Edição 293 | 18 Mai 2009

Por que punir? Por um debate público, transparente e democrático

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Márcia Junges

O jurista Vicente de Paulo Barretto sustenta que causa da falência do sistema penal está calcada na falta de debate público, que responda à pergunta “por que punir”. Incompetência de tal sistema enseja corrupção e leniência com crime e criminoso

Historicamente, a pena no direito brasileiro herdou, “como espinha dorsal do sistema punitivo, o espírito inquisitorial, vale dizer, a acusação do Estado é prova da culpabilidade, cabendo ao acusado provar o contrário”, menciona o jurista Vicente de Paulo Barreto na entrevista exclusiva que concedeu, por e-mail, à IHU On-Line. Em sua opinião, “a causa desse sistema falido, que transborda a sua incompetência para o resto de sistema punitivo, ensejando a corrupção e a leniência com o crime e com criminoso, é a falta de um debate público, transparente e democrático que procure responder a uma simples pergunta: por que punir?”.

Instrumento da punição, a pena vem sendo tida por “correntes da criminologia  contemporânea como um mal em si mesmo”. De acordo com Barretto, “na cultura cívica brasileira, que se caracteriza como sendo uma cultura basicamente da não punição, os desejados efeitos da pena - ressocialização do apenado, mudança no seu comportamento moral e segurança pública - tornam-se dentro desse quadro cultural irrealizáveis”. Estamos frente à “falência do sistema punitivo, de sua possível função social e a consagração da anomia do sistema e da impunidade”.

Barretto é professor no PPG em Direito da Unisinos e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Livre docente pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), possui graduação em Direito, pela Universidade do Estado da Guanabara. Foi o idealizador e coordenador científico do Dicionário de Filosofia do Direito (São Leopoldo/Rio de Janeiro: Editora Unisinos/Editora Renovar, 2006). De sua autoria, destacamos Voto e representação, Curso de introdução à Ciência Política (Brasília: Universidade de Brasília, 1982), Evolução do pensamento político brasileiro (São Paulo: Editora USP/ Itatiaia, 1989) e Constituição, sistemas sociais e hermenêutica (Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora/Unisinos, 2009).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual é o sentido da pena e da punição para o apenado e para a sociedade?

Vicente de Paulo Barretto - A pena é o instrumento da punição e, por essa razão, tem sido considerada por correntes da criminologia  contemporânea como um mal em si mesmo. Na cultura cívica brasileira, que se caracteriza como sendo uma cultura basicamente da não punição, os desejados efeitos da pena - ressocialização do apenado, mudança no seu comportamento moral e segurança pública - tornam-se dentro desse quadro cultural irrealizáveis. Isto porque o sistema punitivo brasileiro se materializa através de dois extremos opostos: pela violência brutal, com o desrespeito aos mais elementares direitos da pessoa humana, ou, então, pela não punição pura e simples dos atos criminosos. Em ambos os casos, encontramo-nos diante da falência do sistema punitivo, de sua possível função social e a consagração da anomia do sistema e da impunidade.

IHU On-Line - Há diferenças entre pena e punição? Quais seriam elas?

Vicente de Paulo Barretto - Precisamente, porque não se analisa de forma pública e democrática as razões da punição na sociedade democrática. O sistema prisional brasileiro mais parece um queijo suíço, cheio de leis e prisões que deixam passar por seus buracos a violação permanente da ordem social. As leis penais e o sistema penal têm demonstrado sobejamente a sua inapetência em garantir o mínimo de segurança para a sociedade e a possível recuperação do apenado. E a causa desse sistema falido, que transborda a sua incompetência para o resto de sistema punitivo, ensejando a corrupção e a leniência com o crime e com criminoso, é a falta de um debate público, transparente e democrático que procure responder a uma simples pergunta: por que punir?

IHU On-Line - Como foi pensada a pena ao longo da história do direito?

Vicente de Paulo Barretto - A história da pena na história do direito brasileiro caracteriza-se por ter herdado, como espinha dorsal do sistema punitivo, o espírito inquisitorial, vale dizer, a acusação do Estado é prova da culpabilidade, cabendo ao acusado provar o contrário. Esse autoritarismo latente no sistema penal brasileiro, agravado pelas práticas nos dois períodos ditatoriais (1937-1945 e 1964-1988), trouxe como consequência a reação oposta, que se expressa na sua forma mais radical no abolicionismo penal, isto é, não se deve aplicar penas privativas da liberdade, ou em sua forma mitigada no garantismo penal. Esse debate público sobre a punição e a pena é ignorado, provocando o surgimento de um sistema penal injusto, porque não pune ou, quando pune, pune o mais fraco, e, assim, torna-se ineficiente porque não contribui para a paz social.

IHU On-Line - De que forma a pesquisa no Direito pode contribuir com a melhoria do sistema prisional?

Vicente de Paulo Barretto - Considero que a pesquisa no Brasil encontra-se ainda muito incipiente no que se refere ao sistema prisional. Falta uma investigação mais criteriosa, que se liberte dos preconceitos ideológicos, e examine a gradação das penas e as suas condições de cumprimento. Para isto, a investigação científica pode contribuir ao recuperar temas e experiências, que contribuirão para a necessária reforma do sistema penal - leis e instituições - no Brasil, que assegure um sistema mais justo e eficiente.

Leia mais...

>> Confira outras entrevistas concedidas por Vicente de Paulo Barretto. Acesse nossa página eletrônica (www.unisinos.br/ihu)

Entrevistas:

* Filosofia do Direito, uma entrevista especial sobre o “Dicionário de Filosofia do Direito”, Notícias do Dia do sítio do Instituto Humanitas  Unisinos – IHU, www.unisinos.br/ihu, em 09-05-2006

* Ética Mundial e Direito: uma contribuição de Hans Küng. Edição número 232, de 20-08-2007, intitulada Carlos Drummond de Andrade, o poeta e escritor que detinha o sentimento do mundo;

Publicações:

* Cadernos IHU Ideias nº 83, escrito em parceria com o Prof. Dr. Alfredo Culleton, intitulado Dimensões normativas da Bioética, disponível para download no sítio do Instituto Humanitas  Unisinos – IHU.

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