Edição 321 | 15 Março 2010

Por um uso mais cuidadoso da água

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Graziela Wolfart | Tradução: Luís Marcos Sander

Para Colin Chartres, usar uma combinação de tratamento primário, uso agrícola e processos ambientais para purificar efluentes líquidos é uma das oportunidades chave para o futuro com vistas à superação da escassez de água

“As crises alimentares causadas por perturbações na relação entre demanda e oferta causam inevitavelmente um impacto sobre os pobres”. A análise é do diretor do Instituto Internacional de Gerenciamento de Água, Colin Chartres, em entrevista concedida, por e-mail, à IHU On-Line. Defensor do conceito do uso mais cuidadoso da água, que seriam quaisquer métodos que aumentassem a eficiência e a produtividade do uso da água, Chartres alerta que “se continuarmos procedendo da mesma forma como até agora, isto é, sem melhorias substanciais na produtividade da água, talvez precisemos do dobro de água para plantar os alimentos necessários para alimentar um número estimado de nove bilhões de pessoas”. E continua: “a relação complexa existente entre produção de biocombustíveis, produção interna de alimentos e comércio tem de ser entendida para que se tomem decisões lógicas sobre essa questão”. A opinião de Chartres é clara quando perguntado sobre obras de transposição de águas dos rios: “grandes transposições de água entre bacias e entre rios são um último recurso em termos de solução. A razão é que elas, muitas vezes, são horrendamente caras, implicam custos de engenharia e de manutenção muito significativos e frequentemente têm consequências ambientais consideráveis”.

Colin Chartres é graduado em Geografia pela University of Bristol (Reino Unido) e possui PHD em Pedologia pela University of Reading (Reino Unido). O Instituto Internacional de Gerenciamento de Água tem sua sede no Sri Lanka e sua página na Internet é http://www.iwmi.cgiar.org/

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Que relações podem ser estabelecidas entre a água e a produção de alimentos para a população mundial?

Colin Chartres - A água e os alimentos estão inexoravelmente ligados. As crises alimentares causadas por perturbações na relação entre demanda e oferta causam inevitavelmente um impacto sobre os pobres. Antes da crise alimentar de 2008, estimava-se que cerca de 1,4 bilhão de pessoas estavam vivendo abaixo da linha de pobreza de US$ 1,25 por dia. Muitas dessas pessoas também sofrem de desnutrição. Enquanto que o Banco Mundial estava prevendo, em 2005, que o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio  de reduzir a pobreza extrema em 50% de seu nível de 1990, em 2015, provavelmente seria atingido, a crise alimentar de 2008 e o potencial de que ocorram crises semelhantes no futuro poderão agora criar alguma incerteza quanto a essa previsão. Fundamental para atingir o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio referente à redução da pobreza será a capacidade dos definidores e gestores da política de recursos hídricos de garantir que haja disponibilidade de suprimentos de água para fins agrícolas e que eles sejam usados de forma mais produtiva do que o estão sendo atualmente. A Avaliação Abrangente de Gestão de Recursos Hídricos na Agricultura publicada pelo Instituto Internacional de Gestão da Água/Earthscan em 2007 demonstrou que, se continuarmos procedendo da mesma forma como até agora, isto é, sem melhorias substanciais na produtividade da água, talvez precisemos do dobro de água para plantar os alimentos necessários para alimentar um número estimado de nove bilhões de pessoas.

IHU On-Line - De que forma o aumento da produtividade nas lavouras pode interferir no consumo de água?

Colin Chartres - O grande desafio para a agricultura e a gestão dos recursos hídricos é aumentar a produtividade da água. Isto foi descrito, em inglês, como more crop per drop (mais produção agrícola por gota d’água). Na realidade, isto significa obter mais produção por unidade de evapotranspiração. Isto pode ser alcançado se continuarmos a investigar soluções para a baixa produtividade, que pode incluir ervas daninhas, doenças, aplicação ineficiente da água, estrutura ruim do solo, salinidade etc. Também podemos economizar em sistemas de irrigação, reduzindo a evaporação e o vazamento, embora o vazamento num local possa ser usado em outra parte na medida em que a água percorre o ciclo hidrológico.

