Edição 306 | 31 Agosto 2009

As conexões entre Wallace e Darwin

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Márcia Junges

Cientistas compartilhavam de algumas ideias, mas algumas divergências ainda não foram resolvidas, destaca Charles Smith

“Outros tinham estudado a geografia das espécies animais por muitos anos, mas Wallace é considerado central para seu desenvolvimento porque solidificou o papel da evolução na explicação dessa geografia. Ele também introduziu métodos sistemáticos para o estudo dela e meios para descrever sucintamente as características mais salientes dos padrões de distribuição observados”, disse o cientista Charles Smith na entrevista exclusiva que concedeu, por e-mail, à IHU On-Line.

Ele assinala que os esforços anteriores a Darwin “não tinham conseguido identificar qualquer mecanismo de mudança – ou seja, ‘por que’ as espécies deveriam mudar e como elas faziam isso. Darwin tinha acumulado um conjunto enorme de evidências que incidiam sobre todos os elementos da questão conhecidos na época, e ninguém mais tinha sequer chegado perto de fazer isso”. As ideias serão aprofundadas em sua conferência Alfred Russel Wallace e a noção das causas finais em evolução, que proferirá na noite de 10 de setembro, dentro da programação do IX Simpósio Internacional IHU: Ecos de Darwin. Smith leciona na Western Kentuky University, nos EUA, e é especialista em Wallace, teoria da evolução e história da ciência. Graduado em geologia pela Wesleyan University, mestre em geografia pela Universidade de Indiana, e doutor em geografia pela Universidade de Illinois, escreveu Natural Selection and Beyond: The Intellectual Legacy of Alfred Russel Wallace (Oxford: Oxford University Press, 2008).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O que é a noção das causas finais em evolução, de Wallace?

Charles Smith - Wallace acreditava que havia forças mais remotas atuantes na evolução do que aquelas das quais estamos plenamente conscientes. No início de sua carreira, aparentemente ele as concebia como tendo uma origem ambiental ou cósmica, e, embora mais tarde nunca pareça ter abandonado essa ideia, ele acrescentou a ela uma crença (incluindo crenças espiritualistas, mas sem se limitar a elas) de que existiam seres não físicos (“espíritos”, “anjos” etc.) que serviam à evolução, ajudando sutilmente a modificar nossos comportamentos através de sonhos e outros contatos desses. Sua abordagem neste tocante, embora seja decididamente não materialista, difere das abordagens criacionistas ou baseadas no design inteligente por sustentar firmemente a ideia de que todos esses processos ocorrem de acordo com a “lei natural”, de que só existe a natureza baseada em leis e de que não há algo assim como “Causas Primeiras” no sentido de intervenções divinas arbitrárias.

IHU On-Line - Qual é a proximidade dessa ideia com as teorias de Darwin?

Charles Smith - Em termos gerais, Wallace apoiava a maioria das ideias de Darwin a respeito de como a seleção natural levou à produção de novas espécies ao longo do tempo, mas, ao contrário de Darwin, ele não acreditava que a consciência fosse o produto específico da evolução biológica do cérebro. Wallace acreditava, antes, que a consciência fosse algo separado da biologia, só sendo “juntada a ela” depois de uma estrutura biológica suficientemente complexa para recebê-la ter evoluído. Eles discordavam em várias outras questões, algumas das quais não estão plenamente resolvidas ainda.

IHU On-Line - Poderia nos dar detalhes sobre a publicação simultânea dos trabalhos de Darwin e Wallace na Linnean Society of London? O que motivou essa iniciativa?

Charles Smith - Wallace topou com a ideia de seleção natural enquanto estava no campo, na Indonésia, durante um surto de doença. Ele estava ciente do interesse de Darwin pela “questão das espécies”; assim, depois de escrever um ensaio sobre o assunto, enviou-o a Darwin, na esperança de que este o repassasse ao geólogo Charles Lyell para que este, por sua vez, o comentasse. Ele não disse nada a respeito de publicação. Darwin pediu conselhos sobre a questão a seus amigos Lyell e Joseph Hooker, botânico, que o atenderam sugerindo que o ensaio de Wallace e dois textos inéditos de Darwin sobre a seleção natural fossem lidos na reunião seguinte da Linnean Society, o que aconteceu em julho de 1858. Wallace não foi consultado. É patente que Darwin não queria perder a prioridade no assunto, que vinha estudando há 20 anos mas sobre o qual não tinha publicado ainda. A solução que Lyell e Hooker encontraram era razoavelmente justa, mas forçou a publicação do texto de Wallace sem o consentimento deste, um ato que, sob quase todas as circunstâncias, seria considerado inapropriado.

IHU On-Line - Por que Wallace é considerado o primeiro a propor uma “geografia” das espécies animais?

Charles Smith - Outros tinham estudado a geografia das espécies animais por muitos anos, mas Wallace é considerado central para seu desenvolvimento porque solidificou o papel da evolução na explicação dessa geografia. Ele também introduziu métodos sistemáticos para o estudo dela e meios para descrever sucintamente as características mais salientes dos padrões de distribuição observados.

IHU On-Line - Qual foi a principal novidade trazida em A origem das espécies?

Charles Smith - Eu diria que é o uso do conceito de seleção natural para explicar tanto por que a adaptação era importante e funcional quanto a maneira como as espécies podiam mudar ao longo de extensos períodos de tempo, inclusive mudar para formas inteiramente novas.

IHU On-Line - Quais são as diferenças dessa obra em relação às anteriores que tratam sobre evolução?

Charles Smith - Os esforços anteriores não tinham conseguido identificar qualquer mecanismo de mudança – ou seja, “por que” as espécies deveriam mudar e como elas faziam isso. Darwin tinha acumulado um conjunto enorme de evidências que incidiam sobre todos os elementos da questão conhecidos na época, e ninguém mais tinha sequer chegado perto de fazer isso.

IHU On-Line - Até que ponto o conceito de bifurcação ajuda a explicar as variações das espécies segundo a teoria da evolução? Essa aproximação é uma hipótese plausível?

Charles Smith - Suponho que por “bifurcação” você se refira às divergências das linhagens de espécies ao longo do tempo através de um processo de “cisão populacional”. Esta é uma questão muito ampla, mas há ao menos duas linhas destacadas de evidências que apontam para a divergência e suas implicações para avaliar relações anteriores entre populações. A primeira é a “lei” de Wallace, de 1855, de que a combinação dos padrões geográficos, então atuais, e do registro fóssil atesta claramente que houve um processo de “bifurcação” de espécies ao longo do tempo e do espaço. A outra é o registro do DNA, que, através de seu grau de semelhança de espécie para espécie, atesta com igual clareza que houve um padrão “em forma de árvore” de divergências de espécies ao longo do tempo.

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