Edição 280 | 03 Novembro 2008

A física de partículas. Uma área de fronteira como era a física nuclear nos anos 1930

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Patricia Fachin

Importantes para a física de partículas, as teorias dos ganhadores do Prêmio Nobel de Física 2008 serão fundamentais para conhecer, entre outras coisas, um novo tipo de astronomia: a astronomia de neutrinos, aponta o físico Vicente Pleitez

Yoichiro Nambu, japonês naturalizado americano, e a dupla japonesa Makato Kobayashi e Toshihide Maskawa foram consagrados com o Prêmio Nobel de Física deste ano, ao esclarecerem o funcionamento das quebras de simetria de partículas. Pela primeira vez, eles mostram que a simetria quiral é realizada na Natureza, superando a idéia de que quebra de simetria sempre implicava em sistemas físicos com a mesma massa. Importantes para a física de partículas, as descobertas apresentadas pelos pesquisadores são úteis para compreender processos maiores que, por enquanto, compõem os sonhos e perspectivas de físicos de todo o mundo.

Para compreender quais as implicações destas descobertas para a sociedade, a IHU On-Line entrevistou, por e-mail, o físico Vicente Pleitez, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita (Unesp). Segundo ele, a descoberta de Nambu permitiu compreender melhor o espectro de prótons e nêutrons. Mas quais os benefícios disso para a sociedade? As conseqüências diretas ainda não estão definidas com clareza, mas certamente ajudarão a solucionar o desafio do futuro: “usar partículas para começar um novo tipo de astronomia: a astronomia de neutrinos”, diz o pesquisador. Entre as boas notícias anunciadas para os próximos anos, Pleitez adianta: “Essa nova astronomia irá observar não a superfície das estrelas como até hoje é feito, mas o interior das estrelas”. E as promessas não param aqui. De acordo com ele, será possível, através de neutrinos, melhorar a compreensão física do sol. Isso, explica, “evitará panes no sistema elétrico e eletrônico (internet incluída), ajudará na seguridade dos astronautas na estação espacial, e na exploração rumo ao universo profundo espacial do futuro”.

Graduado em Química, pela Unviersidad de El Salvador, Pleitez cursou mestrado e doutorado em Física, pela Fundação Instituto de Física Teórica (FIFT), e pós-doutorado na mesma área, pelo International centre for the theoretical physics (ICTP), Itália. Mais detalhes no site do pesquisador http://www.sbfisica.org.br/~cpc/.

IHU On-Line – Como o senhor avalia a teoria desenvolvida pelos vencedores do Prêmio Nobel, que tentam esclarecer o funcionamento das quebras de simetria de partículas? No que consiste exatamente essa quebra de simetria de partículas?

Vicente Pleitez - As simetrias têm um papel fundamental na formulação de teorias em física. Porém, muitas das simetrias são apenas aproximadas e, por isso, saber como a Natureza realiza esse “afastamento” da simetria é muito importante. Y. Nambu  mostrou, pela primeira vez, como uma simetria das interações fortes (chamada por razões técnicas de simetria quiral) é realizada na Natureza: as leis que descrevem as interações fortes são simétricas sob transformações dessa simetria, mas o vácuo (estado de mínima energia) não é. Até então, pensava-se que uma quebra de simetria sempre implicaria sistemas físicos (partículas elementares, por exemplo) com a mesma massa. O mecanismo de Nambu diz que uma outra maneira, chamada “quebra espontânea de simetria”, não implica nisso, mas, sim, na existência de partículas de massa zero. Caso houvesse uma pequena quebra explícita, essas partículas (chamadas de bósons de Nambu-Goldstone) ganham uma massa pequena. Isso explicaria por que os píon (os mediadores das interações fortes descobertos por Cesar Lattes  e colaboradores em 1947) são as partículas hadrônicas mais leves.

