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Márcia Junges
Por um lado, “um sentimento de angústia avassalador, ocasionado pela falta de referências e declínio de uma estrutura de interdição”, por outro, “os ideais contemporâneos que levam o sujeito à tentativa de suprimir qualquer vestígio de angústia que advenha do seu existir”. Esse é o paradoxo ao qual o sujeito está submetido em nossos dias, observa a psicanalista Margareth Kuhn Martta na entrevista que concedeu, por e-mail, à IHU On-Line. Os efeitos de cada um desses polos têm na violência, provavelmente, sua concretização. “O discurso dominante que faz laço social na contemporaneidade convoca o sujeito a consumir, a gozar, a não adiar; a norma está no desafio, no abuso, na transgressão”, assinala. A particularidade da violência atual é a gratuidade, cujos gestos parecem não ser movidos por motivo ou sentido. Martta constata: “Esse tipo de violência faz pensar na ideia do ato violento como testemunha da falência do simbólico na vida do ser humano”. Para ela, “a violência é um sintoma social na contemporaneidade”.
Graduada em Psicologia, pela Universidade Santa Úrsula (USU), no Rio de Janeiro, é especialista em Psicologia Psicopatologia e Técnicas Terapêuticas, pelo Centro de Estudos de Atendimento e Pesquisa da Infância e Adolescência (CEAPIA), em Porto Alegre. Também possui especialização em Psicologia Clínica, pelo Conselho Regional de Psicologia (CRP), também na capital gaúcha. É mestre em Filosofia, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com a dissertação Violência e angústia: uma perspectiva de compreensão das interações no contexto contemporâneo, e doutora em Educação, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Docente na Universidade de Caxias do Sul (UCS), é autora de Violência e angústia (Caxias do Sul: EDUCS, 2004).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual é a relação entre violência e angústia?
Margareth Kuhn Martta - A contemporaneidade revela uma dupla face nesta interrelação, ou seja, um paradoxo, que se mostra, por um lado, como um sentimento de angústia avassalador, ocasionado pela falta de referências e declínio de uma estrutura de interdição. E, por outro lado, os ideais contemporâneos que levam o sujeito à tentativa de suprimir qualquer vestígio de angústia que advenha do seu existir. Os efeitos decorrentes tanto de uma face como de outra têm como consequência provável a violência.
IHU On-Line - Esse binômio é constitutivo do sujeito pós-moderno? Por quê?
Margareth Kuhn Martta - Porque cada época da cultura constrói subjetividades diferentes. O discurso dominante que faz laço social na contemporaneidade convoca o sujeito a consumir, a gozar, a não adiar; a norma está no desafio, no abuso, na transgressão.
IHU On-Line - Por que a publicidade perde seu objetivo e dá origem a uma legião de deprimidos e delinqüentes?
Margareth Kuhn Martta - Essa ideia é de Toscani, no seu livro A publicidade é um cadáver que nos sorri. Ele afirma que, de tanto querer nos vender a felicidade, a publicidade acaba criando uma legião de frustrados. De tanto provocar desejos que derivam em decepções, a publicidade perde o objetivo e dá origem a deprimidos e delinquentes.
IHU On-Line - Em que medida esse mal-estar é sintomático da crise da modernidade?
Margareth Kuhn Martta – Freud, no seu texto de 1930 O mal-estar na cultura, diz que o mal-estar é gerado por uma instância que possibilita ao homem o reconhecimento de um limite, uma finitude. Penso que o mal-estar na contemporaneidade origina-se justamente da tentativa de tentar aboli-lo, pois os ideais contemporâneos tendem ao não reconhecimento do limite, da interdição.
IHU On-Line - A violência é fundante em nossa cultura? Por quê?
Margareth Kuhn Martta - Penso que a violência é um sintoma social na contemporaneidade. O sintoma social expressa a manifestação de algo que a ordem social não consegue incluir. A sociedade oferece um lugar para aquilo que a cultura não é capaz de simbolizar, e que vai emergir em ato, como modo do real se impor. Então, no laço social, o sintoma seria aquilo que o saber ainda não deu conta e insiste em se manifestar marcando época.
IHU On-Line - Como a falsa ideia de infinitude, a desvalorização da subjetividade e a falta de interdição colaboram para sedimentar essa violência?
Margareth Kuhn Martta – Porque, para a construção de uma subjetividade que tenha como fruição uma conduta eticamente aceitável, é necessário que o sujeito reconheça seus limites, aceitando o que é inerente ao ser humano: a falta. Assim, poderá assumir uma posição simbólica e interagir com o outro de modo ético.
IHU On-Line - Por que a violência contemporânea é diferente daquelas outras que até hoje se apresentaram?
Margareth Kuhn Martta - Temos presenciado na contemporaneidade cenas de violência que trazem consigo certa particularidade: são atos de violência que se definem como gratuitos, são aparentemente sem motivo e sem sentido. Esse tipo de violência faz pensar na ideia do ato violento como testemunha da falência do simbólico na vida do ser humano.
IHU On-Line - De que forma o delírio de autonomia se apresenta na constituição dos jovens de nossa época?
Margareth Kuhn Martta - Quando o grupo se torna mais importante que a hierarquia familiar,o que vem dos pais não tem valor simbólico; as interdições tomam a autoridade como manifestação de violência. Consequentemente, a reação também será violenta. A herança não é mais considerada, nem os exemplos e princípios morais, mas os bens materiais, o dinheiro. Na esteira das relações simbólicas que apontam uma hierarquia e uma verticalidade nos relacionamentos, encontramos a espera pelo jovem de um dia vir a ocupar esse lugar. Ao contrário nas relações horizontais, não há espera: quem está na frente precisa sair, dar lugar, nem que para isso o recurso seja a violência.
IHU On-Line - Dentro desse contexto, como podemos compreender o fenômeno Bullying?
Margareth Kuhn Martta - O fenômeno Bullyng, crescente no meio escolar, aponta para o laço social vigente na contemporaneidade: a perversão. Nesse fenômeno encontramos o não reconhecimento do outro como semelhante, o não reconhecimento da alteridade, a falta de empatia.