Edição 283 | 24 Novembro 2008

O problema central da sociedade é a questão das injustiças sociais

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Graziela Wolfart

Na visão de François Dubet, o principal desafi o da sociologia é o de construir uma imagem da sociedade aceitável e de recusar todas as ideologias que só reúnem mercados e concorrências egoístas

O sociólogo francês François Dubet acredita que a incoerência fundamental de nossas sociedades hoje reside entre o progresso e a consciência democrática de todos, e o desenvolvimento das desigualdades sociais. Na entrevista que concedeu com exclusividade à IHU On-Line, por e-mail, Dubet analisa a contribuição da sociologia para a pedagogia e afirma que a sociologia não pode dizer qual é a boa pedagogia e a boa maneira de dar aula. “Ela define mais os problemas do que as soluções”. E continua: “A escola, principalmente, está cada vez mais identificada com um mercado no qual os indivíduos vêm buscar identidades sociais”.

François Dubet é diretor de estudos na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), de Paris, e professor titular e chefe do departamento de sociologia da Universidade de Bordeaux II. É autor de mais de uma dezena de livros, entre os quais citamos La galére: jeunes en survie (Paris: Fayard, 1987), Les Iycées (Paris Seuil, 1991) e Sociologie de l´experience (Paris: Seuil, 1994 - Edição portuguesa: Lisboa, Intituto Piaget, 1997).

IHU On-Line - O senhor pode explicar o que entende pela “sociologia da experiência”? Qual a importância da experiência para a compreensão das características sociais de um ser humano ou de um grupo de indivíduos?

François Dubet - A sociologia da experiência social considera que os indivíduos são hoje forçados a construir sua própria ação, uma vez que esta não é totalmente definida pelos papéis sociais e pelas maneiras de exercê-los. Os indivíduos devem produzir, eles mesmos, o sentido de sua ação, suas motivações, suas identidades. Evidentemente, eles constroem sua experiência a partir de recursos, de modelos culturais e de condições sociais que lhes são impostas. Todavia, eles devem fazer este trabalho uma vez que a sociedade é cada vez mais fluida, móvel, não programando a totalidade dos comportamentos.

IHU On-Line - Podemos falar de experiência de um grupo, de uma comunidade, a partir da sociologia? Ou a experiência é algo individual?

François Dubet - As experiências sociais são primeiramente individuais, mas são também definidas pelos coletivos que traçam caminhos comuns, como no caso das experiências escolares, das experiências operárias ou outras mais. Na realidade, o que é coletivo são as condições de fabricação das experiências sociais. Mas cada um de nós continua sendo uma forma singular destes quadros coletivos. Como tudo na vida social, as experiências são individuais e coletivas.

IHU On-Line - Qual a contribuição que um sociólogo pode oferecer para o professor? Como a sociologia da escola contribui para a melhora na relação pedagógica entre professores e alunos?

François Dubet - Acredito que a sociologia pode dizer a um professor como a escola se apresenta do ponto de vista dos alunos. Ela pode lhe mostrar que os alunos devem resolver um grande número de problemas para se constituírem como alunos e que isto não tem nada de “natural”, desde que não se trate do mundo das classes muito favorecidas. Ela explica também que a escola é uma urbanização determinada por regras objetivas, enquanto que cada professor pode pensar que tudo é uma questão de vontade e de liberdade. Mas a sociologia não pode dizer qual é a boa pedagogia e a boa maneira de dar aula. Ela define mais os problemas do que as soluções.

IHU On-Line - Qual a riqueza da escola enquanto espaço sociológico de acúmulo de experiências?

François Dubet - Creio que a boa escola é aquela que permite, a cada aluno, se formar como sujeito, como indivíduo capaz de construir e de controlar a sua experiência e de dar um sentido aos seus aprendizados. Porém, freqüentemente, a escola destrói seus alunos, seja porque eles não cessam de fracassar e de depreciar, seja porque seu aprendizado não tem um sentido para eles. É verdade que hoje as coisas são mais difíceis para a escola, pois ela não tem mais o monopólio da transmissão da cultura e das informações. Ela vê o avanço de outras instituições, de outras formas de comunicação e, sobretudo, de outros tipos de autoridade. Todavia, não creio que a escola deva renunciar ao seu papel e à sua especificidade. Talvez ela deva fornecer os instrumentos para utilizar a mídia e as novas tecnologias a fim de que os alunos saibam utilizá-los sem serem seduzidos.

IHU On-Line - Na sua opinião, em que sociedade vivemos? Quais as principais expressões contemporâneas da nossa sociedade? O que caracteriza sua crise de valores, suas ambigüidades e suas incoerências?

François Dubet - Não se deve lamentar o tempo passado que nem sempre foi melhor do que o presente. Mas a incoerência fundamental reside hoje entre o progresso e a consciência democrática de todos, e o desenvolvimento das desigualdades sociais. Há menos declínio de valores e uma contradição crescente entre estes valores e a realidade social, o que conduz a uma desconfiança em relação às instituições, à política e aos outros. O problema central é menos uma questão de valores do que de injustiças sociais.

IHU On-Line - Quais as instituições (escola, igreja, trabalho) de nossas sociedades que melhor cumprem o papel de socializar as pessoas?

François Dubet - Todas as instituições desempenham um papel. Mas o problema vem do fato de que elas são cada vez menos instituições identificadas a valores indiscutíveis. A escola, principalmente, está cada vez mais identificada a um mercado no qual os indivíduos vêm buscar identidades sociais. A socialização é, então, um processo complexo e nenhuma instituição é dominante. O principal é que cada uma delas esteja em condições de desempenhar o seu papel. Penso que a escola não pode fazer tudo e que ela não é capaz de salvar o mundo. Ela deve simplesmente ser uma boa escola. 

IHU On-Line - Quais os rumos da sociologia hoje? Para onde ela vai, quais caminhos se abrem e quais os principais desafios?

François Dubet - O principal desafio da sociologia é o de construir uma imagem da sociedade aceitável e de recusar todas as ideologias que só reúnem mercados e concorrências egoístas. Neste aspecto, a sociologia deve ser um projeto de conhecimento e um projeto de definição de uma maneira de se viver em conjunto em uma sociedade de indivíduos.

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