Edição 297 | 15 Junho 2009

“Em uma era secularizada o perigo de se construir um horizonte fechado é muito grande”

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Márcia Junges e Patricia Fachin

Segundo o filósofo Elton Ribeiro, para Taylor a modernidade não implica a ausência da religião, e sim o desenvolvimento de novos impulsos espirituais

“Porque era praticamente impossível não crer em Deus, por exemplo, na sociedade ocidental de 1500, e hoje muitos sustentam que não apenas é fácil, mas mesmo inevitável?” Esse questionamento é feito por Charles Taylor, ao “interpretar nossa era como uma era da secularização”, explica Elton Ribeiro, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Segundo o pesquisador, a partir dessa questão, Taylor faz uma releitura da história da secularização, apontando “primeiro para o enfraquecimento do papel e do poder da religião na vida pública. Segundo para uma queda na fé e nas práticas religiosas institucionais. O terceiro significado, vinculado intrinsecamente aos dois primeiros, apresenta a sociedade contemporânea como uma sociedade onde a fé em Deus deixou de ser algo comum, partilhado por todos”, assinala.

Elton Ribeiro é graduado em Filosofia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), em Belo Horizonte. Atualmente, cursa doutorado em Filosofia na Gregoriana, onde estuda Filosofia Contemporânea, especialmente Ética em Charles Taylor e Alasdair Macintyre. Também é professor assistente do curso de graduação em Filosofia, na Gregoriana. A secular age está sendo traduzido para o português pela Editora Unisinos, prevista para ser lançada em 2010.

Confira a entrevista.

IHU On- Line - Em que consiste, exatamente, a tese da “era da secularização” de Charles Taylor?

Elton Ribeiro - Para interpretar nossa era como uma era da secularização (A secular age), Taylor parte da seguinte questão: por que era praticamente impossível não crer em Deus, por exemplo, na sociedade ocidental de 1500, e hoje muitos sustentam que não apenas é fácil, mas mesmo inevitável? A partir desta questão-chave, ele faz uma releitura da história da secularização apontando alguns significados. Primeiro para o enfraquecimento do papel e do poder da religião na vida pública. Segundo para uma queda na fé e nas práticas religiosas institucionais. O terceiro significado, vinculado intrinsecamente aos dois primeiros, apresenta a sociedade contemporânea como uma sociedade onde a fé em Deus deixou de ser algo comum, partilhado por todos, onde aquele que crê vive em uma sociedade com outras pessoas que vivem moralmente suas vidas sem nenhuma referência a Deus ou a uma realidade transcendente.

IHU On-Line - Quais são os reflexos dessa secularização na pós-modernidade?

Elton Ribeiro - O principal reflexo é a mudança daquilo que Taylor chama de “imaginário social”, argumento que ele já tinha trabalhado em Modern social imaginaries (2004). Por imaginário social, Taylor entende o modo pelo qual os indivíduos imaginam a própria existência social e de como a própria existência está vinculada a de outros indivíduos, como a partir deste imaginário os indivíduos estruturam suas relações sociais, suas expectativas, suas capacidades de agirem no mundo e de interpretarem a si mesmos. Propriamente, a secularização produz neste imaginário a desconfiança quanto à possibilidade de uma visão unitária da religião, a ideia de que o pluralismo é um dado de fato, de que a secularização é uma via sem retorno.

IHU On-Line - A sociedade de indivíduos, escondida por trás da fachada de autonomia, seria uma expressão dessa secularização? Por quê?

Elton Ribeiro - Na medida em que, para Taylor, a secularização nasce ao interno do ocidente cristão, sobretudo como obra da Reforma, ela afirma a dimensão antropocêntrica da religião, avessa a tudo aquilo que pode parecer mágico e se torna mais atenta, por exemplo, ao discurso sobre os direitos humanos. Sem dúvida, este é um terreno fértil para a secularização. Porém, mais do que criticar o individualismo contemporâneo como Taylor fez em The ethics of authenticity (1991), trata-se de interpretar também as possibilidades que a secularização porta para a sociedade e os indivíduos, especialmente uma maior abertura ao diálogo com o diferente, uma maior compreensão do valor de cada indivíduos, e a humildade em reconhecer que a nossa maneira de ser não é a única porque ela representa uma dentre várias formas possíveis.

IHU On-Line - De que forma a ética do reconhecimento pode nos ajudar a entender esse mundo fragmentado, pautado pela incerteza?

