Edição 320 | 21 Dezembro 2009

Ecumenismo: desafio para a Igreja

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Patricia Fachin e Moisés Sbardelotto | Tradução Walter Schlupp

Para o teólogo Wolfgang Thönissen, somente em liberdade e sem coação é que se pode pertencer a uma religião e exercê-la

“A Igreja precisa agir de forma ecumênica em todos os níveis; não há como evitar. A preocupação com a restauração da unidade é uma causa da Igreja inteira”, frisou Wolfgang Thönissen, diretor do Johann-Adam-Möhler-Institut für Ökumenik, Alemanha, o mais antigo instituto ecumênico da Europa. Na entrevista que segue, concedida, por e-mail, à IHU On-Line, ele fala da relação da Igreja Católica com outras tradições cristãs e classifica o ecumenismo como “luta pela identidade cristã una da Igreja”. Já o diálogo inter-religioso tem como propósito a “luta pela paz e pela justiça no mundo”.

Thönissen disse ainda que o Concílio Vaticano II desempenha um papel decisivo nas questões ecumênicas. Entretanto, destaca que a proposta feita pela Igreja aos anglicanos “não é um novo caminho do ecumenismo”. E explica: “Trata-se de decisões de fiéis individuais, as quais a Igreja Católica respeita. Ela quer ajudá-los. Mas conversões não são o caminho do ecumenismo. Isto o Concílio Vaticano II deixou claro”. E alfineta: “Estou convicto de que a Igreja Católica e as igrejas ortodoxas, por razões muito distintas, ainda têm um caminho muito longo pela frente. As divisões que se estenderam por um milênio não podem ser superadas em uma única geração”.

Wolfgang Thönissen graduou-se em Teologia pela Bonn University, e Filosofia pela Tübingen University. Também é doutor em Teologia com a tese Das Geschenk der Freiheit. Untersuchungen zum Verhältnis von Dogmatik und Ethik. Entre suas obras, citamos Stichwörter zur Ökumene. Ein kleines Nachschlagewerk zu den Grundbegriffen der Ökumene (Thema Ökumene: Paderborn, 2003); Kirchengemeinschaft möglich? Einheitsverständnis und Einheitskonzepte in der Diskussion (Thema Ökumene: Paderborn, 2001).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual é a concepção de Bento XVI sobre o ecumenismo de um modo geral?

Wolfgang Thönissen - Antes do seu pontificado, nos anos em que foi professor de teologia, Bento XVI se posicionou em várias ocasiões sobre questões ecumênicas. Mais conhecida se tornou sua opinião sobre a questão do primado e sua relação com os ortodoxos, no sentido de que, em termos de primado, não se pode exigir das igrejas ortodoxas mais do que se praticava e ensinava no primeiro milênio. Ao passo que Josef Ratzinger identificava a questão do primado como questão central em relação ao Oriente, na disputa entre o catolicismo e a Reforma,  a questão central era a da tradição e da sucessão apostólica. Ali ele salienta que a proclamação da palavra de Deus precisa estar vinculada a uma forma concreta, isto é, sacramental, do ministério. A palavra de Deus não paira no ar, em termos atualistas, como puro acontecimento; na verdade ela existe como algo que liga e vincula. O ministério não é um acréscimo à palavra de Deus, mas faz parte dela. Este modo de ver foi reforçado por Bento XVI no primeiro encontro com representantes das igrejas da Reforma, por ocasião do Congresso Mundial da Juventude no verão de 2005. Pode-se interpretar isto como uma posição fundamentalmente ecumênica do Papa: ele acata o desafio da Reforma, a primazia suprema da palavra de Deus, mas relaciona esse desafio com a catolicidade da Igreja; a palavra de Deus jamais existe por si só e sem a relação com a Igreja e com o ministério eclesial. É a partir dessa posição, como que partindo de um centro, que o Papa acolhe os problemas ecumênicos.

IHU On-Line - Quais são os principais problemas no diálogo entre católicos e protestantes?

Wolfgang Thönissen - O diálogo com as igrejas oriundas da Reforma já dura décadas e, em termos globais, levou a numerosos resultados de diferentes tipos. A Igreja Católica sustenta um chamado diálogo bilateral, em primeiro lugar, com os anglicanos; depois, com os luteranos, reformados e metodistas. O presidente do Pontifício Conselho, para Promoção da Unidade dos Cristãos , acaba de publicar um livro que reúne os resultados desses diálogos no atual estágio, “Harvesting the Fruits”: numa série de questões que eram controversas até agora, há notável grau de concordância entre essas igrejas e a Igreja Católica. Isto vale para as questões da relação entre escritura e tradição, justificação e santificação, sacramentos do batismo e da eucaristia. Delineiam-se também aproximações na questão do ministério e da natureza da Igreja. Mas nas questões do ministério de três níveis, do ministério episcopal, da sucessão apostólica e do primado, as igrejas não estão se aproximando. O quadro atual é, portanto, bastante variado. É preciso discutir as questões controversas sobre o pano de fundo do que foi alcançado até agora.

IHU On-Line - Os desafios para as igrejas cristãs no futuro não estariam menos no diálogo ecumênico do que no diálogo inter-religioso?

Wolfgang Thönissen - Em primeiro lugar, é preciso distinguir entre o diálogo ecumênico conduzido entre as igrejas e comunhões cristãs, e o diálogo inter-religioso entre as religiões, as cristãs e as não-cristãs. No diálogo ecumênico entre as igrejas e comunhões cristãs, discute-se a identidade cristã, a Igreja una de Jesus Cristo. Aí a questão decisiva é que em cada concretização confessional da Igreja ou comunhão está realizada a Igreja una de Jesus Cristo. Neste ponto, a Igreja católica afirma com toda a clareza que existe apenas uma Igreja, qual seja, a católica, sendo que essa encontra-se em relação e comunhão com outras igrejas e comunhões. Ela mantém uma rede de relações. Portanto, o diálogo ecumênico é a luta pela identidade cristã una da Igreja. O diálogo inter-religioso ocorre em nível totalmente diferente. Aí se trata da luta pela paz e pela justiça no mundo. Qual é a contribuição para a paz no mundo que podem dar as diferentes religiões ? A chamada oração da paz, para a qual o Papa João Paulo II lançou um convite para Assis em 1986, tentou suscitar o diálogo entre as religiões sobre as questões da sobrevivência da humanidade.

IHU On-Line - Quais princípios deveriam orientar o diálogo inter-religioso?

Wolfgang Thönissen - Há uma série de princípios muito importantes para a sobrevivência da humanidade: solidariedade entre os seres humanos, subsidiariedade como percepção da responsabilidade e liberdade de cada indivíduo, paz e justiça entre os povos, opção pelos pobres, o desenvolvimento dos povos em termos de educação, economia e cultura. Uma referência importante, aqui, é a percepção do caráter universal dos direitos humanos, que valem para todos os povos e sociedades e precisam ser reconhecidos por todos os países por igual. Uma função-chave, neste aspecto, está no direito à liberdade religiosa. O grau de liberdade religiosa indica, nos diferentes países do mundo, o grau de liberdade individual concedida às pessoas. Da mesma forma, também as religiões precisam aceitar a liberdade religiosa como direito fundamental, porque somente assim elas poderão promover a paz entre as pessoas, renunciando a toda e qualquer violência contra as pessoas por razões religiosas. Somente em liberdade e sem coação é que se pode pertencer a uma religião e exercê-la.

IHU On-Line - Qual é a importância das decisões do Concílio Vaticano II para o ecumenismo?

Wolfgang Thönissen - O Concílio Vaticano II desempenha um papel decisivo nas questões ecumênicas. O decreto sobre o ecumenismo “Unitatis Redintegratio” de 1964 continua sendo a carta magna dos esforços ecumênicos da Igreja Católica. Nesse concílio, a Igreja Católica tomou a decisão de entrar no diálogo ecumênico. A Igreja precisa agir de forma ecumênica em todos os níveis; não há como evitar. A preocupação com a restauração da unidade é uma causa da Igreja inteira. Para tanto, o concílio estabeleceu uma série de princípios, como: o diálogo deve ser conduzido par cum pare, isto é, entre iguais. O diálogo é sempre uma luta pela verdade da fé cristã. No caso, é preciso reconhecer também uma hierarquia de verdades na doutrina da Igreja. O ecumenismo espiritual é a alma de todo o movimento ecumênico. Trata-se da troca dos dons espirituais. Este legado do concílio é herança da Igreja. O problema principal está ligado à constituição da Igreja Lumen Gentium, n° 8, a saber, que a Igreja una de Jesus Cristo está realizada na Igreja Católica; fora da Igreja Católica, existem elementos e bens da santificação e da verdade que urgem em direção a essa unidade. O subsistit ("está realizado em") precisa ser entendido como uma espécie de cláusula de abertura que permite diálogo com as outras igrejas e comunhões. A questão crucial, no caso, é até que ponto as outras igrejas estão presentes ou não nessa Igreja una e qual a sua relação com a Igreja católica. No futuro, é importante firmar e ampliar as relações entre as igrejas separadas.  Então crescerá a comunhão entre os cristãos.

IHU On-Line - Qual a importância da mais recente encíclica do Papa para o diálogo ecumênico e para o diálogo inter-religioso?

Wolfgang Thönissen - A encíclica Caritas in Veritate detalha o exposto na quarta questão desta entrevista, aí está a sua importância. Ela apresenta uma plataforma para a busca por um humanismo cristão universal.

IHU On-Line - Qual a importância dos passos mais recentes na Igreja católica para o ecumenismo do século XXI?

Wolfgang Thönissen - O diálogo com os representantes da Fraternidade São Pio X certamente se deve a um desejo pessoal de Bento XVI. As conversações com essa fraternidade não serão, por conseqüência, revogadas intuições fundamentais do Concílio Vaticano II como ecumenismo, liberdade religiosa e liberdade litúrgica. A retratação da afirmação da liberdade religiosa teria consequências fatais para a Igreja Católica; a Igreja estaria se retirando da comunidade dos povos deste mundo que justamente defendem os direitos humanos. Recentemente, em 2008, Bento XVI professou claramente os direitos humanos perante a ONU em Nova Iorque.

A proposta feita aos anglicanos não é um novo caminho do ecumenismo. Trata-se de um caminho para aqueles fiéis anglicanos que há muito tempo buscam o caminho para a Igreja Católica. Trata-se de decisões de fiéis individuais, as quais a Igreja Católica respeita. Ela quer ajudá-los. Mas conversões não são o caminho do ecumenismo. Isto o Concílio Vaticano II deixou claro. Já o diálogo com as igrejas ortodoxas tem seu feitio próprio. Estou convicto de que a Igreja Católica e as igrejas ortodoxas, por razões muito distintas, ainda têm um caminho muito longo pela frente. As divisões que se estenderam por um milênio não podem ser superadas em uma única geração.

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