Edição 303 | 10 Agosto 2009

Pandemias serão frequentes no mundo globalizado

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Patricia Fachin

Para enfrentar uma pandemia é fundamental a existência de um sistema vigilância sanitária com base jurídica e um sistema de saúde universal, aconselha Sueli Dallari, doutora em Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP)

As pandemias são consequência do mundo globalizado e elas vieram para ficar, assegura Sueli Dallari, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, ao repercutir a disseminação da Gripe H1N1. Segundo a pesquisadora da USP, “diversas vezes ocorreram pandemias, mas em muitos casos não tivemos a declaração oficial, porque havia interesse político para que isso não fosse declarado”. De acordo com ela, o atual Regulamento Sanitário Internacional, elaborado em 2005 pelos 193 Estados membros da Organização Mundial da Saúde (OMS), “define os graus de pandemias de maneira menos política”, o que facilita a caracterização das doenças. 

Para tentar controlar a proliferação de doenças e micro-organismos, que tendem a aumentar nos próximos anos, Sueli Dallari diz que é preciso criar um sistema de vigilância com base material e jurídica e integrada. Ela explica: “Se um laboratório descobrir determinado vírus diferente, ele tem a obrigação de divulgar a informação. Esses novos dados nos permitem saber quando pode surgir uma nova epidemia”. Além disso, assegura, os países precisam pensar em leis para disciplinar como tratar novos casos de pandemias. “Os sistemas de vigilância devem ter normas jurídicas que permitam, por exemplo, fechar estabelecimentos comerciais”.

Sueli Dallari possui mestrado e doutorado em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em Direito Médico pela Université de Paris XII, França e em Saúde Pública pela Columbia University, EUA. Foi professora convidada da Columbia University, da Université de Nantes e da Université de Paris X. Participou da fundação do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário e foi coordenadora científica do Núcleo de Pesquisas em Direito Sanitário da USP.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Por que as pandemias vieram para ficar? A que a senhora atribui o proliferamento de algumas doenças?

Sueli Dallari – A definição de pandemia ficou bastante clara a partir da publicação do novo Regulamento Sanitário Internacional de 2005,  que apresenta uma grande modificação em relação ao Regulamento Sanitário anterior. Ele define os graus de evolução das pandemias de maneira mais técnica e menos política, ou seja, ficou mais fácil e freqüente caracterizar as pandemias a partir disso.
Diversas vezes, ocorreram pandemias, mas em muitos casos não tivemos a declaração oficial, porque havia interesse político para que isso não fosse declarado. A globalização é outro aspecto que nos dá certeza de que as pandemias vieram para ficar. Nunca tivemos a intensidade de relações globais como hoje. Isso faz com que também os micro-organismos trafeguem com mais facilidade.

IHU On-Line – Além da globalização, essas pandemias são decorrentes de um mundo sem controle?

Sueli Dallari – Não diria isso. As pandemias são decorrência da vida, ou seja, vamos estabelecendo mais relações uns com os outros, e a proliferação de doenças se torna inevitável. 
Quando nos relacionamos com outras pessoas, trocamos bens e mercadorias, estamos sujeitos a trocar também micro-organismos e vivenciar casos como esse da Gripe A (H1N1).

IHU On-Line - Pandemias como a gripe H1N1 podem ser previstas e evitadas? Como?

Sueli Dallari – Essa é uma resposta difícil. Temo dizer que epidemias apenas podem ser previstas; hoje existem bons métodos epidemiológicos com os quais podemos supor, com boa margem de segurança, que haverá uma epidemia. Podemos tomar algumas medidas para tentar contê-las, mas garantir a eficácia é complicado. Também tenho receio em afirmar que não teremos mais pandemias se adotarmos medidas de cuidados. Temos de nos prevenir para evitar a proliferação, mas não acredito que conseguiremos evitá-las.

Prevenção mundial

Quando falo em tomar cuidado, penso que o mais importante é os países desenvolverem sistemas de vigilância em saúde muito bem estruturados, para que a informação circule com rapidez. Para termos qualquer possibilidade de controlar a expansão de uma doença, precisamos saber que ela existe. Então, a notícia de qualquer sinal precursor de um novo vírus precisa ser divulgada.

No Brasil, existem bons sistemas de vigilância, mas não temos um único sistema que consiga reunir todos os dados, como acontece nos países mais desenvolvidos. Eles, inclusive, estão criando agências de vigilância sanitária. O acontecimento de 11 de setembro de 2001 facilitou a evidência dessa necessidade.

Precisamos também que esse sistema de vigilância tenha uma base legal, isto é, se um laboratório descobrir determinado vírus diferente, ele tem a obrigação de divulgar a informação. Esses novos dados nos permitem saber quando pode surgir uma nova epidemia.

Os sistemas de vigilância devem ter uma construção legal, que preveja os mecanismos necessários para, por exemplo, fechar um estabelecimento comercial em decorrência da ameaça de contágio de doenças. É preciso que exista uma previsão, escrita na lei, para dar maior segurança às pessoas e aos gestores de saúde quanto ao modo de proceder diante das epidemias.

Os epidemiologistas que estão tratando da gripe A no Brasil, são bem formados e estão trabalhando do modo correto, mas, sem dúvida alguma, é hora de começarmos a pensar numa disciplina legal para tratar esses casos. Não sei se as próximas epidemias serão tão fáceis de administrar; talvez elas impliquem fechar fronteiras e outras ações que terão repercussão econômica. 
 
IHU On-Line - É possível estabelecer uma estrutura de segurança sanitária no mundo globalizado? Que aspectos legais são necessários para tal medida?

Sueli Dallari – O Regulamento Sanitário Internacional de 2005 representa essa regulamentação universal. O mundo pensou e fez um regulamento muito bem feito. O que falta é uma medida interna no Brasil. A declaração dessa pandemia foi feita de acordo com o Regulamento Sanitário vigente, como o mundo concordou que deveria ser. 

IHU On-Line - O que as pandemias revelam sobre os sistemas de saúde pública dos países em desenvolvimento e sobre a Organização Mundial da Saúde (OMS)?

Sueli Dallari – Parece-me muito mais fácil imaginar que será nos países que têm o sistema de saúde mais frágil, onde as pessoas demoram mais para receber atendimento eficiente, que as epidemias serão mortais. É claro que, em alguns casos, a doença é fulminante. Nessa hipótese, mesmo que o serviço seja muito rápido, pessoas vão morrer devido à gravidade do caso.

Comportamento da OMS  

O comportamento da OMS foi pífio em relação ao tratamento da gripe A. Essa é uma das pouquíssimas organizações internacionais que têm poder normativo, ou seja, ela decide as normas da saúde. Além de ter muita força, a OMS foi criada para ajudar os países a diminuir as ameaças de riscos para a saúde de seu povo. No caso específico da Gripe A (H1N1), a opção da OMS foi ruim, porque ela disse que a maneira de enfrentar essa epidemia era tratá-la com um antiviral. Ora, ela sabe que só existe um laboratório produzindo esse medicamento no mundo, que nunca terá condições de atender a demanda. Se ela está convencida de que essa é a única solução, deveria, imediatamente, ter quebrado a patente para que o medicamento fosse produzido no mundo inteiro.

IHU On-Line - De que maneira o Direito Sanitário pode atuar como instrumentos de proteção à saúde? Ele pode evitar uma pandemia?

Sueli Dallari – Talvez o Direito Sanitário não possa evitar uma pandemia. Ele pode, contudo, ajudar a construir um sistema jurídico de vigilância à saúde para essas hipóteses de pandemia. Esse é um assunto fundamental para tratar o que vem por ai.

IHU On-Line - Como mídia e governos podem ajudar a enfrentar a pandemia sem alarmismo e sem incorrer em omissão?

Sueli Dallari – As medidas adotadas no Brasil são muito adequadas. Acho que o país não está alarmado. O governo está trabalhando com segurança e evitando assustar as pessoas. Não consigo imaginar uma atitude mais prudente do que essa.

IHU On-Line - Hoje as pessoas sentem mais medo em relação às doenças do que no passado? Com o desenvolvimento tecnológico que existe atualmente, isso representa um paradoxo?

Sueli Dallari – Não sei se poderíamos combater a gripe tão rapidamente. Mesmo no Hemisfério Norte, onde se tem acesso mais fácil à saúde como no Canadá, na Inglaterra, morreram pessoas com A (H1N1). Existem situações em que o Estado não pode fazer nada ou quase nada. Dependendo da virulência do agente, não é possível conseguir impedir mortes. No Brasil, por exemplo, nosso sistema de saúde melhorou muito nos últimos 20 anos, mas muitas pessoas não conseguem obter um atendimento médico eficaz. No contexto do que se tem, o Brasil está agindo da melhor forma possível. Hoje, não estamos sofrendo de falta de medicamento, por exemplo, pois ele foi comprado da Roche quando houve a ameaça da gripe aviária.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição