Edição 306 | 31 Agosto 2009

“Sem a evolução cósmica não haveria evolução biológica”

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Márcia Junges

Cientista jesuíta William Stoeger explica formação do universo e das espécies, além de avaliar conexões entre Teoria da Evolução, Teoria Geral dos Sistemas e autocausação.

Mesmo que Darwin não estivesse consciente da evolução cósmica, que foi entendida e conhecida na metade do século passado, o cientista jesuíta William Stoeger assegura que sem uma evolução cósmica, não poderia haver evolução biológica. “O universo começou muito simplesmente como uma configuração quente e plana, sem uma química que fosse realmente digna de menção. Ele se tornou gradativamente muito mais complexo – com estrelas, galáxias e conjuntos de galáxias se formando em grande escala, e os 92 elementos químicos naturais sendo sintetizados em escala nuclear e atômica. Mais tarde, estes últimos se combinaram para formar moléculas de todas as espécies”. Na entrevista a seguir, exclusiva, concedida, por e-mail, à IHU On-Line, Stoeger analisa, ainda, as possíveis conexões entre a Teoria Geral dos Sistemas, de Bertalanffy, o conceito de autocausação e a Teoria da Evolução.

Stoeger é cientista do Grupo de Pesquisas do Observatório do Vaticano (VORG) e especialista em Cosmologia Teórica, Astrofísica de altas energias e estudos interdisciplinares relacionados com a ciência, a filosofia e a teologia. É doutor em Astrofísica pela Universidade de Cambridge desde 1979. Entre 1976 e 1979, foi pesquisador associado ao grupo de física gravitacional teórica da Universidade de Maryland, em College Park, Maryland. É membro da Sociedade Americana de Física, de Astronomia e da Sociedade Internacional de Relatividade Geral e Gravitação. Atualmente, leciona na Universidade do Arizona e na Universidade de São Francisco. É também membro do Conselho do Centro de Teologia e Ciências Naturais (CTNS). Entre outros, publicou As Leis da Natureza - Conhecimento humano e ação divina (São Paulo: Paulinas, 2002). Na noite de 11 de setembro, dentro da programação do IX Simpósio Internacional IHU: Ecos de Darwin, Stoeger proferirá a conferência Da evolução cósmica à evolução biológica. Emergência, relacionalidade e finalidade.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - A partir da perspectiva da Teoria da Evolução de Darwin, que relações o senhor estabeleceria entre evolução cósmica e evolução biológica?

William Stoeger - Darwin não estava de modo algum consciente da evolução cósmica – isto é algo que só se tornou conhecido e foi entendido em meados do século XX. Assim, não há conexão direta entre a teoria de Darwin e a evolução cósmica. Não há realmente uma seleção natural darwiniana implicada na evolução cósmica. Entretanto, há mudança! O universo começou muito simplesmente como uma configuração quente e plana, sem uma química que fosse realmente digna de menção. Ele se tornou gradativamente muito mais complexo – com estrelas, galáxias e conjuntos de galáxias se formando em grande escala, e os 92 elementos químicos naturais sendo sintetizados em escala nuclear e atômica. Mais tarde, estes últimos se combinaram para formar moléculas de todas as espécies. Assim, a evolução cósmica produz os componentes, bem como os locais mais frescos quimicamente ricos e as fontes de energia, necessários para o surgimento da vida e o funcionamento da evolução biológica. Sem a evolução cósmica não haveria evolução biológica.

IHU On-Line - Como a emergência, a relacionalidade e finalidade se interligam nessas evoluções?

William Stoeger - Tanto a emergência quanto a relacionalidade são pressupostas pela evolução darwiniana, embora Darwin e outros que se seguiram imediatamente a ele não tenham se dado plenamente conta disso. Para que ocorra a evolução biológica através da seleção natural, pressupõem-se toda a física e a química, bem como as capacidades auto-organizadoras que fluem desses aspectos fundamentais da natureza. Elas implicam, em cada nível, relações importantes que possibilitam que sistemas novos e mais complexos surjam a partir de sistemas mais fundamentais. Assim, a emergência também está automaticamente implicada. E, embora não haja uma finalidade consciente implicada nesses casos, uma direcionalidade básica e uma teleologia funcional emergem efetivamente – cada componente num sistema, organismo ou rede complexo cumpre uma certa função ou “finalidade” dentro daquele sistema – o que possibilita que o sistema prospere. É por isso que aquele componente particular está lá!

IHU On-Line - É correto afirmar que a Teoria da Evolução coloca em cheque a noção de causalidade linear aristotélica? Por quê? O que essa nova causalidade demonstra a respeito do surgimento da vida?

William Stoeger - Certamente, uma causalidade eficiente estritamente linear está longe de ser adequada para descrever o comportamento de qualquer espécie de sistema complexo e, a fortiori, para descrever o comportamento dos organismos e sua evolução. Mas as noções de causalidade de Aristóteles  eram muito mais cuidadosas do que simplesmente a causalidade eficiente linear. Ele também enfatizou vigorosamente as causalidades material, formal e final. E embora nossa modelagem da causalidade em sistemas complexos e na biologia vá muito além dessas categorias aristotélicas simples – em particular, tornando-as muito mais dinâmicas e dando-nos conta dos intricados circuitos causais e do feedback existentes em tais sistemas (em que não podemos distinguir com facilidade entre causas e efeitos) –, há causas formais e finais aristotélicas implicadas em sistemas biológicos. Sempre que houver uma rede de relações, por exemplo, haverá causa formal.

IHU On-Line – É possível estabelecer relações entre as descobertas de Darwin e a Teoria Geral dos Sistemas, de Bertalanffy?

William Stoeger - Depois de a Teoria Geral dos Sistemas (TGS) se tornar conhecida, ela foi levada em conta, até certo ponto, pela biologia, mas nunca teve realmente uma grande influência na biologia evolutiva, embora algumas pessoas tenham feito uso dela. Recentemente, porém, desdobramentos muito mais sofisticados – que poderiam ser considerados sucessores da TGS –, a teoria de sistemas dinâmicos e a física de sistemas complexos e de redes – estão sendo cada vez mais usados na biologia evolutiva e na genética molecular.

IHU On-Line - Tomando isso em consideração, é possível relacionar a autocausação com a Teoria da Evolução de Darwin? Por quê?

William Stoeger - Eu não diria que há qualquer autocausação ocorrendo na evolução biológica. O desenvolvimento evolutivo de um organismo implica muitos fatores causais externos e internos que agem em consonância uns com os outros. Suponho que os fatores causais internos possam ser considerados “causa sui” – há dinamismos interiores em cada sistema e cada organismo. Mas esses dinamismos dependem substancialmente de outras causas e constrições causais para conseguir seu sustento, sua eficácia e seu foco. Além disso, tenho certeza de que influências neoplatônicas não tiveram grande importância no sentido de influenciar nossa compreensão da evolução biológica. A teoria básica da evolução biológica introduzida por Darwin é muito relevante atualmente! Ela realmente proporciona – só que junto com a genética – o fundamento de nossa compreensão de biologia. Isto inclui a descendência com modificação de organismos, a percepção de que todos os organismos têm ancestrais comuns, o processo chave da seleção natural, que opera sobre variações dentro de cada organismo etc.

Leia mais...

>> William Stoeger já concedeu outra entrevista à IHU On-Line. O material está disponível na nossa página eletrônica do IHU.
Entrevista:

* Astrofísica, cosmologia e a busca de Deus no universo. Publicada nas Notícias do Dia 26-06-2006.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição