Edição 302 | 03 Agosto 2009

“Não são as pessoas que trazem benefícios para a instituição, mas as ideias”

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Graziela Wolfart

Sob a perspectiva do Unafisco Sindical, Lúcio Esteves afirma que o órgão entendia que Lina Vieira e sua equipe estavam fazendo um bom trabalho na Receita Federal, por isso sua demissão provocou revolta

Ainda repercutindo a exoneração da ex-secretária da Receita Federal, Lina Vieira, a IHU On-Line entrevistou por telefone o presidente da Delegacia Sindical de Brasília do Unafisco Sindical, Lúcio Flávio Arantes Esteves. O Unafisco é o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil. Para Lúcio Esteves, várias medidas tomadas por Lina Vieira melhoraram o desempenho da Receita Federal, avanços esses que “trariam benefícios para a sociedade brasileira e o estado brasileiro”. “E nós esperamos que”, continua ele, “quem quer que assuma o órgão, não retroceda com relação a essas políticas”. Ao reafirmar a força da atuação do Unafisco quanto aos protestos pela saída de Lina Vieira, Esteves reconhece que “os sindicatos estão sendo massacrados pela crise econômica, de tal forma, que eles têm encontrado grande dificuldade de reação, porque o poder de barganha está se reduzindo muito com o aumento do desemprego e a redução do salário”. 

Lúcio Flávio Arantes Esteves é economista formado pela Universidade Federal do Paraná e auditor fiscal da Receita Federal do Brasil, lotado na Delegacia da Receita Federal de Brasília.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Do ponto de vista do Unafisco, o que representa a demissão de Lina Vieira da Receita Federal?

Lúcio Esteves – A Receita Federal, quando estava sendo dirigida pela doutora Lina Vieira, acabou realizando importantes modificações do ponto de vista da administração, no sentido, a nosso ver, que caminhava para uma maior eficiência do órgão. Entre as iniciativas que ela já tinha tomado, por exemplo, estava uma política de melhorar o atendimento ao contribuinte. Como funcionário do órgão (porque, além de dirigente sindical, eu tenho meu trabalho na Receita), e por meio dos contatos com os colegas de trabalho, sabíamos que estava em desenvolvimento esse projeto para melhorar o atendimento ao contribuinte. Outra iniciativa foi no sentido de abrir possibilidades (e foi isso efetivamente o que ocorreu) para que os servidores fizessem sugestões de melhorias quanto a determinados procedimentos na Receita. Em virtude disso, várias medidas foram tomadas. Uma delas foi permitir que o contribuinte pudesse acessar a internet e verificar determinados dados tributários com relação à sua própria declaração. Outra medida que estava sendo tomada era no tocante à ocupação dos cargos de confiança dentro da Receita. Antigamente, como acontece na maioria dos órgãos públicos, os cargos de confiança eram designados por conhecimento pessoal. E isso acontecia na Receita. Agora existe um projeto diferente, em que há uma disponibilização para o público interno de determinada vaga ou função de confiança. As pessoas se candidatam e é feito um processo de seleção. Isso, para mim, foi um grande avanço, porque democratiza o acesso dos colegas aos cargos de chefia e torna o órgão mais eficiente, na medida em que o processo de seleção é amplo. Escolhem-se as melhores pessoas não por amizade, mas por competência técnica.

A doutora Lina Vieira tinha uma preocupação muito grande com a parte gerencial da Receita, a fim de criar também um ambiente mais confortável para os servidores, não no que concerne ao mobiliário, mas no sentido dos relacionamentos, da valorização do servidor, ao reconhecer que ele tem capacidade para oferecer sugestões para a administração do órgão. No que diz respeito a esses avanços que estavam sendo feitos na Receita Federal, que trariam benefícios para a sociedade brasileira e o estado brasileiro, tudo o que ela fez foi muito importante. E nós esperamos que, quem quer que assuma o órgão, não retroceda com relação a essas políticas.

IHU On-Line – O que motivou a grande reação dos superintendentes da Receita Federal em protesto à saída de Lina Vieira? O que isso significa, considerando que a maioria dos servidores da Receita Federal é sindicalizada?

Lúcio Esteves – Essa pergunta é interessante, porque isso tem sido veiculado na imprensa e raramente nos é dada a oportunidade para falar sobre o assunto. Ao que se tem notícia, a cada dez superintendentes, sete vêm do movimento sindical, mas preciso fazer uma ponderação sobre isso. Nós, Unafisco, não indicamos a doutora Lina e nenhum dirigente do órgão. E falo isso com o aval dos meus colegas. Nosso sindicato é muito forte e muito organizado. O que houve foi o seguinte: a doutora Lina assumiu o poder e convidou algumas pessoas que ela entendia que eram capacitadas para ocupar as funções de confiança. Algumas dessas pessoas tinham ocupado cargos de direção sindical, outras não. Mas a maioria tinha alguma participação em eventos do sindicato. Por consequência, estavam expostos dentro da carreira. Isso permite acreditar que essas pessoas possuem capacidade para desenvolver qualquer capacidade técnica. E esses técnicos foram chamados pela doutora Lina em número razoável e tinham uma comunhão de ideias sobre como dirigir a instituição. Imagino que ela chamou essas pessoas por causa disso.

