Edição 300 | 13 Julho 2009

Nos passos de Darwin

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Márcia Junges

Uma trama ardilosa para desacreditar A origem das espécies foi criada logo após seu lançamento. Nélio Bizzo analisa essas invectivas e conta como foi percorrer trechos do mesmo caminho trilhado por Darwin nos Andes, em 1835, e pesquisar em seu arquivo pessoal

Percorrendo alguns trechos do caminho feito por Charles Darwin a bordo do Beagle, o biólogo Nélio Bizzo, docente na Universidade de São Paulo (USP), confessa o seu deslumbramento com os Andes, verdadeira “vitrine do passado geológico da Terra”. Assim como Darwin, Bizzo não conseguiu dormir na noite em que encontrou o Bosque Petreficado de Villavicencio: “Um bosque em meio a um deserto! O que não deveria ter mudado a Terra para preparar aquele cenário tão incomum? E quanto tempo isso deveria requerer?”, pergunta-se na entrevista que concedeu, com exclusividade, por e-mail, à IHU On-Line. Ele analisa, ainda, os eventos que se seguiram a novembro de 1859, quando do lançamento de A origem das espécies. Em sua opinião, ocorreu uma “trama ardilosa para desacreditar Darwin diante do grande público”. As duas críticas sofridas por sua obra são tema constante da correspondência pessoal do cientista britânico: “Uma delas se referia ao tempo geológico e a outra se referia a uma hipótese sobre a evolução de certo grupo de vertebrados aquáticos”. Sobre esse tema Bizzo palestrará em 10-09-2009, no IX Simpósio Internacional IHU: Ecos de Darwin, com o título Duas críticas que mudaram o livro de Darwin: o dilema do tempo geológico.

Graduado e mestre em Ciências Biológicas pela USP, cursou doutorado em Educação na mesma instituição. É pós-doutor pela Universidade de Leeds, Inglaterra, e livre-docente pela USP, com a tese Meninos do Brasil: Idéias de Reprodução, Eugenia e Cidadania na Escola. Escreveu Ciências: fácil ou difícil? (2. ed. São Paulo: Ática, 2000) e Charles Darwin, do telhado dos Andes à Teoria da Evolução (São Paulo: Editora Odysseus, 2002). Foi pesquisador do Manuscripts Room da Universidade de Cambridge, onde foi credenciado para pesquisar os manuscritos e a biblioteca pessoal de Charles Darwin. Entre março e abril de 2002, fez a travessia de Santiago (Chile) a Mendoza (Argentina), pelo Paso de los Libertadores, nos Andes, mesma trilha percorrida por Charles Darwin entre março e abril de 1835, a bordo do Beagle.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O que é o dilema do tempo geológico?

Nélio Bizzo - Trata-se de uma referência a um artigo clássico publicado há alguns anos (Burchfield, J.D, "Darwin and the Dilemma of Geological Time," Isis, 1974, 64: 301-321.) no qual o historiador Joe Burchfield discutiu o assunto que tirou o sono de Darwin em seus últimos anos de vida. Darwin ficou inconformado com a acidez das críticas que seu livro Origem das Espécies recebeu e ficou francamente contrariado com elas. Uma das críticas se referia ao tempo geológico e à concepção de tempo profundo que ele expressou de maneira explícita em seu livro. Sem dúvida alguma, Lord Kelvin  era o maior opositor de Darwin, e pregava uma matemática relativamente simples para calcular o tempo necessário para o esfriamento da Terra. No entanto, havia marcas evidentes de geleiras na geologia mais acessível ao grande público, o que configurava claramente um problema para seu opositor. Enfim, havia um dilema aí.

IHU On-Line - E quais foram as duas críticas que mudaram o livro de Darwin?

Nélio Bizzo - Os eventos que se seguiram a novembro de 1859 mostram claramente uma trama ardilosa para desacreditar Charles Darwin diante do grande público. Duas críticas são citadas de maneira reiterada na correspondência pessoal de Darwin. Uma delas se referia ao tempo geológico e a outra se referia a uma hipótese sobre a evolução de certo grupo de vertebrados aquáticos. Darwin teve o mérito de apresentar um raciocínio transparente e inequívoco ao apresentar estimativas e hipóteses de maneira clara e que, dessa forma, as sujeitava a críticas. No entanto, elas se apresentaram muito exageradas, e ele decidiu fazer um recuo tático, sob meu ponto de vista, calculando meticulosamente a maneira pela qual o público poderia ser influenciado positivamente. Isso o levou a modificar a nova edição de Origem das Espécies, mesmo se sua correspondência pessoal demonstra que ele não tinha ficado convencido da propriedade (e mesmo da “sinceridade”) de algumas críticas.

IHU On-Line - Quais foram os aspectos mais significativos de ter participado da investigação dos arquivos de Darwin, no Manuscripts Room da Universidade de Cambridge?

Nélio Bizzo - Para mim foi uma sensação inesquecível, a começar pelo fato de eu ter recebido uma bolsa de estudos de uma entidade norte-americana, que queria ver o dinheiro gasto nos Estados Unidos. Foram-me oferecidas diversas possibilidades de trabalho com fac-símiles etc., mas relutei diante de um entendimento muito particular do que seja uma fonte primária. Não considero fontes primárias as fotografias que você pode ter acesso na internet, pelo menos em absoluta igualdade com o manuseio da própria fonte. Aliás, conversei sobre isso com um grande historiador que admiro muito, Peter Bowler,  que também compartilha essa ideia. É fundamental ter acesso às fontes históricas sem a intermediação que se vale de seleção e interpretação do que é importante e do que não é. Ao mesmo tempo, senti um peso muito grande da responsabilidade de lidar com material tão particular e pessoal. Era como mexer no armário de alguém que estava para chegar...

IHU On-Line - O que destacaria de sua viagem pela mesma trilha percorrida pelo Beagle?

Nélio Bizzo - Percorri alguns dos trechos que Darwin percorreu e fiquei deslumbrado com os Andes. Eles são uma vitrine do passado geológico da Terra. Ler suas cartas ao mesmo tempo em que via o que seus olhos tinham acabado de ver, me fez conferir um significado mais profundo às suas expressões que denotam algum excesso. Eu também não consegui dormir direito na noite do dia em que encontramos o Bosque Petrificado de Villavicencio! Um bosque em meio a um deserto! O que não deveria ter mudado a Terra para preparar aquele cenário tão incomum? E quanto tempo isso deveria requerer? São perguntas que não se pode deixar de fazer ao contemplar aquela imagem.

IHU On-Line - Quais são as principais ideias que traz em Darwin: do telhado das Américas à teoria da evolução?

Nélio Bizzo - O livro sai agora em segunda edição com título simplificado para Darwin no Telhado dos Andes, e com dois capítulos novos. O primeiro trata do percurso mental de Darwin para construir sua teoria e de sua forma inovadora de pensar a evolução biológica. Mas o outro capítulo novo se relaciona com sua namorada e a pergunta invariável que me fazem ao término de uma palestra. É quase impossível que deixem de me perguntar sobre Fanny Owen e seu paradeiro. Eu explico com detalhes e já adianto uma novidade: uma das primeiras coisas que Darwin fez ao chegar de volta à Inglaterra foi mandar flores para ela... em seu castelo! Ela estava grávida de seu terceiro filho com o “conde de Chirk”, como o chamava (jocosamente) o pai de Darwin. O Dr Robert Darwin, aliás, era o médico que cuidava da jovem mãe em seu castelo.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição