Edição 291 | 04 Mai 2009

Não se gera emprego sem distribuição equitativa da renda

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Graziela Wolfart

Para Thomas Coutrot, os trabalhadores, especialmente os mais precarizados, não têm conseguido se reunificar em torno de um projeto de resistência e muito menos de alternativas 

“A crise global deixou óbvio o que os economistas críticos, marxistas ou keynesianos, vinham dizendo há anos: a globalização financeira favoreceu uma transferência maciça de riquezas em detrimento da classe trabalhadora e em prol das classes rentistas e, portanto, uma explosão das desigualdades.” A opinião é de Thomas Coutrot, economista francês, em entrevista exclusiva, realizada por e-mail, à IHU On-Line. Coutrot acredita que “o crescimento desigual e a geração de empregos precários, que foram as marcas registradas da época neoliberal, agora se acabaram”. Qual o resultado disso? “Um empobrecimento geral com uma explosão do desemprego”, o que, para Coutrot, “só comprova o que já sabíamos: a longo prazo não se gera emprego sem distribuição equitativa da renda”.

Na opinião do economista, “os trabalhadores têm uma oportunidade histórica de retomar o caminho das conquistas sociais e dos movimentos emancipatórios, se conseguirem tecer alianças orgânicas com outros movimentos sociais, especialmente com o movimento ecológico”. E sugere que “temos também de reformular um projeto de emancipação para o século XXI, que possa servir de referência comum, de ‘gramática’ para os movimentos sociais mundo afora, como a retórica socialista foi uma referência comum dos movimentos de emancipação nos séculos XIX e XX”.

Thomas Coutrot é responsável pelo Departamento de Condições de Trabalho e Relações Profissionais – DARES. Participou da Fundação Copérnico e da Attac (Association pour la Taxation des Transactions pour l'Aide aux Citoyens/Associação pela Tributação das Transações Financeiras para ajuda aos Cidadãos), da qual é membro do conselho científico. É autor de, entre outros, Capitalisme ou démocratie (Paris: La Dispute, 2005) e Les conditions de travail des salariés après la réduction de leur temps de travail (Paris: Documents pour le Médecin du Travail, 2006).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Que tipo de transformações a atual crise internacional provoca nas condições de trabalho e nas relações profissionais?

Thomas Coutrot - Em todos os países do mundo estamos vendo, desde o final de 2008 ou início de 2009, uma explosão do desemprego. No entanto, falta recuo para termos uma visão internacional do efeito da crise global sobre as condições de trabalho e as relações profissionais. Isso depende muito dos contextos e das co-relações de forças nacionais. Na França, o que se vê é uma demissão em massa dos trabalhadores precários (trabalho interino e por duração determinada), e o crescimento do “desemprego parcial” nas grandes empresas: trata-se de uma redução do tempo de trabalho com indenização parcial paga pelo Estado. Nas construtoras de automóveis, por exemplo, os trabalhadores têm duas semanas de trabalho intenso e duas semanas de descanso forçado. Em vez de aproveitar a crise para diminuir a intensidade do trabalho, as empresas estão mantendo a pressão e depois mandam o pessoal ficar em casa sem dinheiro. Isso cria um ambiente muito ruim, de medo e rancor em muitas empresas. Em muitos casos, as empresas - geralmente transnacionais - decidem fechar uma fábrica, o que gera uma revolta muito grande entre os assalariados, um sentimento de injustiça e de desprezo. É comum ouvir desses trabalhadores frases do tipo: “suas contas bancárias engordaram durante anos graças a nosso trabalho e agora mandam a gente para o lixo”. Isso tem resultado em vários bossnappings, isto é, sequestros de dirigentes durante algumas horas por trabalhadores raivosos. O objetivo não é tanto impedir o fechamento da fábrica, mas conseguir uma indenização mais decente pelas demissões. A opinião pública apoia ou compreende esses atos de cólera e desespero. Os sindicatos têm convocado imensas manifestações (em janeiro, em março e no dia 1º de maio), com milhões de manifestantes na França inteira, para protestar contra o fraco desempenho do governo frente à crise. Mas, por enquanto, essas manifestações e movimentos não conseguiram mudar o rumo das coisas.

IHU On-Line - A partir da crise, podemos vislumbrar a emancipação da classe trabalhadora ou sua rendição ao capital?

Thomas Coutrot - Por enquanto, a classe trabalhadora está pagando um preço alto, especialmente as suas partes mais precarizadas (jovens, imigrantes, trabalhadores com contratos curtos...). Ela não tem conseguido se reunificar em torno de um projeto de resistência e muito menos de alternativas. Agora essa crise será longa e cheia de surpresas. Os trabalhadores têm uma oportunidade histórica de retomar o caminho das conquistas sociais e dos movimentos emancipatórios, se conseguirem tecer alianças orgânicas com outros movimentos sociais, especialmente com o movimento ecológico. O movimento “por uma outra globalização”  e os Fóruns Mundiais Sociais têm essa função de tornar possíveis essas alianças em nível nacional, regional e mundial. Sua importância é cada vez mais decisiva, e eles têm que ultrapassar a função de “espaço de discussão” para se tornarem “espaços de coordenação e de organização”. Temos também que formular um projeto de emancipação para o século XXI, que possa servir de referência comum, de “gramática” para os movimentos sociais mundo afora, como a retórica socialista foi uma referência comum dos movimentos de emancipação nos séculos XIX e XX.

