Edição 320 | 21 Dezembro 2009

Beleza e amor: o legado de Bento XVI para a Igreja contemporânea

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Moisés Sbardelotto | Tradução Moisés Sbardelotto

Para o jornalista e escritor italiano Andrea Tornielli, o Papa atual luta contra o relativismo e a queda da fé católica no continente europeu. E para conviver com o tempo histórico atual, Ratzinger busca mostrar que a fé é o encontro com a beleza, com o amor misericordioso de Deus

“Um ano verdadeiramente terrível”. Essa é a definição de Andrea Tornielli, jornalista especializado em assuntos do Vaticano do jornal italiano Il Giornale, para os fatos que ocorreram na Igreja Católica neste ano de 2009 e que foram manchetes em todo o mundo. Nesta entrevista, concedida por e-mail à IHU On-Line, o jornalista italiano aborda os grandes desafios do papado de Bento XVI à luz de seu principal “inimigo”: “os cristãos que não são testemunhas de sua fé e por isso não tornam presente o amor de Jesus Cristo em cada circunstância de sua vida”.

Para Tornielli, Bento XVI convive com a “sombra” de João Paulo II ao guiar uma Igreja que “quer se confrontar em amizade com todos os homens crentes e não crentes do mundo”, como demonstram suas viagens ao redor do globo. Esse desafio, compara o escritor, é mais fácil do que há 2.000 anos, quando apenas 12 apóstolos “começaram a anunciar em todo o mundo que Jesus Cristo havia ressuscitado”.

Vaticanista do jornal italiano Il Giornale, formou-se em 1964 em Letras Clássicas, com ênfase em história da língua grega, pela Universidade de Pádua, na Itália. Ex-colaborador da revista Il Sabato, atualmente publica artigos na revista católica Il Timone, além de ter um programa mensal na Radio Maria. Também é autor do blog “Sacri Palazzi” (http://blog.ilgiornale.it).

É autor de mais de 30 livros sobre a Igreja Católica contemporânea. Entre suas obras traduzidas para o português estão Pio XII: O Papa dos Judeus (Ed. Civilização, 2002), Os Milagres do Papa Wojtyla (Ed. Paulus, 2006), Bento XVI: O Guardião da Fé (Ed. Record, 2006), e é co-autor, com Alessandro Zangrando, de João Paulo I: O Papa do Sorriso (Ed. Quadrante, 2000). Casado, tem três filhos e vive entre Roma e Milão.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Neste ano, a Igreja de Roma viveu uma série de polêmicas. Exemplo disso são a revogação da excomunhão aos lefebvrianos, os escândalos na Irlanda e dos Legionários, as investigações sobre as religiosas nos EUA, a questão dos anglicanos etc. Qual é sua opinião sobre os caminhos que a Igreja vem tomando nos últimos anos?

Andrea Tornielli – Este ano foi verdadeiramente terrível. Acredito que existem problemas muito sérios e ainda não solucionados de governo na Secretaria de Estado e na Cúria Romana. E também existem problemas não solucionados de comunicação. Os resultados estão diante dos olhos de todo o mundo.

IHU On-Line – Quais são os “sinais dos tempos” que mais inquietam a Igreja institucional hoje? E que outros sinais, também importantes, passam despercebidos? Como a Igreja convive ou poderia conviver com o tempo histórico atual?

Andrea Tornielli – Os “sinais dos tempos” que mais inquietam o Papa Bento XVI são o relativismo e a queda da fé católica no continente europeu. Mas as palavras chave de seu pontificado são beleza e amor. E isso, me parece, passa despercebido. Acredito que, para conviver com o tempo histórico atual, seria necessário apresentar melhor que a fé é o encontro com a beleza, com o amor misericordioso de Deus em seu Filho Jesus Cristo.

IHU On-Line – O senhor escreveu o livro “Santo Subito”, revelando segredos da vida de João Paulo II. A “sombra” de Wojtyla ainda está presente na Igreja hoje? O que Ratzinger herdou de seu antecessor?

Andrea Tornielli – Ratzinger foi o principal colaborador do Papa Wojtyla em todo o pontificado: por isso, seu pontificado está na mesma linha que o de seu antecessor, apesar das diferenças de caráter, de atitude, de formação e de biografia entre os dois. Acredito que a “sombra” de Wojtyla está sempre presente, porque seu longo pontificado mudou o rosto da Igreja no mundo. Do seu antecessor, Bento XVI “herdou” o impulso evangelizador, as viagens em todo o mundo, uma Igreja que, a partir de sua identidade, quer se colocar diante de todos os homens crentes e não crentes do mundo, em amizade.

IHU On-Line – Diversos analistas indicam que o grande embate da Igreja atual, com Bento XVI, é contra o secularismo, batalha manifesta claramente em sua viagem à República Tcheca, em setembro deste ano. Em sua opinião, esse é realmente o inimigo número um da Igreja contemporânea?

Andrea Tornielli – Acredito que o inimigo número um da Igreja hoje são os cristãos que não são testemunhas de sua fé, e por isso não tornam presente o amor de Jesus Cristo em cada circunstância de sua vida: na família, no trabalho, no tempo livro... O secularismo é o ar que todos respiramos: mas a situação não é pior do que a de 2.000 anos atrás, quando os apóstolos – eram só 12 – começaram a anunciar em todo o mundo que Jesus Cristo havia ressuscitado.

IHU On-Line – Roma continua sendo eurocêntrica ao lidar com os problemas mundiais ou aprendeu a escutar as vozes do Sul e do Oriente?
 
Andrea Tornielli –
Acredito que seria preciso aprender a ouvir melhor as vozes do Sul e do Oriente.

IHU On-Line – O conceito de “minoria criativa” também saiu da boca de Bento XVI ao se referir à Igreja com relação a seu futuro. Qual é sua opinião sobre essa perspectiva de Igreja na sociedade contemporânea?

Andrea Tornielli – Penso que esse conceito pode se referir também à situação atual. Parece-me muito interessante, porque apresenta a Igreja não como uma instituição que quer dominar. É uma instituição que quer servir e que sabe que os fiéis que são testemunhas são uma minoria.

IHU On-Line – Outro problema que preocupa a Igreja é a redução de seu quadro de novos sacerdotes. Algumas soluções indicadas, ainda consideradas radicais pelo Vaticano, são a ordenação de homens casados (viri probati), o fim do celibato e a ordenação de mulheres. Como o senhor analisa essa questão?

Andrea Tornielli – Não acredito absolutamente que essas sejam soluções (a última que você indica, a ordenação das mulheres, foi excluída com autoridade pontifícia pelo Papa Wojtyla). Acredito que a solução seja uma maior responsabilização dos leigos crentes em tudo aquilo que não é celebração sacramental que necessite de um sacerdote.

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