Edição 318 | 07 Dezembro 2009

Tanto a fé quanto a razão são necessárias

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Márcia Junges | Tradução Luís Marcos Sander

Racionalidade e provas científicas são equiparadas por fundamentalistas ateus. A fé precisa ser razoável, e a razão exige fé básica na racionalidade do universo, acentua o teólogo Keith Ward, autor de Deus, um guia para os perplexos

“O fundamentalismo ateu supõe que a ciência forneça toda a verdade existente a respeito do universo. Ele parodia as crenças religiosas e não quer dar ouvidos a argumentos baseados no raciocínio”. A afirmação é do teólogo e filósofo inglês Keith Ward, na breve entrevista exclusiva que concedeu, por e-mail, à IHU On-Line. Segundo ele, há uma equiparação entre racionalidade e descoberta de provas científicas. “O que se faz necessário é uma percepção mais forte da racionalidade presente na arte, música, ética, história e filosofia”. Sobre Deus é um delírio, de Richard Dawkins, Ward diz que, se tivesse lido o seu Deus, um guia para os perplexos (São Paulo: Difel, 2009), não teria escrito um livro “tão tolo”. E arremata: “A fé tem de ser razoável, e a razão exige uma fé básica na racionalidade do universo e na capacidade do pensamento humano de entendê-lo. Tanto a fé quanto a razão são necessárias”.

Ward é graduado pela Universidade de Walles. Estudou, ainda, em Cardiff, Oxford e Cambridge, antes de ser ordenado padre pela Igreja da Inglaterra em 1972. É membro do conselho do Instituto Real de Filosofia da Universidade de Oxford, Inglaterra. É professor visitante das universidades de Drake, Iowa e Tulsa em Oklahoma.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Mesmo tendo sido publicado antes de “Deus é um delírio”, de Richard Dawkins,  o seu “Deus, um guia para os perplexos” seria uma resposta a essa obra? Por quê?

Keith Ward - Meu livro foi publicado em 2002, muito antes de Richard Dawkins escrever o dele. Mas, se ele tivesse lido meu livro, talvez não tivesse escrito um livro tão tolo.

IHU On-Line - Como compreende o fundamentalismo ateu, que tem em Dawkins e Onfray  alguns de seus maiores expoentes em nossos dias?

Keith Ward - O fundamentalismo ateu supõe que a ciência forneça toda a verdade existente a respeito do universo. Ele parodia as crenças religiosas e não quer dar ouvidos a argumentos baseados no raciocínio. É rejeitado pela maioria dos cientistas.

IHU On-Line - O que essa fúria anti-religiosa demonstra sobre a racionalidade contemporânea?

Keith Ward - Ela equipara a racionalidade à descoberta de provas científicas. O que se faz necessário é uma percepção mais forte da racionalidade presente na arte, música, ética, história e filosofia. Nenhuma delas é uma questão de prova científica, mas todas elas podem ser racionais em maior ou menor grau.

IHU On-Line - Qual é a validade de usar argumentos que consideram a religião como manifestação de infantilidade ou projeção antropocêntrica para desqualificá-la?

Keith Ward - Um primeiro teste do discurso racional é ver se ele leva em consideração os mais fortes argumentos dos oponentes com que se defronta, e não os mais fracos. Dawkins não passa nesse teste.

IHU On-Line - Por que a ideia de Deus continua tão fundamental para os seres humanos?

Keith Ward - A maioria dos filósofos pensa que a base última da realidade é espiritual – não-física e de valor supremo. E milhões de pessoas fizeram a experiência de que isto é assim.

IHU On-Line - Qual é a grande ruptura que acontece entre o conceito de Deus no pensamento clássico greco-cristão em relação à modernidade?

Keith Ward - Não penso que haja uma ruptura. Mas as ideias modernas acentuam mais a história, a particularidade e o tempo – como a fé cristã comum com efeito faz.

IHU On-Line - Qual é a peculiaridade do conceito de Deus hegeliano, o Absoluto? Qual é a atualidade desse conceito?

Keith Ward - Falar de Deus como o Absoluto pode ajudar a superar a impressão errônea de que Deus seja uma pessoa “fora” do universo. Deus é, pelo contrário, a base espiritual do universo, e “em Deus vivemos, nos movemos e existimos”, como diz São Paulo.

IHU On-Line - Retomando uma ideia de Wittgenstein,  mencionando que sobre aquilo que não se pode falar, se deve calar, como compreender a experiência do divino na sociedade pós-metafísica, cada vez mais secularizada?

Keith Ward - Deus está de fato além de nossa compreensão plena, mas muitos físicos quânticos falam de uma possível consciência além do espaço-tempo – isto dá alguma ideia de Deus.

IHU On-Line - É preciso racionalizar Deus “entregando-lhe um compasso”, ou fé e razão podem ser conciliadas sem que uma adentre o território da outra?

Keith Ward - A fé tem de ser razoável, e a razão exige uma fé básica na racionalidade do universo e na capacidade do pensamento humano de entendê-lo. Tanto a fé quanto a razão são necessárias.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição