Edição 300 | 13 Julho 2009

“A ciência não significa, necessariamente, ateísmo”

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Márcia Junges | Tradução Luís Marcos Sander

Embora seja a posição metafísica mais sensata quando bem compreendido, o ateísmo não é prerrogativa da ciência, sinaliza o geneticista e biólogo Massimo Pigliucci. A teoria da evolução é tão impactante quanto a revolução copernicana

Para o geneticista e biólogo Massimo Pigliucci, professor emérito da Universidade Estadual de Nova York, ciência e ateísmo não precisam andar de mãos dadas. Ele reconhece que a ciência não pode explicar tudo, já que é um “empreendimento humano e, como tal, é limitada pelas capacidades humanas”. Demonstra, ainda, incompreensão quanto à ideia de que a ciência deva explicar questões de fé: “A fé é, por definição, uma crença que se tem independentemente de ou apesar das provas; portanto, o que há a ser explicado?” Por outro lado, acentua que “o ateísmo é a posição metafísica mais sensata se for entendido corretamente. Um ateísta é (ou deveria ser) alguém que não sustenta ter conhecimento positivo do fato de que deuses não existem. É impossível provar um negativo metafísico”, disse na entrevista exclusiva que concedeu, por e-mail, à IHU On-Line. Questionado sobre a maior contribuição de Darwin à ciência, Pigliucci mencionou a seleção natural, através da qual “o aparente projeto existente na natureza pode ser explicado em termos naturais”. Essa teoria ainda controvertida teve o mesmo impacto que a teoria copernicana, que “tirou a humanidade do centro do universo”.

Escreveu, entre outros, Denying evolution: creationism, scientism and the nature of science (Sunderland: Sinauer Associates, 2002), Phenotypic integration (Oxford: Oxford Press, 2003) e Making sense of evolution: the conceptual foundations of evolutionary biology (Chicago: Chicago Press, 2006).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - A ciência significa, necessariamente, ateísmo? Por quê?

Massimo Pigliucci - Não, a ciência não significa necessariamente ateísmo. É claro que uma cosmovisão ateísta é consistente com a ciência, mas a ciência em si tem a ver com a investigação de processos naturais, de modo que ela não pode refutar (nem provar, no que diz respeito ao assunto) a existência do sobrenatural.

IHU On-Line - Em que sentido o ateísmo é uma posição metafísica admissível?

Massimo Pigliucci - Penso que o ateísmo é a posição metafísica mais sensata se for entendido corretamente. Um ateísta é (ou deveria ser) alguém que não sustenta ter conhecimento positivo do fato de que deuses não existem. É impossível provar um negativo metafísico. Mas o a-teísmo significa simplesmente não ter uma crença positiva em deuses porque não há prova ou razão para adotar tal crença. Neste sentido, sou ateísta da mesma forma como sou a-unicornista: não creio em unicórnios não porque eu saiba com certeza que eles não existem, mas porque penso não haver razão para nutrir essa noção seriamente.

IHU On-Line - A ciência pode explicar tudo, ou há questões de fé que não são passíveis de racionalização?

Massimo Pigliucci - Não, é claro que a ciência não pode explicar tudo. A ciência é um empreendimento humano e, como tal, é limitada pelas capacidades humanas. Entretanto, não consigo compreender a idéia de explicar questões de fé. A fé é, por definição, uma crença que se tem independentemente de ou apesar das provas; portanto, o que há a ser explicado? O que seria considerado uma explicação baseada na fé?

IHU On-Line - Ainda persiste o embate entre o desígnio inteligente, o acaso e a evolução como explicações para a origem da vida. O senhor poderia explicar qual é sua posição?

