Edição 320 | 21 Dezembro 2009

Antônio Aparecido da Silva (Padre Toninho)

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Márcia Junges

Padre Antônio Aparecido da Silva, mais conhecido como Padre Toninho, faleceu dia 17 de dezembro, às 21h30min, em consequência de um AVC sofrido em 12 de dezembro. Pe. Toninho se destacou pelo combate a toda e qualquer forma de discriminação racial. Nascido em Lupércio, pequena cidade do interior de São Paulo, viveu uma boa parte de sua infância e juventude em Parapuã, outra pequena cidade do interior de São Paulo, onde foi sepultado. Tinha 33 anos de vida sacerdotal e pertencia a Ordem Religiosa da Pequena Obra da Divina Providência [Orionitas]. A seguir, a IHU On-Line celebra a memória do Padre Toninho publicando um depoimento e duas entrevistas. O blog do Instituto Humanitas Unisinos – IHU também repercutiu a sua vida e obra. Confira.

A seguir você confere o depoimento de Afonso Maria Ligorio Soares, refletindo o legado de Padre Toninho. Ele é presidente da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião – Soter, membro e sócio-fundador do Centro Atabaque de Teologia e Cultura Negra. Graduou-se em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, mestre em Teologia Fundamental pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma – PUGR, Itália, e doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo – Umesp. É pós-doutor pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio - e livre-docente pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP. De sua produção bibliográfica, destacamos Negros, uma história de migrações (2. ed. São Paulo: Centro de Estudos Migratórios, 1996).

Confira o artigo.

“A primeira vez que vi Padre Toninho foi numa conferência que proferiu em uma Semana Filosófica na PUC de Curitiba, no início dos anos 1980. Ainda estudante de filosofia, fiquei impressionado com aquele jovem presbítero, negro, de fala mansa e bem-humorada, que tinha o dom de fazer as denúncias mais duras sem perder a leveza, como se estivesse numa roda de amigos contando anedotas.

E não era nada irrelevante o tema de Toninho naquela manhã. Era dura e crítica a sua fala. A plateia por várias vezes não conteve o riso, graças à maneira daquele padre militante recordar os casos de racismo que ele ou conhecidos seus haviam passado e ainda passavam em seu dia-a-dia. O riso era nervoso e o recado calava fundo, porque não era fácil admitir que além de toda a discriminação sofrida pela comunidade negra brasileira, durante e após o escravismo, até mesmo dentro das igrejas cristãs, principalmente na Igreja católica, negros e negras tinham sido e seguiam sendo alijados como gente de segunda classe.

Só mais tarde me dei conta da figura ímpar daquele homem combativo e generoso, e da dimensão de seu envolvimento com a causa do povo negro. Assessor e incentivador, junto à CNBB, das discussões em torno de uma atenção pastoral à questão negra, ele esteve presente na criação dos Agentes de Pastoral Negros (APNs) em 1983, batalhou pela visibilidade e pelo combate ao drama do racismo nas assessorias que prestou ao episcopado durante as Conferências de Puebla e Santo Domingo, e manteve-se como principal liderança da Pastoral afro nos últimos 30 anos.

Lembro-me de quão decisiva foi, para o desabrochar da consciência negra junto aos estudantes, a sua gestão à frente da atual Faculdade de Teologia da PUC-SP. Além disso, ele também presidiu a Sociedade de Teologia e Ciências da Religião – Soter em um período delicado para a consolidação da reflexão teológica latino-americana. Depois, no final de 1990, Padre Toninho reuniu um pequeno grupo de militantes da causa negra – homens e mulheres; leigos e presbíteros; católicos, protestantes e iniciados na tradição dos orixás; filósofos, educadores, teólogos e terapeutas – e juntamente com estes fundou o Grupo Atabaque de Teologia e Cultura Negra (hoje, Centro Atabaque). O Atabaque, sob a liderança e sustentação diuturna de Toninho, firmou-se como uma ONG ecumênica que se reúne até hoje com o propósito de subsidiar a reflexão e a prática dos APNs, intensificando também o intercâmbio com grupos e entidades internacionais envolvidos com a luta pela cidadania plena de todos os afro-descendentes.

Que legado nos deixa Toninho? Num dos últimos balanços que fez sobre a prática e a reflexão teológica em nossos dias, ele apontava, como um dos temas recorrentes, a superação de preconceitos em busca do necessário diálogo afro-religioso, e projetava, para a próxima década, cinco temas particularmente importantes: teologia, fé e práticas afro-religiosas; teologia feminista afro-americana; Bíblia e comunidades negras; comunidade negra e nova ordem mundial; ecumenismo e macroecumenismo (ecumenismo integral) na perspectiva afro. Detendo-se nesse último, Padre Toninho direcionava sua reflexão para a inculturação, esclarecendo, porém, “não se tratar de um processo descendente, cujo protagonismo caiba à mensagem ou ao mensageiro, mas de uma prática em que é dada prioridade ao povo, com suas culturas que, por certo, não superam os evangelhos, mas integram sua mensagem no próprio viver”. Para mim, esse trecho soa como síntese e desafio lançado aos que seguimos na caminhada.

Mas é difícil ainda pensar a frio, a poucos dias desta despedida definitiva. Parecem sobrar as palavras que repetem como ele foi importante para o diálogo inter-religioso e para a conversão da Igreja no Brasil à defesa de plataformas antidiscriminatórias de qualquer espécie. Toninho tinha o dom da conciliação no melhor dos sentidos. Não lhe interessava o conflito pelo conflito nem a crítica destrutiva aos tremendos pecados da Igreja católica contra nossos ancestrais africanos. Ele sempre viu e nos pregou que as Igrejas, não obstante seus erros, eram portadoras de uma mensagem evangélica que as ultrapassava. E em nome dessa convicção de fé, vivida na esperança pascal, e posta em prática em seu amor pelos mais pobres, Toninho consumiu sua vida até os últimos instantes.

Nestes dias, as igrejas cristãs e, nelas, as comunidades negras de todo o Brasil estão de luto, mas seguem na luta. O coração ecumênico e inter-religioso deste nosso “Patriarca” (era assim que, carinhosamente o chamávamos – mas ele não gostava muito, por receio de que alguém confundisse com patriarcalismo) permanecerá conosco, seus filhos e filhas espirituais, onde quer que passemos”.

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