Edição 287 | 30 Março 2009

IHU Repórter - Ederson Luiz Locatelli

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Márcia Junges

Jesuíta, filósofo, professor, estudante no mestrado em Educação da Unisinos, responsável pela Interface da Unisinos Virtual com a Educação Continuada, malhador “de carteirinha” e alguém que gosta de cultivar amigos, ir ao cinema e dançar um bom vanerão. Assim é Éderson Luiz Locatelli, um paranaense que, em 2001, ingressou na Companhia de Jesus e encarou, por dois anos, o desafio de lecionar para estudantes do Ensino Médio. Com muito bom humor e certeza de suas escolhas e convicções, ele relembra que o convívio com os alunos trouxe-lhe aprendizado e crescimento. Confira a entrevista que Ederson nos concedeu, pessoalmente, na redação da IHU On-Line.

 

Origens 

Sou paranaense, nascido em Francisco Beltrão, sudoeste do Estado. Quando eu tinha dois meses de idade, minha família veio para Santa Catarina, no município de Forquilhinha, no Sul do Estado, entre Criciúma e Araranguá. Minha mãe é gaúcha, e meu pai é paranaense. Conheciam-se desde crianças. Casaram-se e tiveram três filhos, eu e mais dois irmãos: Sergio e Robson, que continuam em Forquilhinha. Sou o caçula, o mais mimado. Vivi com minha família até os 21, quando entrei na Companhia de Jesus.

Vocação

Com 16 anos, comecei a participar de grupos de jovens junto do meu irmão Robson e um amigo. Com o passar do tempo, a coisa foi ficando séria, porque começamos a participar de retiros de jovens, e então nos enturmamos de verdade. Era o ano de 1996, auge da Renovação Carismática, quando “estourou” o fenômeno Padre Marcelo Rossi. Tínhamos colegas do Grupo que faziam parte da Renovação e essas músicas nos divertiam muito e marcaram de forma sadia a nossa juventude. Nos finais de semana, nos encontrávamos na casa de um ou outro, fazíamos pipoca, olhávamos filmes ou fazíamos retiros, seja organizando encontros, seja participando deles. Foi então que pensei que poderia trabalhar mais com isso, e percebi que a vida religiosa poderia ser esse espaço que eu procurava. Então fui fazer uma orientação com a Ir. Leonir, no Colégio das Irmãs Escolares de Nossa Senhora, em Forquilhinha, onde estudei no Ensino Fundamental. Uma dessas irmãs trabalhava conosco na Pastoral da Juventude. Naquela época eu tinha 20 anos e trabalhava em um escritório do frigorífico Avipal, na parte de informática. Então deixei família, amigos e trabalho e segui a vida religiosa.

Escolhendo a Companhia de Jesus

A irmã com quem fiz a orientação vocacional me emprestou um livro chamado Profetas do reino, editado pelo Pime (Pontifício Instituto das Missões Exteriores), uma ordem de missionários, no qual era apresentado um pouco sobre cada uma das congregações. Isso deveria ajudar-me no direcionamento da minha escolha. Ingenuamente, estabeleci alguns critérios para escolher a ordem na qual ingressaria: a congregação deveria ter mais de 200 anos de existência, trabalhar com educação e estar espalhada por vários países do mundo. Assim, entrei em contato com oito ordens. Pessoalmente, visitei os franciscanos, rogacionistas, salesianos e jesuítas. Era o mês de dezembro quando vim a uma missa aqui na Unisinos, com o Padre Mário Sündermann. Foi nesse dia que conheci o Carlos Jahn,  que costumo chamar de meu ícone vocacional. Para mim, ele mostrou a naturalidade que é ser um religioso jesuíta. A minha concepção de religioso era de uma pessoa muito piedosa, uma imagem bem estereotipada. Pensava no seminarista como um rapaz todo “engomadinho”, e o Carlos não tinha nada disso.

Hoje, para mim, ser religioso é ter uma atitude natural, estar inserido no mundo. Eu não perco a minha juventude por ser religioso: malhar, jogar vôlei, ir ao cinema são coisas que se pode continuar fazendo e faço. É preciso dar conta das tuas obrigações como religioso, mas sendo quem você é. A promoção vocacional que podemos fazer é essa: mostrar essa normalidade que temos de viver.