IHU On-Line - Quais os maiores desafios para a questão da água, impostos pelo estilo ocidental de alimentação e pela demanda cada vez maior de biocombustíveis?

Colin Chartres - A necessidade de dobrar o consumo de alimentos e, por conseguinte, de água na agricultura, num cenário em que continuemos procedendo da mesma forma como até agora, é mais elevada do que se poderia esperar apenas em função do crescimento populacional. Isto se deve ao fato de que as pessoas estão demandando dietas mais sofisticadas que contêm mais proteína animal. Produzir essa proteína exige mais água do que a produção de grãos e verduras ou legumes. O consumo de proteína animal aumentou drasticamente nos dois países mais populosos do mundo, a China e a Índia. Na China, há uma demanda maior por carne, enquanto que, na Índia, o consumo de laticínios aumentou drasticamente. A produção de biocombustíveis está sendo impulsionada por políticas governamentais frequentemente mal concebidas que exigem, às vezes, que 10% ou mais do uso total de gasolina e diesel sejam derivados de etanol produzido à base de plantas. Em países como o Brasil, com terra e água em abundância, isto faz sentido, mas em países com alta densidade populacional como a Índia e a China, o uso de terra e água para a produção de bioenergia obviamente reduz sua capacidade de alimentar suas populações. A relação complexa existente entre produção de biocombustíveis, produção interna de alimentos e comércio tem de ser entendida para que se tomem decisões lógicas sobre essa questão.

IHU On-Line - Quais os riscos ambientais dos suprimentos de água para irrigação por causa das mudanças climáticas?

Colin Chartres - A relação entre a mudança climática e seu impacto sobre a água é complexa. Precisamos de resultados de modelagem climática com mais downscaling (ampliação da resolução) que possam ser usados para modelar a hidrologia. Há também uma forte relação entre mudança climática, cobertura vegetal e, portanto, uso da terra, que também pode acarretar dificuldades para prever impactos sobre os fluxos dos rios e a disponibilidade de água. Entretanto, havendo temperaturas mais elevadas e maior evaporação, associadas ao maior risco de estiagem, temos de buscar estratégias de gestão adaptativa que aumentem o armazenamento de água superficial e subterrânea e usem a irrigação complementar como seguro contra quebra de safras para agricultores pobres em situação de risco.

IHU On-Line - O que o senhor entende pelo uso mais cuidadoso da água? Como seria esse uso?

Colin Chartres - Uso essa expressão para designar quaisquer métodos que aumentem a eficiência e a produtividade do uso da água, seja o uso agrícola, doméstico ou industrial. Embora todos possamos economizar água através de banhos mais curtos, do uso de plantas tolerantes à estiagem em jardins e pomares e do uso de menos água por produto industrial acabado, há também grandes oportunidades para reciclar a água e usá-la diversas vezes. Por exemplo, a água de esgoto tratada pode ser usada com segurança na agricultura e também para complementar fluxos “ambientais” nos rios. De modo semelhante, a água cinza de origem doméstica pode ser usada para nossos jardins e pomares.

IHU On-Line - Qual sua opinião sobre a transferência de água dos rios em grandes obras para aumentar a produtividade e a distribuição de água?

Colin Chartres - Minha opinião é que grandes transposições de água entre bacias e entre rios são um último recurso em termos de solução. A razão é que elas, muitas vezes, são horrendamente caras, implicam custos de engenharia e de manutenção muito significativos e frequentemente têm consequências ambientais consideráveis. Tendo dito isto, se um número significativo de pessoas terá seu sustento mantido ou incrementado, elas poderão ser ocasionalmente necessárias.

IHU On-Line - Como a questão do saneamento e do tratamento da água e do esgoto interfere no problema da escassez de água do planeta?

Colin Chartres - A dessalinização pode ser um meio eficiente em termos de custos para disponibilizar água para fins domésticos e industriais e está sendo usada em grau crescente para essa finalidade em países com escassez de água, como a Austrália e no Oriente Médio. Entretanto, num futuro próximo, seus custos são proibitivos no tocante ao seu uso para a produção de água para a agricultura. Como mencionei antes, usar uma combinação de tratamento primário, uso agrícola e processos ambientais para purificar efluentes líquidos é uma das oportunidades chave para o futuro com vistas à superação da escassez de água.

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