Edição 289 | 13 Abril 2009

A mídia como instrumento de interpretação do mundo

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Graziela Wolfart | Tradução de Luciana Cavalheiro

Na opinião do professor francês Daniel Dayan, a midiatização interfere de forma positiva na cultura democrática ao criar uma opinião pública informada, e de forma negativa ao criar uma opinião pública fabricada

“Uma vez que cada um de nós não pode nem conhecer o mundo, nem mesmo nossa própria sociedade, nós somos reduzidos a imaginar com os meios que as mídias nos dão. E estes meios de imaginar o mundo são confiáveis?” Quem faz essa reflexão e lança esta pergunta é o pesquisador francês Daniel Dayan diretor de pesquisa no Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS), de Paris. Na entrevista que aceitou conceder por e-mail para a revista IHU On-Line, Dayan considera ser essencial que a instituição do jornalismo sobreviva e se reforce. Mas, para isso, continua ele, “esta instituição deve continuar credível, o que está longe de ser o caso”. “Como fugir, então, das diferentes patologias do jornalismo?”, dispara. Para Dayan, a maior parte das guerras contemporâneas “são ganhas não em campo de batalha, mas nas telas. No campo de batalha só se consegue vitórias. Nas telas ganham-se as guerras e conquistam-se as opiniões públicas”.
 
Daniel Dayan é diretor de pesquisa no Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS), de Paris, membro do Marcel Mauss Institute (École des Hautes Études en Sciences Sociales) e professor de Sociologia da Mídia na Universidade de Genebra. Tem diplomas de Antropologia, Literatura Comparada, Semiótica e Estudos Fílmicos pela Stanford University, Sorbonnne e École des Hautes  Études en Sciences Sociales, na qual se doutorou em Estética. Seus livros mais recente são La Terreur –Spectacle : terrorisme et  television (Paris: De Boeck, 2OO6) e Televisão: das audiências aos públicos (com  J.C.  Abrantes ) (Lisboa: Livros Horizonte, 2006).

Confira a entrevista.
 
IHU On-Line - Que relação o senhor estabelece entre informação e espetáculo na mídia?

Daniel Dayan - Em princípio nenhuma. Ao menos não nas mídias visuais. Os dois termos têm um valor normativo e se contradizem. A informação é boa, o espetáculo, mau. Penso que se trata de uma oposição um pouco ultrapassada, levando a gesticulações inúteis. Como demonstra Hannah Arendt,  em sua noção de “aparecer em público”, todo ato político é espetáculo. Trata-se então, não de extinguir os espetáculos da cidade, como Platão  extinguia os poetas, mas de julgá-los, avaliá-los, sabendo pertinentemente que são espetáculos. Quais são, então, os vícios e as virtudes destes espetáculos que chamamos por convenção de “informações”?

IHU On-Line - Qual a diferença entre um acontecimento social e um acontecimento midiático?

Daniel Dayan - Não há, doravante. É raríssimo que um acontecimento social não se torne um acontecimento mediático, salvo em um regime totalitário. Todavia, não se pode esquecer a tese de Boorstin.  Alguns acontecimentos são também mediáticos. Outros acontecimentos são somente mediáticos (os pseudo-acontecimentos). Mas estes últimos se tornaram crucialmente importantes. O atentado de 11 de setembro fora concebido para ser um acontecimento mediático. Os mortos do terrorismo servem geralmente de autentificadores, ou de “efeitos reais”. Eles são o que permite aos acontecimentos mediáticos adquirirem uma dimensão social, e de atravessar, assim, as grades do “gatekeeping”.

IHU On-Line - Em que medida a midiatização interfere na cultura democrática?

Daniel Dayan - Para o bem, criando uma opinião pública informada. Para o mal, criando uma opinião pública fabricada. É preciso distinguir aqui entre uma função da informação das mídias, e uma função de sinalização das mídias. A segunda é raramente discutida, mas essencial.

IHU On-Line - Quais as consequências de vivermos em uma cultura midiática?

Daniel Dayan - A midiatização da cultura e a cultura midiática são duas coisas diferentes. Além disso, existem simultaneamente várias culturas e várias formas de midiatizar. Como demonstra Appadurai,  é esta multiplicidade que define nossa ecologia cultural.

IHU On-Line - A mídia realmente tem tanta força para fazer transformações tão profundas em nossa sociedade? 

Daniel Dayan - Sim, mas, para demonstrar isso, é preciso apelar mais para uma argumentação vinda da história do que da psicologia social. Em outros termos, a enormidade do impacto das mídias consegue paradoxalmente torná-lo invisível.

IHU On-Line - Nesse contexto de crise financeira atual, alguns teóricos falam em desglobalização, que há um freio na retórica da globalização. A midiatização ainda teria forças nesse cenário? 

Daniel Dayan - A globalização não é simplesmente um caso de retórica e a desglobalização, ao que me parece, uma questão de voluntarismo. Não é um trem do qual se pode descer na próxima parada. As tentativas de desglobalização podem se revelar elas próprias globais.

IHU On-Line - Que relação o senhor estabelece entre o fenômeno da midiatização e a crise financeira internacional? Acredita que a mídia aumenta a crise no sentido de que provoca um sentimento de pânico coletivo?

Daniel Dayan - Há uma relação inevitável desde que a economia repousa sobre um jogo de antecipações da conduta do outro. Deixadas a elas mesmas, as mídias irão evidentemente aumentar a crise e criar pânico. Mas elas podem igualmente adotar o papel que é seu desde as grandes catástrofes: acompanhamento terapêutico da população. Mas este papel pressupõe que se saiba o que fazer.

IHU On-Line - Nesse processo de midiatização, que questões são colocadas ao ser humano do século XXI e que são cruciais para nossa existência?

Daniel Dayan - Uma vez que cada um de nós não pode nem conhecer o mundo, nem mesmo nossa própria sociedade, nós somos reduzidos a imaginar com os meios que as mídias nos dão. E estes meios de imaginar o mundo são confiáveis?

IHU On-Line - O que os governos devem levar em conta ao formular políticas públicas a partir das transformações e mutações que a sociedade vem sofrendo em função da midiatização?

Daniel Dayan - Entre as várias áreas a serem consideradas, destaco duas aqui:

1- Os governos devem refletir sobre a deontologia das mídias e sobre as condições nas quais ela pode se exercer. É essencial que a instituição do jornalismo sobreviva e se reforce. Mas, para isso, esta instituição deve continuar credível, o que está longe de ser o caso. Como fugir, então, das diferentes patologias do jornalismo? Meu amigo R. Silverstone escrevia que hoje os jornalistas deveriam ser melhores, superiores a nós nos aspectos intelectual e moral. Concordo com ele. Mas penso que uma grande parte dos problemas encontrados pelo jornalismo deve-se mais à ausência de tal superioridade do que às circunstâncias nas quais os jornalistas trabalham. Cultivando uma ética da convicção, substituída por uma ética da responsabilidade; solicitando-se um relativismo pós-moderno, substituído pelas noções de factualidade ou de verdade, os jornalistas se descredibilizam em nome do que eles acreditam ser suas principais virtudes.

2 - Os governos deveriam poder tirar as consequências de uma realidade que as organizações que os combatem conhecem perfeitamente. A maior parte, se não a totalidade das guerras contemporâneas, são ganhas não em campo de batalha, mas nas telas. No campo de batalha só se consegue vitórias. Nas telas, ganham-se as guerras, conquistam-se as opiniões públicas. É por esta razão que – para usar uma metáfora de Appadurai – as guerras entre os elefantes e os mosquitos se traduzem geralmente pela vitória dos mosquitos.

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