Elton Ribeiro - O discurso sobre o reconhecimento de Taylor ele o desenvolve principalmente em The ethics of authenticity (1991) e The politics of recognition (1992). Nestes trabalhos, Taylor desenvolve a tese de que nossa identidade individual, especialmente em uma sociedade multicultural e secularizada como a nossa, não é algo que realizamos sozinhos. Nós definimos nossa identidade sempre em diálogo com os outros, especialmente aqueles outros que são significativos para nós. Para Taylor, o diálogo é uma característica importante, definitória, dos seres humanos. Dialogar é central para compreender a realidade que nos circunda, mas antes de tudo, para compreender a nós mesmos. Porém, a dimensão dialógica da existência humana implica que os dialogantes sejam reconhecidos no espaço público onde cada um de nós forma e vive a própria identidade ético-cultural. Ora, em um mundo fragmentado e pautado por incertezas, reconhecer o outro em sua particularidade, reconhecer as diferenças fundamentais entre as culturas, nos ajuda a perceber que não existe uma única forma de interpretar o ser humano. Apenas a vivência comunitária nos capacita a reconhecer nossas fontes morais e o nosso horizonte moral de referência. E, como para Taylor o ser humano é constitutivamente moral, segue então a regra de ouro: respeita e defende a ordem moral como queres que a sociedade defenda e respeite tua autonomia.

IHU On-Line - Como compreender, por outro lado, que vivemos uma redescoberta do espírito? O mesmo homem que “matou Deus” agora quer fazê-lo reviver?

Elton Ribeiro - A tese sobre a “morte de Deus” sempre foi um argumento muito debatido e contestado. Acredito que Taylor nos ajuda a perceber que, mesmo nesta imensa profusão de argumentações, a crença em Deus sempre continuou a existir e a guiar a vida de muitas pessoas. Daí a tese de Taylor de que a modernidade não pode ser entendida simplesmente como irreligiosa. A verdade é que, na medida em que antigas formas de religiosidade foram enfraquecendo, outras novas foram surgindo e ganhando força, como os novos movimentos leigos na Igreja Católica ou as novas igrejas pentecostais, por exemplo. Taylor parece estar convencido de que o problema não é a “morte de Deus”, nem a questão da neutralidade ou não da ciência. A questão principal é que, em uma era secularizada, o perigo de se construir um horizonte fechado é muito grande. Horizonte que, muitas vezes acolhido acriticamente, reduz-se à busca de realização e felicidade meramente humanas, e não explica e justifica o anseio humano por justiça universal, por exemplo. Portanto, para Taylor, a modernidade não implica a ausência da religião ou fim das exigências espirituais do ser humano. Ao contrário, a modernidade implica o desenvolvimento de novos impulsos espirituais, religiosos ou não, mas muito mais fracionados com relação ao passado. Impulsos que segundo Taylor podem ser encontrados, por exemplo, na arte, na música e nos mais diversos aspectos da vida cotidiana.

IHU On-Line - Taylor está a quase meio século defendendo que problemas com a violência ou a intolerância só podem ser resolvidos considerando tanto sua dimensão secular como espiritual. Como esse processo seria possível frente aos fundamentalismos religiosos e a radicalização da secularização?

Elton Ribeiro - Os extremos da violência e da intolerância que se manifestam nos fundamentalismos e nas radicalizações são sempre difíceis de serem abordados. A busca incessante do justo meio entre os extremos também não é uma tarefa fácil porque exige um discernimento constante e uma abertura ao diálogo muitas vezes fatigosa. A busca do justo meio para Taylor vem de uma atenta interpretação das referências valorativas que tornam possíveis as ações humanas como ações que, guiadas por um conjunto articulado de sentimentos e de discernimentos, se direcionam para a realização dos bens considerados mais elevados e que Taylor classifica como hiperbens. Estes hiperbens dão o caráter moral às nossas ações concretas. Porém, diante da questão e buscando interpretar a partir de uma aproximação mais religiosa à problemática dos extremismos, penso que Taylor seria cauteloso em apontar alguma solução fácil. Em uma entrevista à Rádio Vaticana em 2007,  ele falou sobre a importância dos líderes religiosos que se empenharam decisivamente pela paz buscando superar a violência e procurando soluções pacificas para os problemas. Em A secular age, fazendo referimento à teologia de Santo Irineu, comenta que existe um contramovimento, que ele define como pedagogia de Deus, onde “Deus está educando lentamente a humanidade convertendo-a lentamente e transformando-a de dentro” (A secular age, 668).

A secular age (Cambridge: Harvard University Press, 2007

Para saber mais...

Charles Taylor é um filósofo canadense, autor de vários livros entre os quais se destaca: Sources of the self. The making of the modern identy, editado em 1989 e traduzido para o português sob o título As fontes do self. A construção da identidade moderna (São Paulo: Loyola, 1997). Também é o autor do livro The malaise of modernity, publicado em 1991 e traduzido para várias línguas. Em espanhol o livro se intitula La ética de la autenticidad (Barcelona: Ediciones Paidós, 1994). Em português podem ser conferidos, ainda, Argumentos filosóficos (São Paulo: Loyola, 2000) e Multiculturalismo: Examinando a política de reconhecimento (Lisboa: Instituto Piaget, 1998). Taylor recebeu, em 2007, o Prêmio Templeton para o Progresso da Religião, um reconhecimento atribuído, anualmente, a personalidades que se destacam pela originalidade no progresso da compreensão do mundo de Deus ou da espiritualidade. Há quase meio século, Taylor afirma que problemas como violência e intolerância só podem ser resolvidos considerando a dimensão secular ou espiritual.

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