Edição 306 | 31 Agosto 2009

Pensando a interatividade televisiva: construção de espaços sociais na digitalização

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Ana Maria Rosa

Coluna do grupo de pesquisa CEPOS

Em uma visão da comunicação como bem público, o desenvolvimento dos usos interativos da televisão deve ser uma construção coletiva, abarcando outros agentes e lógicas, permitindo a inclusão sócio-digital.

Entender a interatividade na televisão digital simplesmente como mais um dos tantos processos de migração tecnológica é deixar de compreender a oportunidade social que está por trás desse instrumento. Como se vivencia um modelo de comunicação voltado ao mercado, fica difícil até mesmo imaginar uma comunicação que possa ser feita em proveito da sociedade, sem vinculação com audiências e com o lucro. Apesar disso, é papel de quem está em busca da democratização da comunicação promover ideias e valores que possam transformar os meios e aproximá-los das pessoas.

A interatividade possível em um meio de comunicação pode ser avaliada de diversas formas. O simples uso do controle remoto como forma de acessar os diversos canais disponíveis é considerado interação para alguns. Para outros, deveríamos tratar como interativo apenas um meio que permita colaboração, que convide seus espectadores para fazerem parte de sua construção.

Nesta fase de transição do analógico para o digital, ainda está distante da maioria da população o entendimento sobre o que vem a ser a interatividade na televisão. O que tem sido divulgado também não permite que se imagine realmente que essa possa ser uma proposta contestadora dos padrões de mercado: anuncia-se que, com a interatividade, os telespectadores poderão comprar produtos e serviços através do equipamento televisivo, participar de jogos e enquetes, ou escolher entre uma gama de conteúdos dentro do mesmo canal.

Sim, isso faz parte do que se propõe ao interativo da televisão, mas há outros espaços para pensamento e inovação, com propostas que podem promover uma mudança no próprio modelo de exploração do meio televisivo. Para isso, é preciso também pensar no contexto da própria sociedade.

A cada dia mais, os movimentos sociais se organizam em redes, e isso já acontece desde muito antes da Internet. Quando se vêem excluídos dos espaços hegemônicos, os sujeitos acabam por reunirem-se com outros que estão na mesma condição. Nesse encontro de indivíduos, formam-se grupos identitários, mas, além deles, há uma conformação de movimentos sociais, onde esses grupos identitários se colocam em rede e contribuem entre si, já que percebem diversos pontos de convergência em suas causas.

Essa rede de movimentos sociais soube se apropriar de alguns instrumentos de comunicação: jornais alternativos circulam em diversos espaços e as rádios comunitárias também se apresentam, quando bem utilizadas, em favor das lutas desses grupos. Se hoje se pode dizer que a Internet dá espaço para outras vozes, muito se deve aos grupos que dela se utilizam para dividir opiniões e amarrar suas tramas em rede. E são esses mesmos grupos que podem ajudar na construção de uma rede de televisão interativa.

Uma televisão em rede, nesse caso, é muito diferente do que se entende por rede de emissoras, conforme temos diversos exemplos no mercado brasileiro hoje. Essa rede televisiva seria baseada na tecnologia interativa da televisão, de forma que congregasse em si espaços para divulgação de conteúdos diversos, como os conteúdos que são produzidos pelos movimentos sociais.

Na prática, o telespectador acessaria um grande menu de conteúdos e poderia escolher o que deseja ver. Nesse menu estariam tanto conteúdos hegemônicos quanto contra-hegemônicos – desde a corriqueira novela das 8 até um documentário feito pelos alunos de uma escola da cidade. Os itens para escolha não precisam ser somente audiovisuais – podem ser também sonoros e textuais.

Efetivamente, isso já pode ser feito hoje sem que se tenha a televisão interativa – os conteúdos que circulam via Internet são abrangentes, diversos, tanto vinculados às grandes corporações do mercado de comunicação quanto resultantes de pequenas produções, muitas vezes, até mesmo individuais.

De qualquer forma, é preciso pensar que grande parte da população ainda não tem acesso à rede mundial de computadores e que a televisão é o veículo mais difundido em todo o mundo. Além disso, a convergência entre os diversos meios é inevitável e aproxima cada vez mais os conteúdos e formatos – a televisão seria apenas uma das portas de acesso a esse mundo digital que se está conformando.

Sabe-se que esse é um passo grande e difícil de ser efetivado, mas cabe o pensamento sobre como o digital efetivamente impactaria o social. Em um país como o Brasil, de assimetrias constrangedoras, o próprio Governo Federal tem articulado o uso da interatividade televisiva com propósitos sociais: já foi divulgada a intenção de utilizar aplicativos televisivos para marcação de consultas pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e também para consulta ao sistema de financiamento de imóveis da Caixa Federal.

Seria essa mudança efetiva para que haja mais vozes na comunicação ou os telespectadores continuariam escolhendo a programação que lhes serviu até hoje? Não se sabe ainda, mas, pela postura de alguns integrantes do mercado televisivo, parece que dividir a audiência com essa programação alternativa pode ser perigoso para o atual modelo de negócios de mídia eletrônica.

* Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pós-graduada em Assessoria Lingüística pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UNIRITTER) e participante do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS), apoiado pela Ford Foundation. E-mail: <Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.>.

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