IHU On-Line - Que relações podemos estabelecer entre emprego e as desigualdades sociais?

Thomas Coutrot - A crise global deixou óbvio o que os economistas críticos, marxistas ou keynesianos, vinham dizendo há anos: a globalização financeira favoreceu uma transferência maciça de riquezas em detrimento da classe trabalhadora e em prol das classes rentistas e, portanto, uma explosão das desigualdades. Isso resultou em um aumento extraordinário do endividamento dos consumidores, para tornar possível o aumento do consumo (incluindo casas), e a manutenção do crescimento econômico. Isso só podia acabar com uma correção severa. Então, o crescimento desigual e a geração de empregos precários, que foram as marcas registradas da época neoliberal, agora se acabaram. Resultado: temos um empobrecimento geral com uma explosão do desemprego. Isso só comprova o que já sabíamos: a longo prazo não se gera emprego sem distribuição equitativa da renda.

IHU On-Line - O senhor defende que a política econômica não está voltada para a geração de emprego e renda no Brasil. Em que baseia sua posição?

Thomas Coutrot - A política econômica do governo Lula foi baseada principalmente na exportação de produtos primários (agricultura e mineração). Isso gerou emprego e renda enquanto os mercados internacionais estavam exuberantes, mas repousava em bases muito frágeis, tanto economicamente como ecologicamente, como o vemos agora. As políticas compensatórias (como o Bolsa Família) e o aumento real do salário mínimo foram medidas positivas, mas insuficientes em si para pautar um crescimento econômico sustentável. O Brasil está pagando um preço alto por ter apoiado seu crescimento principalmente da demanda externa.

IHU On-Line - O que faria parte de uma mudança radical de rumo no caso brasileiro?

Thomas Coutrot - Uma mudança radical de política econômica incluiria um enfoque muito forte sobre a Reforma Agrária, de maneira a diminuir drasticamente ou até reverter os fluxos migratórios do campo para a cidade. Trata-se de privilegiar a agricultura familiar sustentável, contra a grande agricultura capitalista ecologicamente e socialmente irresponsável. Isso implicaria, portanto, um confronto com o latifúndio e o agronegócio, e uma mobilização popular muito forte. Precisaria também de um aumento rápido do salário mínimo para dar sustentação a um crescimento da demanda interna por bens de consumo e alojamentos, junto com uma reforma fiscal progressista, que redistribuísse renda e permitisse o financiamento dos gastos sociais e dos investimentos ambientais. Se o Brasil liderasse uma aliança regional com outros países da América do Sul para desenvolver políticas econômicas e sociais progressistas, pautadas na mobilização popular, teria uma imensa repercussão internacional.

IHU On-Line - O senhor pensa que o Brasil deveria adotar o controle de capitais, para evitar a instabilidade financeira? Em que sentido essa medida afetaria a questão do trabalho?

Thomas Coutrot - Obviamente uma política econômica progressista não agradaria aos investidores financeiros. Portanto, há necessidade de estabelecer um controle de entrada e saída de capitais, bem como uma redução drástica da taxa de juros interna. A comissão Stiglitz  das Nações Unidas tem apontado que a liberalização dos sistemas financeiros nos países do Sul tem tido um papel central na sua fragilização. O Brasil não precisa de capital especulativo para crescer. Ele tem toda a latitude para desenvolver um sistema de crédito bancário nacional e internacional (como o Banco do Sul)  voltado para o financiamento a longo prazo de projetos socialmente e ecologicamente prioritários.

IHU On-Line - Como a questão do trabalho e do emprego são debatidas entre os membros da Attac?  Quais seriam os principais desafios para os próximos anos nessa área?

Thomas Coutrot - Achamos que a questão da redução da jornada de trabalho tem de ser recuperada com muita urgência para enfrentar as consequências da crise global. Reduzir a jornada, sem reduzir salários, mas com incentivos fiscais, financiados por uma reforma fiscal que bata forte nos rendimentos financeiros, é algo que nos parece uma política de emprego e renda ao mesmo tempo justa e eficiente. Agora, não se pode esperar tudo do Estado e dos governos, inclusive porque a esquerda, pelo menos na Europa, está muito desorientada e sem rumos, e longe de apresentar alternativas reais. Então, os movimentos sociais precisam ser criativos, para mostrar outras maneiras de se fazer economia. É por isso que as realizações e as conquistas da economia solidária são tão importantes politicamente, e espero que elas venham a crescer com força nos próximos anos, como uma resposta autônoma e criativa dos movimentos sociais frente à crise e ao esgotamento do capitalismo. Precisamos partir para a construção de alternativas, democráticas e solidárias, como cooperativas, comércio justo e finança solidária, por exemplo. 

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