Massimo Pigliucci - Em primeiro lugar, a evolução, ao contrário da crença popular, não é uma questão de acaso. A seleção natural não é um processo aleatório (os organismos que têm a aptidão mais elevada, e não uma amostra aleatória de organismos, sobrevivem e se reproduzem). Em segundo lugar, a evolução não tem a ver com a origem da vida. A questão da origem da vida é de natureza biofísica e bioquímica; a evolução começou depois da origem da vida. Por fim, considero as guerras entre evolução e criação uma questão de compreensão pública errônea da ciência (e de manipulação intencional por parte de algumas autoridades religiosas), e não uma controvérsia científica real; a maioria esmagadora dos cientistas competentes tem aceito a evolução desde o século XIX, mas aparentemente o resto da sociedade está precisando de bastante tempo para chegar lá.

IHU On-Line - Como as teorias de Darwin repercutem na sociedade atual?

Massimo Pigliucci - Há muitas aplicações das ideias de Darwin fora dos limites comuns da teoria evolutiva. Por exemplo, os médicos estão começando a aplicar princípios evolutivos para entender como as doenças se originam e se disseminam; há estudos evolutivos que visam a entender como os seres humanos se tornaram animais morais; e há até, bastante ironicamente, estudos evolutivos da origem e disseminação da crença religiosa.

IHU On-Line - Quais são as maiores contribuições de Darwin para a ciência?

Massimo Pigliucci - A maior contribuição de Darwin para a ciência é ter descoberto um mecanismo, a seleção natural, pelo qual o aparente projeto existente na natureza pode ser explicado em termos naturais. Como se pode ver, ela ainda é uma ideia controvertida, semelhante, em termos de impacto, à teoria copernicana que tirou a humanidade do centro do universo.

IHU On-Line - Qual é o contexto histórico e científico no qual surge A origem das espécies?

Massimo Pigliucci - Há muitos livros bons dedicados à história das ideias darwinianas. Basicamente, entretanto, Darwin descobriu o princípio da seleção natural durante sua viagem como naturalista a bordo do HMS Beagle, e, de modo independente, Alfred Russel Wallace fez a mesma descoberta durante suas próprias expedições na Indonésia. Historicamente, esse foi um momento de grande progresso científico, ocasionado, em parte, pelo fato de que a ciência estava finalmente se tornando uma disciplina própria, separada da filosofia. A Sociedade Linneana, por exemplo, para a qual Darwin e Wallace apresentaram seu artigo conjunto sobre a seleção natural em 1858, tinha sido estabelecida somente 70 anos antes. Ela ainda é uma das principais sociedades científicas do mundo.

IHU On-Line - O que já foi superado e o que continua atual em sua obra A origem das espécies?

Massimo Pigliucci - Como sempre acontece na ciência, as teorias mudam e ideias aperfeiçoadas são propostas para que a comunidade científica as considere e explore. Nós não falamos de “newtonismo” hoje em dia, e também não deveríamos falar de “darwinismo”. As ideias centrais de Darwin – a seleção natural e a descendência comum de todos os organismos da terra – ainda são válidas, mas, por exemplo, muitos biólogos atualmente pensam que a chamada “árvore da vida” (i. e., o padrão ramificante de descendência com modificação imaginado por Darwin) se parece muito mais com uma rede complexa, porque os organismos de diferentes espécies intercambiam material genético. E é claro que Darwin não conhecia o DNA, a genomia e todas as outras descobertas maravilhosas que a biologia fez ao longo do século 20. Os pesquisadores, inclusive eu, estão trabalhando para esboçar uma versão nova e aperfeiçoada da teoria evolutiva, que chamamos de Síntese Ampliada (para distingui-la da chamada Síntese Moderna da década de 1940, que era, ela própria, uma atualização da teoria de Darwin). No início do próximo ano, a editora do Massachusetts Institute of Technology (MIT Press) vai publicar uma coletânea de ensaios dedicados a ela. Mas as percepções cruciais que Darwin teve sobre a evolução da vida continuam sendo válidas hoje em dia e fazem dele um dos mais importantes cientistas que houve.

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