Os desafios da docência

Deixei de lecionar na Escola Técnica Santo Inácio, onde trabalhava 8 horas semanais por dois anos. Na Unisinos eu trabalhava 12 horas. Foi nessa escola que fiz o estágio da licenciatura em Filosofia, e em seguida fui convidado para trabalhar. Lecionava Filosofia para o primeiro ano, e para o segundo e terceiro conduzia seminários, uma disciplina humanista, nos quais discutíamos ética, relacionamento, mercado de trabalho. Era uma disciplina aberta, muito legal. Entretanto, percebi que na Unisinos, trabalhando e estudando, o tema era o mesmo para mim, o que de certa forma me facilitaria a vida. Nesse sentido, a escola estava exigindo muito, pois eu precisava me deslocar até Porto Alegre para dar as aulas, além de prepará-las com antecedência. Foi uma experiência muito enriquecedora, importante para minha formação e carreira docente.

Estar em sala de aula e trabalhar com adolescentes foi um desafio. Minhas aulas eram rodas de conversa. Essa característica era bem vista pelos alunos. Mas é difícil conduzir discussões, porque o grupo exerce uma pressão muito grande sobre os indivíduos, que muitas vezes acabam dizendo coisas que não pensam, exatamente. Há muito temor pela ridicularização, do que os outros vão pensar a seu respeito. Eu incentivava com que os jovens falassem, seja verbalmente, ou escrevendo suas ideias. Esse período trouxe-me a realização do instinto paterno. Tornei-me bastante próximo dos alunos porque tínhamos muito em comum.

Vida de padre

Havia muita curiosidade dos meus alunos sobre como era ser padre. Eles pensam que passamos o dia todo rezando. Havia um estranhamento, pois ainda se divulga uma imagem muito caricata do religioso. Nossa inserção da Companhia nos faz andar “no fio da navalha”, a um passo da secularização. Por isso, é preciso muita clareza de vocação. E é esse mesmo o tipo vida religiosa que Santo Inácio colocou: viver inserido no mundo, contemplativo na ação. Evidentemente temos orientação e preparação para vivermos essa vocação, com acompanhamento espiritual constante. Escolhemos um dos padres para ser nosso guia espiritual, com quem uma vez por mês temos uma conversa. Com o provincial e o superior da casa a conversa acontece anualmente, e chamamos isso de conta de consciência. Acaba se criando uma relação bem parecida com a de um pai com um filho. Quando saio, por exemplo, falo com o superior da nossa Residência, como eu falaria com as pessoas da minha família, dizendo onde vou, com que vou, o que farei. É uma relação de confiança. Somos um grupo e precisamos nos comunicar.

Existe muito interesse sobre a “vida de padre”. Os alunos me perguntavam muito, e eu respondia, com tranquilidade. Afinal de contas, talvez esses jovens nunca mais tenham outra oportunidade de perguntar para uma pessoa tão próxima as curiosidades que eles têm, seja sobre sexualidade, a vida em comunidade, as obrigações e desafios que existem. Muitos jovens continuam pensando que um homem vira padre porque sofreu uma decepção amorosa ou porque é homossexual, devido ao celibato. E ainda há o problema da pedofilia, que infelizmente é realidade em alguns casos e pauta de discussões mundo a fora. Por aí se vê como ainda existe um preconceito sobre a vida religiosa. Então, é por isso que causa espanto o fato de um padre fazer academia, passear, ir ao cinema, trabalhar.

Essas curiosidades sobre a vida religiosa serviam, no fundo, para refletir sobre a vida dos próprios jovens leigos. Porque o jovem é um ser cheio de questionamentos, dúvidas, seja na vida pessoal ou profissional. É uma fase em que se é muito novo e já se tem que fazer opções sérias, que afetarão toda a vida.

Filosofia

Em 2001, entrei na comunidade vocacional aqui em São Leopoldo. Em 2002 e 2003, fiquei em Cascavel, no noviciado, e fiz um processo alternativo de formação, que foi não ir para o juniorado em João Pessoa, nem para a Filosofia em Belo Horizonte. A província estava testando um novo modelo que era vir para uma universidade. Assim, em 2001 iniciei a Filosofia aqui no câmpus. Fiz quatro disciplinas, fui para o noviciado e depois voltei. Retomei o curso em 2004 e concluí em 2006.

Trabalho

Em 2004, trabalhei na administração do Centro Espiritual Cristo Rei (CECREI). No ano seguinte, passei a ajudar o Padre Pedro Gomes na assessoria de comunicação da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e depois comecei a trabalhar na Educação a Distância da Unisinos. No início, éramos em três pessoas: Profa. Susane Garrido, Profa Amarolinda Saccol e eu. O objetivo era fazer um relacionamento com as outras instituições da Companhia e trabalhar essa dimensão. Iniciamos com cursos de Educação a Distância (EAD) em colégios da Companhia.

