Edição 308 | 14 Setembro 2009

Comunicação e transdisciplinaridade: interconexões a partir da telenovela

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Andres Kalikoske

Coluna do grupo de pesquisa CEPOS

 

A atividade econômica é fundamental para compreender os processos da telenovela contemporânea.
A abordagem de temas da vida pública e privada garantiu reconhecimento à telenovela. Sua compreensão como produto artístico-cultural, no entanto, carece de uma análise que condicione seus processos econômicos.

Quase 50 anos após seu surgimento na América Latina, a telenovela reforçou a abordagem de temas da vida pública e privada, conquistou visibilidade como produto artístico-cultural e teve papel fundamental no fortalecimento dos oligopólios de comunicação. O elevado número de pesquisas científicas sobre o gênero folhetinesco superou discursos conceituais diminutivos na esfera acadêmica, transformando a popular narrativa em um objeto atraente aos mais diversos campos do conhecimento científico. Esta trajetória transdisciplinar se desenvolveu especialmente a partir de diferentes eixos teórico-metodológicos no âmbito das Ciências da Comunicação, mas com forte presença nos estudos de recepção. No entanto, o caráter singular das abordagens consecutivamente esbarrava na impossibilidade, por parte do pesquisador, de contemplar as múltiplas facetas deste complexo objeto.

No Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia e Sociedade (CEPOS), a análise midiática ocupa posição central, quando não é a própria telenovela que acaba por desencadear os processos de produção, distribuição e consumo. Posta esta lógica, a Economia Política da Comunicação (EPC), reconhecida epistemologia emergente do campo da Comunicação, tem dado conta da questão global dos meios; e mesmo que sua proposta não seja lançar-se em discussões de linguagem e análise de conteúdo, por inúmeras vezes incorpora tais fatores, considerando-os como estratégias de mercado. Em consonância aos tópicos abordados pela EPC, e também a partir das contribuições deste pesquisador, verifica-se que a atividade televisiva se integraliza através de quatro ações fundamentais: produção de conteúdo, que conduz ao preenchimento da grade de programação com produtos atrativos e comercialmente rentáveis; fluxo da programação, através do gerenciamento dos horários dos programas; divisão dos sinais hertzianos, que diz respeito à área de cobertura das redes; e comercialização transnacional, através da venda de produtos aos programadores estrangeiros. É importante ressaltar que o incremento da televisão foi um processo contínuo, impulsionado nos três decênios finais do século XX. Esta expansão deslancha a partir de uma ordem tecnológica que remete ao advento do videoteipe, desenvolvimento da televisão em cores, instauração do satélite e, mais recentemente, advento da TV digital.

Com forte presença na grade de programação das emissoras, a telenovela sempre se configurou como um negócio lucrativo: sua audiência, além de movimentar o mercado publicitário, viabiliza novos negócios aos seus programadores, através de merchandising ou licenciamento de produtos derivados. Em um segundo momento, seu arranjo híbrido possibilita diferentes modos de execução, como co-produção com realizadores independentes, pré-venda a países estrangeiros e joint-ventures com pequenos grupos, que não pertencentes ao rol dos agentes midiáticos notórios.
No que diz respeito à comercialização da telenovela, parte deste pesquisador a classificação de três diferentes modelos. O primeiro, chamado de venda integral, caracteriza a telenovela vendida a um país estrangeiro e exibida integralmente pela emissora adquirente. A veiculação pode ocorrer em seu idioma original ou dublado, e a dinâmica da edição pode ser alterada, atendendo às necessidades estratégicas do comprador. O número de capítulos precisa ser pré-estabelecido (no mercado latino-americano gira em torno de 120); a dublagem e a sonorização são recompostas, o que permite eliminar a fala dos personagens e manter o som ambiente; uma assistência do setor de marketing também é fundamental para que o cliente realize tanto a produção de chamadas quanto a edição de vinhetas e logotipos. O segundo, venda de roteiro, trata-se da realização de uma produção nacional a partir de roteiro estrangeiro, caracteriza-se como um dos mais antigos casos de transnacionalização dos produtos de teleficção. Este procedimento implica em adaptar ou reescrever scripts, ao mesmo tempo em que há uma adequação do produto quanto ao padrão tecno-estético do adquirente. O terceiro e último modelo identificado venda de projeto trata-se dos casos genuínos de transnacionalização, onde a aquisição de um projeto inclui não somente o script da telenovela, mas tudo o que envolve seus feitos artísticos. Desta forma, para um melhor desenvolvimento, o comprador passa a contar com uma consultoria do vendedor. O produto final resulta em um conjunto de elementos semelhantes (vestuário, trilha sonora, cenografia), que também pode agregar características de identificação local da nação adquirente.

Observar bens simbólicos televisivos a partir desta lógica reforça o caráter transdisciplinar das Ciências Sociais Aplicadas. O estudo da telenovela, em específico, ainda carece de extenso trabalho abstrato, para que seja possível alcançar uma ótica global de seus complexos processos. Não obstante, tais interconexões, no âmbito dos estudos em teledramaturgia, não se propõem ao antagonismo ou a promover rupturas epistemológicas, pelo contrário, previnem a estagnação e reforçam a necessidade de aproximação aos objetos mutáveis e dinâmicos, através de diálogo construído em diferentes visões teóricas.

*Andres Kalikoske, mestrando em Ciências da Comunicação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pesquisador do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS), apoiado pela Ford Foundation. E-mail: <Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.>.

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