Edição 306 | 31 Agosto 2009

O pensamento biogeográfico em tempos darwinianos

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Márcia Junges

Pesquisador Gervásio Silva Carvalho aponta erro de Darwin quando considera, sem muita discussão, “a questão da fixidez dos continentes”. Wallace, contemporâneo de Darwin, valeu-se da teoria evolucionária para analisar endemismos e regiões biogeográficas, afirma.

Para o pesquisador Gervásio da Silva Carvalho, “em termos biogeográficos, Darwin cometeu um erro em considerar, sem muita discussão, a questão da fixidez dos continentes, pois uma coisa é pensar a distribuição dos organismos em uma Terra fixa, outra é pensar em uma Terra em movimento”. A afirmação faz parte da entrevista a seguir, concedida, por e-mail, à IHU On-Line. Ele explica que Wallace, contemporâneo de Darwin, utilizou a teoria evolucionária para explicar endemismos e regiões biogeográficas. E completa: “Wallace compartilhava com as ideias darwinianas e estabelecia rotas de dispersão comuns, pontes oceânicas, para explicar eventos espetaculares de dispersão massiva”.

Graduado em História Natural, é especialista em Ciências Biológicas, Zoologia, e mestre em Biociências pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Doutorou-se pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, com a tese Revisão e análise cladística e de gêneros de cercopídeos neotropicais. Carvalho é professor no departamento de pós-graduação em Biociências da PUCRS. Em 11 de setembro, proferirá a conferência O pensamento biogeográfico em tempos darwinianos dentro da programação do IX Simpósio Internacional IHU: Ecos de Darwin.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Em que consistia o pensamento biogeográfico nos tempos darwinianos?

Gervásio Silva Carvalho - Em tempos darwinianos (século XIX), a biogeografia, em princípio, seguia as ideias de Linnaeus  (1709-1778) e de Buffon  (1707-1788), isto é, os animais e as plantas surgiram em uma pequena área ou centro de criação e moviam-se, dispersando-se por outras áreas próprias à sua sobrevivência (Teoria do Centro de Origem / Dispersão). Darwin e Wallace seguiram essa ideia no tocante à distribuição dos seres vivos, embora contemporâneos e amigos, como DeCandolle  (1778-1841) e Sclater  (1829-1913), em seus escritos começassem a pôr em dúvida essa explicação única para a distribuição. DeCandolle afirmava que a dispersão explicava somente uma parte da distribuição, e Sclater previa as possíveis inter-relações entre as áreas.

IHU On-Line - De que forma as ideias de Wallace, considerado o “pai da biogeografia” influenciaram Darwin e/ou convergiram com suas pesquisas?

Gervásio Silva Carvalho - Wallace, contemporâneo de Darwin, utilizou a teoria evolucionária para explicar endemismos e regiões biogeográficas. Ele acreditava que, através da seleção natural, espécies dominantes de plantas e animais que ocorriam em pequenos centros de origem se dispersavam e se diversificavam na procura de outras áreas. Wallace compartilhava com as ideias darwinianas e estabelecia rotas de dispersão comuns, pontes oceânicas, para explicar eventos espetaculares de dispersão massiva. As explicações de Wallace estão baseadas na teoria que as maiores características geográficas da Terra, como os continentes e os oceanos, tenham sido sempre estáveis, durante a evolução e a dispersão dos seres vivos.

IHU On-Line - Como Darwin e Wallace continuam influenciando essa ciência atualmente?

Gervásio Silva Carvalho - O fato de Darwin e Wallace terem aceitado a visão prevalente de que a geografia era estável, inevitavelmente forçou-os a explicar padrões de disjunção de distribuição como sendo resultado de dispersão através de barreiras existentes (oceanos, desertos, cadeia de montanhas). Os princípios fundamentais do programa dispersionista diziam que a história das regiões consiste em grandes integrações de biotas  de procedência diversa ou a substituição de uma biota dominante por outra; e, para tanto, a origem das espécies que formam as biotas se localizam em uns poucos, se não um só, centros de origem. Para Darwin e Wallace, os centros de origem se localizaram possivelmente na Eurásia, por ser uma região de instabilidade ambiental, com área de distribuição maior, o que favorecia a formação de espécies ou linhagens dominantes. A biogeografia de Darwin-Wallace caracterizou-se por um endurecimento teórico, devido principalmente à autoridade dos dois, e também da adoção de uma teoria que aparentemente explicava tudo (Centro de Origem-Dispersão). Os neodarwinistas, como Matthew (1915), Simpson  (1940 e 1965), Mayr  (1946) e Darlington  (1957), não discutiram a teoria e aceitaram plenamente esse único modelo explicativo para a distribuição.

IHU On-Line - Qual é a importância do legado darwiniano para a ciência do século XXI?

Gervásio Silva Carvalho - Seu legado para a ciência foi obviamente de extrema importância, pois Darwin foi um exemplar observador e descrevia minuciosamente suas observações. Ele viveu na época certa das discussões sobre origem e evolução dos seres vivos. Seus escritos eficientes e sua principal teoria nos deixaram ideias para prosseguir, tanto que até hoje são objetos de discussões e novas interpretações. É desse “combustível” que a ciência necessita para evoluir (mudar suas hipóteses).

IHU On-Line - Até que ponto o conceito de bifurcação ajuda a explicar as variações das espécies segundo a Teoria da Evolução? Essa aproximação é uma hipótese plausível?

Gervásio Silva Carvalho - A ideia de árvore da vida sempre atraiu a atenção dos pensadores (até no Jardim do Édem tinha uma árvore – a macieira). Muito antes do advento da evolução, já havia o reconhecimento de que a diversidade de seres vivos pode ser organizada de forma hierárquica, como um vasto sistema de grupos dentro de grupos. Para Darwin, essa hierarquia certamente significava algo, mas não relacionado à criação divina, e sim ao processo de diversificação e ramificação da vida – resultado do processo evolutivo. A alegoria da árvore serve muito bem a ideia contrária às multicriações divinas. Imediatamente ele identificou uma tremenda concordância entre os padrões de classificações dos seres vivos e a evolução: os padrões eram o resultado da história evolutiva. Aliás, a importância dos padrões filogenéticos para sua teoria era tamanha que um diagrama filogenético é a única ilustração do Origem das espécies.

IHU On-Line - Em março deste ano, pesquisadores norte-americanos mapearam no cérebro as áreas ativadas quando se pensa em Deus. Como você compreende descobertas como essas tendo em vista o debate fé e ciência?

Gervásio Silva Carvalho - Provavelmente haja distintas reações e áreas específicas no cérebro quando se pensa ou se fala acerca de algum conteúdo. Não seria diferente quando se pensa em Deus. Minhas convicções acerca da relação fé é ciência segue o pensamento de Gould  (1999) em que ele distingue dois Magistérios não-interferentes (MNI), isto é, o Magistério da Fé e o Magistério da Ciência. Cada um tem os seus princípios e estes não são conflitantes, então não existe necessidade de buscar uma síntese entre elas.

IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?

Gervásio Silva Carvalho - Gostaria de acrescentar que, em termos biogeográficos, Darwin cometeu um erro em considerar, sem muita discussão, a questão da fixidez dos continentes, pois uma coisa é pensar a distribuição dos organismos em uma Terra fixa, outra é pensar em uma Terra em movimento. Além do mais, Darwin com sua autoridade, não pensou nem discutiu as ideias de seus contemporâneos, tais como DeCandolle e Sclater e de seus antecessores, como Buffon, que já defendia a hipótese que os continentes da América do Sul e África eram unidos.

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