Eu entendo que a manifestação dos superintendes tenha sido absolutamente natural, comum em qualquer grupo recém-ingressado em uma administração. Foi o líder desse grupo de trabalho que idealizou todas as transformações, que imaginou as iniciativas, ou que apoiou as sugestões dadas pelo grupo. É natural que essas pessoas se revoltem ao ver o seu líder injustiçado e retirado da posição. Elas sentem que não faz mais sentido estarem ali. Mas isso nada tem a ver com o sindicato, que não se reuniu com esses superintendes. Nós não nos envolvemos com questões administrativas.

IHU On-Line – Considerando que hoje vivemos no Brasil uma crise do movimento sindical, que novidade aparece na ação do Unafisco relativamente a esse episódio, lembrando o apoio das delegacias sindicais do Unafisco de todo o Brasil? 

Lúcio Esteves – A Delegacia Sindical de Brasília foi a primeira a manifestar-se sobre o acontecido, inclusive antes mesmo do Unafisco Nacional. Nós mandamos um comunicado internamente, abordando essa demissão da Lina. Houve um processo antidemocrático e meio estalinista até, o que é conhecido na política brasileira como “fritura” de determinada pessoa que ocupa um cargo. Esse é um método desprezível e inaceitável em uma sociedade democrática. O ministro tem todo o direito de escolher quem ele quiser para dirigir um órgão da esfera do ministério dele, mas essa liberdade de escolha está subordinada ao interesse público. Não há nenhuma razão para se denegrir a imagem de um servidor público da maior respeitabilidade só porque o ministro quer substituir essa pessoa. Esse processo deve ser combatido pela sociedade brasileira em qualquer nível.

Nesse processo de “fritura”, a imprensa noticiou vários motivos para a substituição de Lina Vieira. Um deles é a queda na arrecadação. E esse é um motivo absurdo, porque a queda só se deu pela redução da demanda, devido à crise global e em virtude das exonerações do governo para recuperar a economia brasileira. A segunda razão mencionada é que ela teria autorizado uma fiscalização na Petrobrás em virtude de um procedimento da empresa que seria incompatível com as normas tributárias. As regras servem para todas as empresas, sejam elas públicas, colonialistas ou privadas. E a Receita Federal é uma instituição de estado, não de governo. Ela não tem que olhar para o proprietário da empresa, mas para a sua contabilidade. Ela não obedece a direções de governos, embora contribua com políticas públicas que sejam do interesse da sociedade. Nós entendíamos que Lina Vieira e sua equipe estavam fazendo um bom trabalho no órgão, por isso esse problema nos revoltou.

IHU On-Line – Mas voltando à atuação sindical, o Unafisco pode ser apontado como um modelo nesse sentido, em função da força que tem demonstrado?

Lúcio Esteves – Se o Unafisco é um modelo de sindicato eu não posso responder, porque não acredito que esteja sendo criado um modelo aqui. Imagino que qualquer sindicato agiria da mesma forma. O interessante nesse processo é que não foi um movimento orquestrado, mas independente, de cada setor dos sindicatos. Sabemos que mundialmente, com a crise, a atuação sindical está adormecida. Antigamente, uma situação dessas seguramente teria mobilizado os sindicatos de todas as categorias de trabalhadores. Percebemos agora que as organizações não governamentais têm crescido muito e ocupado um espaço político enorme na crítica, no pensamento e nas reivindicações com relação às organizações governamentais. Não vejo que há sindicatos participando desse processo. Vemos que a crise econômica tem massacrado os sindicatos de tal forma que eles têm encontrado grande dificuldade de reação, porque o poder de barganha está se reduzindo muito com o aumento do desemprego e a redução do salário. Aqui no Unafisco, passamos por um processo de discussão sobre a melhor forma de fazer as reivindicações, se é de maneira negociada ou de confronto, como é tradicional.    

IHU On-Line – Procede a informação de que Lina Vieira era próxima dos sindicalistas e tinha até uma postura “antiempresa”?

Lúcio Esteves – Não posso responder por ela, nem a conheço o suficiente para isso. Ela era muito próxima do sindicato, mas isso não quer dizer nada, pois o sindicato não é contra a empresa. Temos várias correntes aqui e não há uma unidade de pensamento ideológico no nosso sindicato. Pelo contrário, ele é muito diversificado. E é por isso que ele tem crescido, se fortalecido e é muito representativo, talvez o mais representativo dos sindicatos nacionais.

IHU On-Line – Qual a expectativa do Unafisco em relação à pessoa que ocupará o cargo de Lina Vieira? 

Lúcio Esteves – Nós não temos nada a ver com isso. Sentimentalmente, nós não pensamos em nenhuma pessoa específica. O que deve ser pensado nesse momento é em filosofias de trabalho, políticas amplas e projetos. Não há nada que não possa ser corrigido. Se, por um acaso, o planejamento não resulta como se esperava, fazem-se as correções de rumo. O importante é saber aonde se quer chegar e, se o caminho estiver desviando-se de seus objetivos, é preciso abrir outro e retornar para o rumo. O conjunto de pessoas que está hoje na Receita Federal, com a direção interina, está no caminho trilhado por Lina Vieira, e isso é importante para nós. Nós não vetamos ninguém, pois não são as pessoas que trazem benefícios para a instituição, mas as ideias.

Leia mais...

Sobre o tema da demissão de Lina Vieira da Receita Federal, leia a entrevista com Guilherme Delgado, publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU, em 25-07-2009, sob o título Anistia fiscal permanente: um ato de corrupção.

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