Edição 280 | 03 Novembro 2008

Perfil Popular - Sueli Angelita da Silva

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Bruna Quadros

Na última semana, a redação da revista IHU On-Line recebeu a visita de Sueli Anglieta da Silva. Aos 41 anos de idade, ela é uma das artesãs da Feitoria. O grupo de artesanato, que atua no município de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, é muito mais que uma alternativa para aumentar a renda da família. É a grande realização de Sueli, que se sente gratificada em ver que o trabalho sai das suas próprias mãos. Engajada com as causas sociais, ela também tem forte representatividade no bairro em que mora, passando adiante o que aprende com o artesanato. Confira, a seguir, a história de Sueli:

 

“Nossa situação financeira era razoável. Não se passava fome, mas também não era uma vida de esbanjo. Tínhamos as condições mínimas para sobreviver.” Assim, Sueli Angelita da Silva começa a contar a sua trajetória de vida. Penúltima de seis filhos – dois homens e quatro mulheres –, ela começou a trabalhar ainda criança, aos nove anos de idade. “Nós estudávamos, brincávamos um pouco e ainda fazíamos alguma coisa para ajudar. Como nasci em uma cidade de indústrias calçadistas, Novo Hamburgo (RS), nos criamos trabalhando nesta área, também.” Seus pais, João Pedro e Guiomar, eram metalúrgicos. Ela conta que, para sustentar os filhos, seu pai chegou a ter três empregos. “Além de trabalhar na indústria metalúrgica, ele plantava nas terras da família dele, que trabalhava com agricultura, e fazia trabalhos de jardinagem. Minha mãe também trabalhava com jardinagem e artesanato, até conseguir se encaminhar no mercado de trabalho.”

Apesar de trabalhar muito, Sueli destaca que sua infância foi feliz. “As brincadeiras e as alegrias da infância me marcaram muito. Fui muito peralta, de subir em árvores e jogar bola.” Até hoje, Sueli conserva as amizades da infância. Foi nesta época também que aprendeu com seus pais algo muito valioso, que ela carregou para a vida. “Aprendi que o importante é a gente se gostar e se valorizar.” Do seu pai, João Pedro, já falecido, Sueli herdou a alegria. "Meu pai tinha muita vontade de ser músico. Ele tocava vários instrumentos. Então, aos finais de semana, tinha cantoria em casa.”

Quando seu pai ficou desempregado e precisou mudar de ramo, Sueli e a família passaram por um momento difícil. “Eu estava com 11 anos.” Ela conta que morou em Porto Alegre durante seis meses, e a experiência não foi nada positiva. “Ao chegar ao bairro Bom Jesus, foi outra realidade. Lá, existia muita violência. Aí eu fui saber o que era tráfico de drogas. Minha mãe começou a me fechar dentro de casa, com medo que eu também caísse na marginalidade.” Quando a família voltou para Novo Hamburgo, a vida ficou ainda mais difícil. “Meu pai tinha se desfeito do imóvel e tivemos que comprar tudo de novo. Dali para frente, a gente começou a ver a vida de uma outra forma, tivemos que batalhar ainda mais.”

Sueli trabalhou na indústria de calçados até 1995. O primeiro emprego foi aos 14 anos. “Esta área, durante um tempo, foi como um trabalho escravo; se exigia demais e se pagava muito pouco.” Desde então, se dedica à prática do artesanato. “Comecei fazendo um cachorrinho de pano para o meu filho, Jéferson, hoje com 17 anos. Passei a fazer bonequinhas de tecido com cabelos de lã e outros artigos e fui para a frente de empresas para vender o material.” As encomendas dos artigos começaram a fazer parte da rotina de Sueli, que conseguia “se virar” muito bem na atividade. Hoje, vivendo em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, Sueli integra o grupo de artesãos da Feitoria, bairro onde mora. Ela conta que o grupo, integrado por 30 pessoas, existe há mais de três anos. “Cada um faz um tipo de artesanato. Fazemos parte da Economia Solidária e participamos de várias feiras. Eu, particularmente, trabalho com produtos voltados para religiões africanas, porque não existe este tipo de artesanato.” Outros produtos convencionais e até mesmo artigos culinários fazem parte do trabalho de Sueli.

“Teve uma época que eu andava meio depressiva, porque eu não conseguia trabalho com carteira assinada.” Com o trabalho informal no artesanato, Sueli passou a ficar mais confiante em si mesma, além de fazer com que os seus produtos manuais se transformassem em 40% da renda familiar. “Estou fazendo a minha parte, correndo atrás das minhas coisas, batalhando. No mercado de trabalho, a gente tem que ser de um determinado perfil, atender o padrão. Trabalhando em casa, me realizo, porque é um trabalho desenvolvido pelas minhas próprias mãos.”

Diante de toda a dedicação pelo trabalho social, o grande sonho de Sueli é poder voltar a estudar. E a força para este engajamento com a comunidade carente vem da religião. “Sou umbandista e trabalhamos muito com caridade. Acreditar em uma religião é ter força para seguir em frente. Se eu fizer o bem, se eu ajudar, vou receber algo em troca.”

Hoje, com 41 anos, Sueli se casou quando ainda tinha 23 com Flávio, que é metalúrgico. “Sou de uma família de casamentos duradouros”, afirma. No início, Sueli precisou superar alguns desafios. “Como eu era a filha mais nova, era muito mimada e não tinha aquela responsabilidade de cuidar de casa.” Cumplicidade e respeito formam a base que sustenta a união que já duram 18 anos.

“Poucas pessoas conseguem ingressar na faculdade e há uma deficiência na oferta de cursos técnicos.” Esta é uma das falhas apontadas por Sueli, na política brasileira. Para ela, estes sistemas de bolsas são, sim, muito bons. “Mas até que todos tenham acesso a um ensino superior no Brasil vai demorar muito. É preciso um investimento maior na educação, o melhor caminho para melhorar de vida.”

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição