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Bruna Quadros
“Nossa situação financeira era razoável. Não se passava fome, mas também não era uma vida de esbanjo. Tínhamos as condições mínimas para sobreviver.” Assim, Sueli Angelita da Silva começa a contar a sua trajetória de vida. Penúltima de seis filhos – dois homens e quatro mulheres –, ela começou a trabalhar ainda criança, aos nove anos de idade. “Nós estudávamos, brincávamos um pouco e ainda fazíamos alguma coisa para ajudar. Como nasci em uma cidade de indústrias calçadistas, Novo Hamburgo (RS), nos criamos trabalhando nesta área, também.” Seus pais, João Pedro e Guiomar, eram metalúrgicos. Ela conta que, para sustentar os filhos, seu pai chegou a ter três empregos. “Além de trabalhar na indústria metalúrgica, ele plantava nas terras da família dele, que trabalhava com agricultura, e fazia trabalhos de jardinagem. Minha mãe também trabalhava com jardinagem e artesanato, até conseguir se encaminhar no mercado de trabalho.”
Apesar de trabalhar muito, Sueli destaca que sua infância foi feliz. “As brincadeiras e as alegrias da infância me marcaram muito. Fui muito peralta, de subir em árvores e jogar bola.” Até hoje, Sueli conserva as amizades da infância. Foi nesta época também que aprendeu com seus pais algo muito valioso, que ela carregou para a vida. “Aprendi que o importante é a gente se gostar e se valorizar.” Do seu pai, João Pedro, já falecido, Sueli herdou a alegria. "Meu pai tinha muita vontade de ser músico. Ele tocava vários instrumentos. Então, aos finais de semana, tinha cantoria em casa.”
Quando seu pai ficou desempregado e precisou mudar de ramo, Sueli e a família passaram por um momento difícil. “Eu estava com 11 anos.” Ela conta que morou em Porto Alegre durante seis meses, e a experiência não foi nada positiva. “Ao chegar ao bairro Bom Jesus, foi outra realidade. Lá, existia muita violência. Aí eu fui saber o que era tráfico de drogas. Minha mãe começou a me fechar dentro de casa, com medo que eu também caísse na marginalidade.” Quando a família voltou para Novo Hamburgo, a vida ficou ainda mais difícil. “Meu pai tinha se desfeito do imóvel e tivemos que comprar tudo de novo. Dali para frente, a gente começou a ver a vida de uma outra forma, tivemos que batalhar ainda mais.”
Sueli trabalhou na indústria de calçados até 1995. O primeiro emprego foi aos 14 anos. “Esta área, durante um tempo, foi como um trabalho escravo; se exigia demais e se pagava muito pouco.” Desde então, se dedica à prática do artesanato. “Comecei fazendo um cachorrinho de pano para o meu filho, Jéferson, hoje com 17 anos. Passei a fazer bonequinhas de tecido com cabelos de lã e outros artigos e fui para a frente de empresas para vender o material.” As encomendas dos artigos começaram a fazer parte da rotina de Sueli, que conseguia “se virar” muito bem na atividade. Hoje, vivendo em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, Sueli integra o grupo de artesãos da Feitoria, bairro onde mora. Ela conta que o grupo, integrado por 30 pessoas, existe há mais de três anos. “Cada um faz um tipo de artesanato. Fazemos parte da Economia Solidária e participamos de várias feiras. Eu, particularmente, trabalho com produtos voltados para religiões africanas, porque não existe este tipo de artesanato.” Outros produtos convencionais e até mesmo artigos culinários fazem parte do trabalho de Sueli.
“Teve uma época que eu andava meio depressiva, porque eu não conseguia trabalho com carteira assinada.” Com o trabalho informal no artesanato, Sueli passou a ficar mais confiante em si mesma, além de fazer com que os seus produtos manuais se transformassem em 40% da renda familiar. “Estou fazendo a minha parte, correndo atrás das minhas coisas, batalhando. No mercado de trabalho, a gente tem que ser de um determinado perfil, atender o padrão. Trabalhando em casa, me realizo, porque é um trabalho desenvolvido pelas minhas próprias mãos.”
Diante de toda a dedicação pelo trabalho social, o grande sonho de Sueli é poder voltar a estudar. E a força para este engajamento com a comunidade carente vem da religião. “Sou umbandista e trabalhamos muito com caridade. Acreditar em uma religião é ter força para seguir em frente. Se eu fizer o bem, se eu ajudar, vou receber algo em troca.”
Hoje, com 41 anos, Sueli se casou quando ainda tinha 23 com Flávio, que é metalúrgico. “Sou de uma família de casamentos duradouros”, afirma. No início, Sueli precisou superar alguns desafios. “Como eu era a filha mais nova, era muito mimada e não tinha aquela responsabilidade de cuidar de casa.” Cumplicidade e respeito formam a base que sustenta a união que já duram 18 anos.
“Poucas pessoas conseguem ingressar na faculdade e há uma deficiência na oferta de cursos técnicos.” Esta é uma das falhas apontadas por Sueli, na política brasileira. Para ela, estes sistemas de bolsas são, sim, muito bons. “Mas até que todos tenham acesso a um ensino superior no Brasil vai demorar muito. É preciso um investimento maior na educação, o melhor caminho para melhorar de vida.”