Edição 282 | 17 Novembro 2008

“Hopkins certamente deve ser encarado como alguém à frente de seu tempo”

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André Dick

Para o professor Thomas Burns, Hopkins realizou poemas devastadores, talvez porque emergiram de um homem de fé

Na visão do professor de literatura Thomas Burns, o poeta Hopkins representa mais do que se imagina. Desse modo, “o desespero manifesto nos poemas de Hopkins” parece, para Burns, “ser pessoal e espiritualmente motivado em vez de social, cultural e politicamente motivado, como no modernismo”. Burns também considera que, apesar da complexidade de sua poesia, ela é mais acessível do que os trabalhos de Pound e Eliot, que apresentam “inúmeras alusões clássicas, lapsos enigmáticos e fragmentos de antigos textos que fazem Eliot e Pound tão difíceis”. Em relação aos poemas da fase mais melancólica de Hopkins, Burns adianta, na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line: “Não vi nada na poesia inglesa que fosse às profundezas do desespero e do sofrimento como esses poemas. O narrador desses poemas atinge o fundo. Eles são absolutamente devastadores e tudo o mais, talvez porque emergiram de um homem de fé”.

Thomas Burns fez Letras Clássicas na Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos EUA, durante a década de 1969 e, uma década mais tarde, o mestrado na UFMG. Possui doutorado em Letras (Inglês e Literatura correspondente), pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e, atualmente, é professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais.

IHU On-Line - Como o senhor avalia que Gerard Manley Hopkins alia vida e obra em sua trajetória (por exemplo, a ligação entre religião e poesia)?

Thomas Burns - A vida de Hopkins é notável por seu compromisso religioso. Ao mesmo tempo, ele demonstrou grande devoção (se me for permitido usar essa palavra) à arte na forma de música, pintura e especialmente poesia. Acredito que ambas as atividades, na arte e na religião, em princípio entraram em conflito, mas vieram eventualmente a alimentar-se uma à outra. Para um inglês, abraçar o rito romano é uma conversão mais radical que aqueles de nós em uma cultura predominantemente católica podemos imaginar. Pense em outro inglês famoso convertido, o novelista Graham Greene e sua torturante relação com a Igreja.

O conflito entre religião e arte manifestou-se tão logo Hopkins foi recebido pela Igreja. Um poema como “The wreck of the Deutschland” lida com a relação do poeta com o evento e com Deus, e assim estabelece um tipo de padrão para seus futuros poemas religiosos. Podemos ver, portanto, que eventualmente religião e poesia podiam realmente nutrir-se uma da outra em vez de entrarem em conflito, como Hopkins havia pensado originalmente. Pensemos em versos tão bons, como os de “The windhover”, “Pied beauty”, e “God’s grandeur”, nos quais o poeta celebra a beleza de um mundo protegido e enriquecido por Deus.

Precursor do modernismo

Eu diria que a riqueza de imaginário encontrada em Keats e Swinburne é evidente nos poemas de Hopkins. E ele é, sem dúvida, um revolucionário na poesia e, portanto, pode ser visto como um precursor do modernismo, ainda que, diferente de Pound e Eliot, seu trabalho seja muito mais acessível, uma vez que não contém inúmeras alusões clássicas (apesar de Hopkins ter sido um estudioso clássico notável na Oxford), os lapsos enigmáticos e fragmentos de antigos textos que fazem Eliot e Pound tão difíceis. O desespero modernista no mundo contemporâneo é também ausente, é claro, uma vez que Hopkins vem de um período anterior, mais sereno que este da Primeira Guerra Mundial, o qual inspirou o modernismo, mas, no que concerne à fé, pode ser visto como análogo ao de Eliot. Eu diria que a crise de fé entre poetas cristãos foi, no entanto, maior no período moderno depois da Primeira Guerra Mundial. O desespero manifesto nos poemas de Hopkins me parece ser pessoal e espiritualmente motivado em vez de social, cultural e politicamente motivado, como no modernismo.

À frente do seu tempo

Hopkins certamente deve ser encarado como alguém à frente de seu tempo, um precursor da poesia moderna, no que se refere sobretudo à técnica poética. Comparado com seus vitorianos contemporâneos, é como se ele se precipitasse do céu. Temas religiosos à parte, sua linguagem é totalmente original, usando neologismos, aliterações pesadas, sintaxe elíptica, hifenizações não-ortodoxas, e, é claro, seu famoso sprung rhythm. Sua poética revolucionária pode ser melhor percebida em seus sonetos — uma forma tradicional — os quais ele (re)torce para acomodar suas técnicas.

IHU On-Line - Hopkins seria, para a literatura inglesa, uma espécie de Joyce da poesia? Quais as aproximações que o senhor faria entre eles?

Thomas Burns - Eu tomaria cuidado com tal comparação a não ser no sentido mais geral. Joyce era um mestre da prosa narrativa (seus poemas líricos eram, ao contrário, pobres e convencionais). Tomados em conjunto, no entanto, ambos os homens reinventaram, de certa forma, a linguagem inglesa tanto para a poesia quanto para a prosa. No entanto, a influência direta de ambos pode ser freqüentemente exagerada. A poesia continuou a ser escrita como se Hopkins nunca houvesse existido, embora ele seja, acredito, largamente admirado pelos poetas hoje. A conquista de Joyce, também, é tão monumental que ele teve dois imitadores diretos (se pensa imediatamente em Malcolm Lowry e Anthony Burgess). Por sua vez, os escritores irlandeses tiveram, em certo ponto, que decidir, como futuros escritores, o que iriam fazer a respeito da figura monumental permanentemente em seus caminhos: se iriam confrontá-lo ou evitá-lo de alguma forma. Ao mesmo tempo, devo acrescentar que em seu caso seria difícil imaginar a ficção do século XX sem Joyce, para o qual sua influência pode ser vista de várias formas: linguisticamente, tematicamente e narrativamente.

IHU On-Line - Jakobson destacou a “prodigiosa visão de estrutura” que possuía Hopkins. Ao mesmo tempo, ele é um poeta com características metafísicas. De que maneira, na sua opinião, se alia a metafísica e uma espécie de domínio verbal em seu trabalho?

Thomas Burns - Jakobson, uma das figuras importantes do estruturalismo, pode ter esperado que se visse a poesia dessa forma, mas não estou certo do que ele quer dizer no caso de Hopkins. Hopkins usou formas tradicionais com grande agilidade, mas estrutura me parece ser um aspecto menos importante em seu trabalho que o jogo de linguagem. Se “metafísica” é o termo tradicionalmente utilizado para se referir a poetas como John Donne, então parece haver um tipo similar de “ginástica” no texto de ambos: a complexa sintaxe e as surpresas léxicas que tanto admiraram seus contemporâneos. Se metafísico se refere a questões filosóficas, no entanto, as preocupações de Hopkins parecem ser aquelas sobre a possibilidade da fé em um mundo secular.

Deus em duas épocas

Talvez uma observação sobre um dos mais bem conhecidos poemas de Hopkins, “God’s grandeur”. Esse poema vale ser mencionado como um primeiro exemplo de literatura ecológica. Em primeira instância, o poeta lamenta o envenenamento da Terra pelo homem e sua perda de contato com a essência da Natureza, e o que é interessante é que ele usa um imaginário dos processos industriais. A segunda instância, no entanto, marca o poema como datado, uma vez que o poeta traz Deus como salvador do planeta, enquanto que hoje em dia não estamos certos de que possa ser salvo de nossas próprias depredações.

IHU On-Line - O que faz, na sua opinião, o poeta Hopkins ser tão importante na poesia internacional. Há poemas específicos de Hopkins que mais atraem sua atenção? Por quais motivos?

Thomas Burns - Não estou certo de que Hopkins possa ser considerado um importante poeta “internacional”, uma vez que a natureza daquilo que ele alcançou poderia parecer fazê-lo uma figura menor na tradução. Com tantos tradutores de poesia tão habilidosos de que tenho conhecimento no Brasil, no entanto, pode não ser proibitivo para ele ser conhecido aqui e em outras culturas cujo idioma não seja o inglês.

Os poemas que mais atraem minha atenção são as séries de sonetos soturnos os quais ele escreveu enquanto passava por alguma crise pessoal, espiritual. Esses não têm títulos, mas as primeiras linhas de alguns dos melhores são: “No worst, there is none. Pitched past pitch of grief” e “I wake and feel the fell of dark, not day”. Não vi nada na poesia inglesa que fosse às profundezas do desespero e do sofrimento como esses poemas. O narrador desses poemas atinge o fundo. Eles são absolutamente devastadores e tudo o mais, talvez porque emergiram de um homem de fé.

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