Edição 311 | 19 Outubro 2009

IHU Repórter - Cláudio Gutierrez

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Márcia Junges

Uma pessoa que preserva a convivência familiar, que faz de seus fins de semana momentos para despertar a criatividade, que gosta de música, teatro, cinema e pratica musculação quatro vezes por semana e surfe no verão. Além disso, alguém que cultiva sua fé e acredita no potencial da Unisinos como agente fortalecedor da democracia brasileira. Assim é Cláudio Gutierrez, coordenador do bacharelado em Educação Física da Unisinos e coordenador da formação humanística, do núcleo de Humanismo Social Cristão. Conheça mais sobre esse professor tão multifacetado e rico em experiências na entrevista a seguir.

Origens – Nasci em Porto Alegre. Meus pais eram professores, por isso minha vida sempre foi ligada à escola. Como um dos diretores da Escola IPA, meu pai residia conosco dentro do colégio. Assim, eu era um “interno”. Findo esse período, morávamos perto da instituição. Eu passava o tempo todo na escola, estudando no turno normal e depois envolvido nas atividades extracurriculares, como teatro, música, esportes. Na verdade, até hoje eu não saí da escola. Acredito que venha daí a minha inclinação natural para o magistério.
 
Música - Gostava muito de grupos de esportes, teatro e música. Isso me fez gostar de estar entre jovens, em projetos culturais e esportivos. Na época do Ensino Médio, participei da IX e X Califórnia da Canção Nativa, em Uruguaiana. Entramos no disco e nossa música Romanceiro da Erva Mate foi eleita a mais popular. Sempre gostei de tocar violão. Cheguei a fazê-lo em barzinhos. Na época da graduação, fiquei em dúvida entre me dedicar à música ou à carreira acadêmica. Aí achei que não tinha tanto talento assim para a música, e também já estava gostando de estudar e trabalhar com educação.
 
Família – Meus pais tiveram quatro filhos. Éramos eu, dois irmãos mais velhos e uma irmã mais nova. Todos os domingos, nos reuníamos na casa de meus avós, com tios e primos, e fazíamos a maior festa.  Hoje, meu núcleo familiar também não é pequeno: eu, a Liane Pessin, professora aqui na Unisinos, e três filhas: a Júlia, de 19 anos, a Nicole de 16, e a Carolina, que tem 10 anos. Também tem a Lola, uma cachorrinha maltês. Procuro preservar e curtir os momentos de reunião e convivência familiar. Passamos as férias juntos, gostamos de ir à praia e fazer almoços e jantares com outros amigos e membros de nossas famílias.
 
Igreja – Sou metodista, mas tenho ido pouco à minha paróquia. Cultivo uma vida religiosa doméstica, principalmente com minha filha menor, procurando oferecer-lhe uma formação e vivência religiosa em casa. Gosto de frequentar as missas aqui no campus. Sempre que posso participo das celebrações.
 
– A fé cristã é central na minha vida. Venho de uma família religiosa, tive uma formação forte nesse sentido. Minha primeira experiência como professor foi com a disciplina de religião, no colégio IPA (atual Centro Universitário Metodista IPA). Meu modo de entender o bem e o belo, minhas metáforas, vem do campo semântico do cristianismo.
 
Educação Física e Humanismo – Sou coordenador do bacharelado em Educação Física da Unisinos e coordenador da formação humanística, do núcleo de Humanismo Social Cristão. Como sou graduado em Educação Física, o cargo que ocupo nesse curso foi uma consequência da minha trajetória de professor de Educação Física. Em função da minha experiência nessa área, ajudei a montar o curso na Universidade. O fato de liderar a formação humanística remonta aos tempos em que era vice-diretor do antigo Centro 2. Mais ou menos quando nosso atual reitor, Padre Marcelo Aquino, chegou à Unisinos, foi criado o Núcleo de Humanismo Social Cristão, com um representante de cada centro. Como vice-diretor, eu deveria indicar alguém para ocupar esse cargo. Não resisti e me ofereci como representante. Eu sentia que ali haveria uma grande experiência pela frente. Percorremos toda a Universidade, implantando a Formação Humanística de Orientação Cristã e, paralelamente, fazendo a elaboração institucional da extinção do antigo Básico. Foi um trabalho duro, mas muito gratificante o que realizamos, sob a coordenação prudente do Pe Marcelo e do professor Laurício Neumann. Em janeiro deste ano, a professora Paula Callefi convidou-me para rever, repensar e reformular a formação humanística na Unisinos. Considerei um grande desafio fazê-lo, e uma honra dentro de uma universidade jesuíta. É uma oportunidade de trabalhar sobre temas de grande importância, como a questão da sustentabilidade e a educação das relações étnico-raciais.

Estamos, no momento, junto com os colegas Laércio Pilz e Walmir Pereira, fazendo uma aproximação muito interessante da formação humanística com cada uma das seis áreas da Universidade. Tentamos fortalecer o diálogo entre os eixos de ética, fundamentos antropológicos e realidade latino-americana com os objetos de estudo de cada área. O objetivo final é que nossos alunos percebam o sentido e a pertinência dessas disciplinas junto aos seus cursos, como elemento diferencial que qualifica sua formação. Estamos trabalhando, também, para fortalecer o colegiado de professores da área humanística, construindo um lugar de trabalho profícuo.
 
Cinema, teatro e livros – Preservo os finais de semana para confraternizar com a minha família, para ampliar o leque de leituras, ir ao teatro e ao cinema. Sou sócio do Theatro São Pedro, e gosto de acompanhar as estreias. A última peça que assisti chama-se A cabra, ou quem é Silvia? com José Wilker. Mas o que mais gostei ultimamente foram das incursões do teatro gaúcho na tragédia grega. No cinema, assisti, e recomendo, A onda. Acabo de ler A propósito de Lênin, de Szlávoj Zizék. Gosto também de poesia. O tipo de sociedade que vivemos nos exige um grande grau de especialização. Por isso, penso que os finais de semana e o tempo livre devem ser aproveitados para o desenvolvimento humano, explorando coisas diferentes, expandindo a vida por meio da poesia, da literatura, da música; ir ao teatro, cinema; ler textos para além dos limites do trabalho.
 
Esportes – Pratico musculação de três a quatro vezes por semana. Se eu ficar uma semana sem malhar, me sinto mal. No verão troco a musculação pelo surf, em Garopaba.
 
Formação acadêmica – Sou graduado em Educação Física no IPA, mestre em Educação pela Unisinos e doutor em Ócio e Potencial Humano pela Universidade de Deusto, que fica em Bilbao, na Espanha. É uma universidade jesuíta localizada em frente ao museu Gugenheim. Ali passei dois belos anos e, ao mesmo tempo, duros. Bilbao é pequena, bela e acolhedora; a universidade é centenária e tradicional. A tese foi aprovada cum laude, mas eu sei o desafio e tanto que foi fazer uma tese, lá, e em outro idioma. Lembro desse período como um tempo de muito estudo e esforço. Sou muito grato à pequena comunidade da Unisinos que estava em Bilbao durante meu curso. Principalmente à Rosana Castro, Márcia Viana e seu marido Blasco, que buscavam a Carolina no colégio e cuidavam dela nos tantos dias em que tínhamos atividades na universidade até tarde.
 
Metodistas e jesuítas – Fui muito bem recebido na Unisinos, desde que cheguei, em 1994. O diálogo inter-religioso é algo que efetivamente se desenvolve aqui. A identidade cristã nos diz algo nesse sentido. Há uma grande contribuição do cristianismo para a civilização no rompimento de barreiras e na aproximação de diferentes grupos, na linha do que pregava Paulo de Tarso. O cristianismo foi, em nossa cultura ocidental, um grande instrumento na construção de pontes. O Papa, como sumo pontífice, é um construtor de pontes, vide a etimologia da palavra pontifex. A Unisinos cultiva essa construção de pontes. Isso pode ser visto no grupo de diálogo inter-religioso que temos.
 
Política brasileira – O Brasil avançou muito com o governo Lula em termos sociais. Nosso desafio, contudo, é cultivarmos e fortalecermos a cultura democrática, o que não se faz apenas elegendo um presidente operário. Isso se realiza no dia-a-dia, nos espaços de convivência, nas mais variadas instâncias, na escola, no relacionamento interpessoal nas instituições, como na universidade, por exemplo.
 
Unisinos – Penso que o discurso de sermos uma universidade pública não estatal é extremamente desafiador para todos nós como instituição, e como brasileiros. Nosso país tem uma cultura autoritária muito forte. Para nós, espaço público se confunde com aparelho do Estado. Um é, praticamente, sinônimo do outro. Precisamos ter um estado forte, mas a esfera pública não pode ser sinônima de Instituições Estatais. Precisamos fortalecer a sociedade civil. Por ser uma universidade confessional, cristã, jesuíta, comunitária, a Unisinos pode dar uma contribuição nesse sentido, ajudando no desenvolvimento republicano do Brasil. Isso inaugura um novo jeito de olhar a esfera pública e, ao mesmo tempo, impõe à Unisinos um compromisso com a coisa pública, em se pensar a si própria não apenas como instituição privada, mas também como instituição que tem um compromisso público com o fortalecimento da cultura democrática. Esse é um desafio extremamente interessante que a Unisinos tem pela frente e que pode colaborar com o desenvolvimento republicano e democrático do Brasil. Nesse sentido, o tema da cidadania, com o qual trabalhei no doutorado, é muito interessante. Pois o cidadão é diariamente desafiado a não dicotomizar, mas a articular e integrar racionalidade econômica e projeto político de vida feliz.

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