriedade uma função mais social de agentes da preservação ambiental e também dar um sentido mais social à produção agrícola. Mas fizeram isso sem abandonar as bandeiras anteriores. Além disso, as condições do Brasil não são nem um pouco iguais às da Europa, onde uma fortaleza de subsídios agrícolas protege a agricultura de pequenas propriedades, aliás, configurando uma base social conservadora ao extremo. Sem rumo, o MST resvalou para táticas de comunicação e mobilização mais agressivas, que se voltaram contra eles mesmos. Ao invadir para chamar atenção e criar mídia, o MST acabou sendo pautado pela própria mídia, como bem observou tempos atrás Renato Rovai. Agora estão à mercê de uma CPI.
 
Movimentos feministas

Os movimentos feministas, embora contando com apoio do governo Lula, enfrentam a resistência da Igreja Católica que agora atua com grande agressividade.

O mundo das mulheres já está lá na frente, em pleno século XXI, mas nossas leis e formalismos continuam prisioneiras de uma instituição conservadora e autoritária, que insiste em impor os preceitos de seu credo ao conjunto da população. Nesse campo, há muita luta pela frente, coisa pesada.

Conquistas e derrotas dos movimentos sociais

Quilombolas e movimento negro tiveram grande acolhida no governo Lula, que respondeu com políticas públicas concretas, abrangentes e avançadas e sem precedentes em nossa história – às quais a sociedade conservadora ainda resiste. Entre elas, o Luz para todos, o ProUni e a demarcação dos quilombos. A eles cabe capitalizar os ganhos e dar um salto de qualidade nas reivindicações, mais culturais, mais políticas e menos materiais.

Os movimentos dos sem-teto estão recebendo agora os frutos de sua atuação como a nova política habitacional de Lula, de igual importância, uma das únicas que forçou autoridades estaduais e municipais a também se mexerem.

Os movimentos de saúde, tradicionalmente os mais consequentes, e que já são quase parte do aparelho de Estado, não conseguiram impedir o fim da CPMF, o que foi uma grande derrota, considerando as novas e mais complexas demandas da saúde pública.

Os movimentos pela democratização do mercado de comunicação deram um notável salto de qualidade organizacional no governo Lula, embora tardiamente, e ainda prisioneiros de uma linguagem ultrapassada. 

Em resumo, discordo da tese da “cooptação” ou desmobilização dos movimentos sociais por Lula. È uma afirmação desprovida de substância. A relação é dialética: o próprio governo Lula é um resultado dos movimentos sociais, daí sua permeabilidade a eles. Daí os saltos conseguidos em tantas áreas e as novas políticas públicas. Cabe aos movimentos sociais darem saltos à altura dos dados por Lula nas políticas públicas. Definir novos objetivos, reinventarem-se. Lutarem, por exemplo, pela consolidação das novas políticas públicas, de modo a torná-las irreversíveis.

IHU On-Line - A partir do atual nacional-desenvolvimentismo é possível pensar em um projeto de nação sólido?

Bernardo Kucinski - Não há nacional-desenvolvimentismo, exceto em aspectos pontuais e defensivos. Ao contrário, em alguns setores fundamentais, como o mercado de câmbio, posse da terra e setores varejistas e de serviços geradores de lucro sem que gerem exportação, a relação de dependência se aprofundou. A dinâmica e as regras do jogo ainda são as ditadas pelo grande capital. E, o que é pior, um capital hoje anônimo, sem pátria e sem marca, sem afetos e vínculos permanentes com culturas produtivas, um capital de planilha, buscando sempre o lucro maior, o aproveitamento de oportunidades repentinas. Um capital que vende e compra empresas o tempo todo de modo impessoal e não vinculado a nenhum projeto nacional.

IHU On-Line - Vislumbra alguma mudança na condução da política econômica brasileira a partir do resultado das eleições deste ano? Dilma, Serra ou até mesmo Marina podem sinalizar uma mudança na atuação do Estado?

Bernardo Kucinski - É possível uma mudança para melhor se todas as ações pontuais na economia e no social do governo Lula ganharem com Dilma uma formulação teórica consistente e mais intelectual, mais ambiciosa em termos de inovação e transformação. 

Creio que as mudanças ocorridas no governo Lula, especialmente a ascensão das classes D e E, e o salto no número de jovens em universidades, tudo isso turbinado pela impressionante revolução tecnológica atual, criaram as bases para que se realize uma espécie de “sonho brasileiro”. Um sonho da nossa sociedade de se tornar mais culta e educada, suas metrópoles mais limpas e seguras, suas políticas públicas mais éticas e mais justas para todos. Sua justiça mais justa e sua polícia mais moderna. Seria necessariamente um projeto contra-hegemônico internamente, frente à resistência das oligarquias e em âmbito mundial. Por isso, quebraria muito pau. Mas não sei se a Dilma tem essa mesma percepção.

Com a Marina não se deve esperar nada, exceto mais equívocos e desvios do principal. Ela traria benefícios indiretos à nossa vida política se definisse mais claramente suas propostas e quem são os que a elas se opõe, portanto seus adversários, mas nem isso ela faz.  

Com Serra, acredito que haveria mudanças profundas, para pior, a exemplo do que ocorre hoje no Estado de São Paulo nas esferas da educação, saúde pública, e assistência social. Ele reúne os atributos de ser um general que não se importa com as baixas de uma batalha, atua com sangue-frio, calculista, e crente absoluto nas virtudes da iniciativa privada, em comparação com a gestão estatal. Com Serra, o neoliberalismo voltará com muita força. A única dúvida é sobre suas relações com o capital financeiro, que poderão ser menos passivas e tolerantes do que as de Lula, e as matizes eventualmente modernizantes do seu governo, no sentido de dar mais eficácia à maquina nos campos da educação, tecnologia, meio ambiente, administração pública. Se elas existirem, terão forte coloração neoliberal. Tudo terceirizado. Tudo privatizado.

Para ler mais...

>> Bernardo Kucinski já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Confira na página eletrônica (www.ihu.unisinos.br/ihu).

• Os impactos da crise financeira na América Latina. Desafios e possibilidades. Entrevista publicada nas Notícias do Dia, em 05-05-2009.

• O jornalismo estrito senso se diluiu. As grandes transformações da mídia. Entrevista publicada nas Notícias do Dia, em 13-04-2008.

• 'Uma política monetária e cambial totalmente inconsistente e que sangra o Estado'. Publicada em 05-08-2007.

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