Terminei a graduação e logo preparei-me para o mestrado em Educação, no qual ingressei aqui. Minha pesquisa está vinculada ao meu trabalho na Unisinos Virtual. Começamos com um curso de Pedagogia Inaciana e depois com o Projeto Educativo Comum - PEC e Cultura de Rede, que são os fundamentos da nossa educação. Acredito que essa é uma forma de socializar o conhecimento inaciano com nossos colaboradores. Temos 15 colégios no Brasil, e são mais de 3 mil pessoas com quem podemos trabalhar. No ano passado, aconteceu a terceira edição do curso de pedagogia inaciana, com 68 alunos e a primeira edição do PEC, com 100 alunos. Coordeno os cursos e sou professor.

Objeto de estudos

Sou responsável pela Interface da Unisinos Virtual com Educação Continuada, ajudando a introduzir a cultura de educação a distância em especializações, MBA e extensão. Minha pesquisa no mestrado em Educação estuda redes sociais, formação de professores e pedagogia inaciana. Meu objeto é o Programa Loyola, que promove cursos e eventos com essa transversalidade inaciana. Com isso, também temos um trabalho com a comissão de educação da província. Agora estamos elaborando um evento para junho e haverá um curso de extensão preparatório em EAD. Outra novidade será o espaço inaciano no Second Life, no qual estudaremos de que forma um espaço de convivência virtual, digital, pode ajudar na formação do professor. Então, vamos aprender sobre essa nova ferramenta para a formação de professores.

Quero um sobrinho!

Tenho uma afilhada de 2 anos e meio, a Martina. Há pouco tempo ela começou no balé. Nessa noite, liguei para ela, e pela primeira vez conversamos ao telefone. Ela nasceu quatro semanas após o falecimento do meu pai. A maior dor do meu irmão era do nosso pai não ver a neta. O pai faleceu dia 3 de agosto de 2006 e a Martina nasceu dia 31. A Martina é especial, afinal é minha primeira sobrinha. Antes do Sérgio contar que estavam esperando por ela, eu já participava de uma comunidade do Orkut chamada “eu quero um sobrinho”.

Em todas as viagens que faço, mando postais para ela escritos em português, inglês ou espanhol. Talvez isso a incentive a ter gosto por idiomas, e querer conhecer outros países. Gostaria que ela tivesse os horizontes abertos, como meu irmão e minha cunhada, que moraram na Itália por algum tempo. Estamos acostumando-a a achar natural viajar para o exterior, viver fora, abrir horizontes. Em nossa família isso é uma novidade, pois cada vez que um dos filhos ia de viagem era um momento muito triste.

Horas livres

Gosto de malhar. Isso não é apenas por lazer, mas por necessidade. Malhar dá disposição para fazer outras coisas. Há três anos que faço musculação. No primeiro ano, não levava muito a sério, mas depois  que passei a ver os resultados, me entusiasmei. Vou de três a quatro vezes por semana na academia, faço todos os exercícios, sem “matar” nenhum. Saio de lá “zerado”, com um cansaço diferente. Também gosto de correr, e nos finais de semana vou para a pista do complexo desportivo. Nessas horas, levo meu MP3 e escuto música, seja eletrônica, que é bem animada para malhar, seja axé, com Daniela Mercury e Ivete Sangalo. Outro passatempo é encontrar amigos, tomar chimarrão, fazer uma janta. Com o pessoal de casa vou ao cinema, saímos para almoçar. Visitar lugares tranquilos também é uma opção, além de assistir a shows em DVD. E tem mais: adoro dançar vanerão. É uma coisa que vem de família. Meus pais davam cursos de dança, e também saíam para dançar e nos deixavam na casa da Nona. Quando visito minha família, danço muito. No ano passado teve a confraternização de final de ano da escola e nós fomos à Churrascaria Schneider. Chamei minha mãe para vir, e dançamos muito na festa.

IHU

O IHU é um centro de produção de conhecimento para a área humanista que serve como fonte para pesquisas, aulas. Essa análise da realidade, a crítica que se faz, e a desconstrução são importantíssimos e nos fornecem chaves para compreender o mundo em que vivemos.

Política

Sou da geração que não milita mais. Falo isso por mim e pelos exemplos que vi de colegas na graduação. Estamos em busca de uma outra forma de militância. Pessoalmente, não defendo partidos. Voto em pessoas nas quais acredito. As diferenças entre esquerda e direita estão se esfacelando, e não sabemos exatamente quem é o quê.

Sonhos

Ser padre e continuar professor. Sempre quis trabalhar com educação. Gosto da gestão universitária, pois encaro como um espaço de criação. Quero estudar, continuar meu mestrado e depois fazer Teologia e doutorado.

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