Edição 304 | 17 Agosto 2009

O dogma da responsabilidade

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Patricia Fachin

Segundo o desembargador do Rio Grande do Sul, Aramis Nassif, políticas públicas para resolver o problema da segurança pública devem buscar soluções para fortalecer o controle informal da disciplina social

Ao avaliar a segurança pública gaúcha e nacional, o desembargador do Rio Grande do Sul, Aramis Nassif, frisa que “o que se faz com eficiência é o uso do medo e da insegurança para ocultar a deficiência de políticas públicas que alimentem e permitam o controle informal (...), que possa levar a uma concepção axiológica da convivência social”. Em entrevista concedida, por e-mail, para a IHU On-Line, Nassif esclarece que no imaginário popular há confusão no que se refere à responsabilidade sobre a segurança pública. Como é encarregado de decidir sobre o rumo das ações penais e é considerado “o afluente dos problemas criminais”, o Poder Judiciário é entendido por alguns cidadãos como o responsável pela segurança pública, explica. 

Nassif estará na Unisinos, na segunda-feira, 24-08-2009, participando do evento IHU em Movimento, realizado em parceria com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU e com a Unidade de Ciências Jurídicas da universidade. O encontro tem como tema O Poder Judiciário e a segurança Pública; o dogma da responsabilidade, e está marcada para as 20h, no Auditório Maurício Berni, na Unisinos.

Aramis Nassif possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo (UPF) e mestrado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Além de desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, é docente da Escola Superior da Magistratura Ajuris, do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Entre seus livros, citamos Direito penal e processual penal: Uma abordagem crítica (Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002); Sentença Penal: o desvendar de Themis (Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005) e O novo Júri brasileiro (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como o dogma da responsabilidade pela segurança pública se manifesta no judiciário brasileiro? Ele de fato não exerce nenhuma responsabilidade nesse sentido?

Aramis Nassif – Efetivamente, a responsabilidade pela segurança pública é inerente às atividades do Poder Executivo. O comprometimento do Judiciário com ela pode conduzir à parcialidade e falta de isenção, que conduz, por exemplo, às prisões cautelares em excesso e algumas delas desnecessárias, quase sempre com o pretexto de garantia de ordem pública, clamor social etc.
A responsabilidade do Poder Judiciário, como contribuinte à pacificação social assolada pela violência, tem relação com a prestação jurisdicional racionalmente célere e eficiente, nem sempre possível de alcançar pelas mazelas já conhecidas.

IHU On-Line - A ideia de segurança pública presente no imaginário social está mais associada ao Poder Judiciário ou ao Poder Executivo? Por quê?

Aramis Nassif – Ao Poder Judiciário, porque ele é o afluente dos problemas criminais – como dos sociais – manifestado em procedimentos formais. Assim, instaurado o inquérito e, depois, formado o processo, é encaminhado ao Judiciário para julgamento. Ele tem a última palavra e, como referiste, no imaginário popular o poder de castigar.

Mas, mesmo antes do processo judicial já pode ocorrer a intervenção judicial: é o Poder que pode prender (cautelar e definitivamente). A informação dessa possibilidade alcança a sociedade em geral de maneira tal que pensa que o Poder Judiciário é tutor de seus interesses, quando, em verdade, mais o é do cidadão, na proteção dos seus direitos fundamentais.

IHU On-Line - Para o senhor, a punição tem mais valor para a sociedade do que o investimento em políticas públicas que possam garantir a segurança pública? Por que há essa distorção?  Isso está relacionado de alguma maneira com o funcionamento do Poder Executivo e do Judiciário?

Aramis Nassif – Porque é mais barato punir. Basta a sentença penal, uma prisão cautelar. Devemos lembrar que os demais poderes entendem que o Poder Judiciário opera em sincronia com os interesses políticos da cada um deles. Por isso mesmo, a inflação de leis penais, o agravamento de penas pelo Poder Legislativo que são sancionadas sem pestanejar pelo Poder Executivo. Enquanto isso, punindo, nesse mesmo imaginário, estar-se-ia diante de solução para a violência. Só que os presídios estão lotados, e a criminalidade não diminui.

IHU On-Line - Que ações devem compor uma política de segurança pública que de fato tenha efeitos sociais?

Aramis Nassif – O problema é que tem sido tomadas providências através de ações que não resultam em solução eficaz para a problemática da violência e, daí, da segurança.
O que se faz com eficiência é o uso do medo e da insegurança para ocultar a deficiência de políticas públicas que alimentem e permitam o controle informal (na estrutura que chamo de primária e decisiva, composta pela família e educação, e, na secundária, composta pelo emprego ou oportunidade de sobrevivência com dignidade), que possa levar a uma concepção axiológica da convivência social. Distante desse controle dissemina-se a cultura da violência, alimentada pela indiferença da sociedade e do Estado ao grave problema social que está na origem da maioria dos crimes violentos. Daí vem o pensamento da sociedade de que o controle formal (Direito Penal) pode dar a resposta para encaminhar o restabelecimento da harmonia no seio da sociedade. Alimente-se isso com o discurso punitivo e temos varrido para debaixo do tapete a realidade de tudo isso.
Acredito que apenas uma política social agressiva – no bom sentido – no ponto inicial da formação daquele que pode tornar-se delinquente pelo abandono e a indiferença é a solução, agora, a ser alcançada em longo prazo.

IHU On-Line - Quais são os maiores problemas da Segurança Pública gaúcha e nacional? Como analisa as políticas desenvolvidas nesse sentido?

Aramis Nassif – O maior problema, diante da realidade estabelecida, é a ineficiência das medidas preventivas da criminalidade, o baixo salário das polícias, que alimenta perversamente a corrupção, a disseminação incontrolável de tóxicos (especialmente o crack) e do tráfico de armas.
Mas de nada vai adiantar sem buscar-se a solução para fortalecer o controle informal da disciplina social. Não consigo perceber a busca política de soluções que não seja aquela estabelecida em um discurso repressivo e punitivista.

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