Os outros dois laureados (Makoto Kobayashi  e Toshihide Maskawa ) encontraram o mecanismo para explicar a violação da simetria CP.  Está simetria consiste em duas operações feitas em qualquer ordem: P, que converte um objeto na sua imagem no espelho, e C, que transforma matéria em anti-matéria. Em 1964, foi observado pela primeira vez, para surpresa dos físicos, que essa simetria é violada em um sistema de partículas chamado de “káons neutros”. Nos anos 1990, foram observados outros sistemas que apresentam esse comportamento. Todos eles se encaixam no mecanismo de Kobayashi-Maskawa.

IHU On –Line – Qual é a importância dessas descobertas? Em que sentido isso muda nossa concepção de compreender o universo?

Vicente Pleitez - A compreensão do universo é um processo em andamento. As descobertas teóricas ajudaram a entender melhor certos processos de física de partículas elementares. Do ponto de vista da compreensão geral do universo, isso representa pouco. Essas descobertas inspiram mecanismos similares, mas em condições diferentes, por exemplo, em épocas mais remotas do universo, perto da grande explosão ou “Big Bang”. Mas, se essas idéias são úteis nessas condições, é um ponto em aberto. Por exemplo, o universo pode ter sofrido um período de expansão inflacionária, e outras transições de fase que usariam o mecanismo de Higgs  (uma maneira de evitar a existência de bósons de Nambu-Goldstone).
 
IHU On-Line – Essa teoria revela algo sobre o passado cósmico do Planeta Terra?

Vicente Pleitez - Nada. Pelo menos diretamente. É um erro comum na imprensa dizer que isso tem a ver com o passado do universo. Em 1967, o físico russo, prêmio Nobel da Paz, Andrei Sakharov  observou que um dos ingredientes para explicar a assimetria observada entre matéria e anti-matéria no universo seria a violação de CP. Mas o mecanismo de Kobayashi-Maskawa não pode explicar isso, porque a violação de CP gerada por ele é muito pequena, mas importante para a violação dessa simetria em física de partículas elementares. Ou seja, devem existir outras fontes de violação de CP, além da indicada por Kobayashi-Maskawa que expliquem aquela assimetria observada no universo.

As duas descobertas dos prêmios Nobel de Física deste ano são importantes para a física de partículas. Claro que esta área é importante para a cosmologia e astrofísica, mas neste caso somente indiretamente. O que importa para a cosmologia não são os mecanismos premiados, mas a própria idéia deles. Ou seja, o importante é que sabemos agora como construir teorias que violem CP. Isso mostra que existe uma maneira diferente de realizar as simetrias.

IHU On-Line – Qual a relevância desse mecanismo para física de partículas?

Vicente Pleitez – Grande. A descoberta de Nambu permitiu compreender melhor o espectro de hádrons.  Por outro lado, a descoberta de Kobayashi e Maskawa permitiu compreender as observações experimentais feitas desde 1964, e principalmente no final do século passado. Estas deram evidências claras que a simetria CP é violada em certos sistemas de partículas. Desde os anos 1960, foram propostas varias teorias para explicar isso, e é possível que outros mecanismos existam, mas, nos sistemas de partículas até agora observados, o proposto por eles é o mais eficiente. É importante ressaltar que o mecanismo de violação de CP proposto por Kobayashi e Maskawa implica na existência de seis tipos de quarks. Isso viria a ser confirmado ao longo dos anos. Quando os autores propuseram o mecanismo, apenas três quarks eram conhecidos e um quarto tinha sido proposto por outros autores por motivos que não consideraremos aqui.

IHU On-Line – Quais os impactos da descoberta de Yoichiro Nambu para a Física e a sociedade?

Vicente Pleitez - A física de partículas é uma área de fronteira. Hoje, ela é o que a física nuclear era na década dos anos 1930. Ninguém saberia dizer para que seria útil a energia nuclear naqueles anos. De fato, Ernst Rutherford,  um dos físicos nucleares mais importantes dizia que se alguém pensasse que a energia nuclear seria proveitosa, estaria louco. Você sabe o que aconteceu. No caso da física de partículas, não sabemos as aplicações diretas para a sociedade. Mas as pessoas têm tido, desde a mais remota Antigüidade, curiosidade de saber como funciona o universo, do que ele é formado, como ele evoluiu. Isso já seria suficiente para justificar a pesquisa nessa área. No entanto, podemos dizer mais. O conjunto de leis que regem a física do muito pequeno (estou falando de distâncias da ordem de 10-18 metros) levam a possíveis aplicações dos neutrinos. Todo o conhecimento obtido desde o início dos anos 1950 é utilizado para estudar as propriedades dos neutrinos. Em 2002, ficou definitivamente comprovado que eles têm massa. O desafio dos próximos anos é utilizar essas partículas para começar um novo tipo de astronomia: a astronomia de neutrinos. Já existem alguns telescópios de neutrinos operando em diferentes partes do mundo. Nos próximos anos, poderemos ter boas notícias. Essa nova astronomia irá observar não a superfície das estrelas, como até hoje é feito, mas o interior das estrelas. Ela vai melhorar a nossa compreensão da física do sol, e isso já tem implicações sem preço: o tempo solar evitará panes no sistema elétrico e eletrônico (internet incluída), ajudará na seguridade dos astronautas na estação espacial, e na exploração rumo ao universo profundo espacial do futuro.

Além disso, os neutrinos serão usados em breve para fazer uma tomografia da Terra. Se isso poderá ajudar na procura de minérios, e outras commodities, só o futuro poderá responder.

Mas, para termos esse conhecimento dos neutrinos, precisamos do resto do conhecimento da física de partículas elementares, dos píons; precisamos saber se a simetria CP é violada ou não, e, se é, qual é o mecanismo. Assim, não apenas as descobertas dos laureados, mas de todos os físicos teóricos e experimentais das últimas cinco ou seis décadas, são importantes para poder usar os neutrinos como mencionado acima.

HU On-Line - Em quanto tempo essas novidades estarão ao nosso alcance? Já existe uma perspectiva de prazo?

Vicente Pleitez - Já foi feito o SuperKamiokande,  o primeiro telescópio de neutrinos. Ele podia seguir o sol dia e noite apenas pela detecção de neutrinos. Isso ocorreu no fim do século passado; em 2002, outro telescópio de neutrinos foi criado, no Canadá, o Sudbury Neutrino Observatory. Há alguns anos estão funcionando ou em construção grandes telescópios de neutrinos, e o mais adiantado é o iceCube, na Antártida. Ele tem 1 km cúbico de volume dentro do gelo, mas não observa o sol. Atualmente, não estão ocorrendo explosões apropriadas, para a utilização desses aparelhos, mas, se isso vier a acontecer, eles vão “ver” os neutrinos emitidos nesse tipo de processo.

IHU On-Line - Qual a importância das nanotecnologias para esse processo?

Vicente Pleitez - Nenhuma por enquanto. O detector de neutrinos “de bolso” seria ideal. Atualmente, esses detectores são gigantescos (o superKamiokande tem 1000 toneladas de água super-pura). Veremos no futuro.

IHU On-Line - Com tantas descobertas, as leis básicas da física podem se tornar ultrapassadas?

Vicente Pleitez - Não. As leis da física mudam, mas pela energia, por exemplo, continuaremos a usar Newton para movimentos lentos e massas pequenas. Por outro lado, no domínio atômico, dependendo da energia, vamos usar átomos, núcleos, quarks, cada uma com suas leis apropriadas.

IHU On-Line – Em que sentido a Física pode explicar a criação do mundo?

Vicente Pleitez - A física conhecida e testada no laboratório pode explicar a origem do universo a partir de certo momento, digamos tempos da ordem de fração de bilionésimos de segundo depois da grande explosão. Devemos lembrar que o tempo de Planck,  o tempo no qual as leis da física conhecidas (incluindo a gravitação de Einstein ) deixam de ser válidas, é quando o universo tinha 10--44 segundos.  Vai ser difícil chegar mais perto desse possível começo.


O que é a simetria CP?

Quando nos olhamos num espelho estamos aplicando uma inversão espacial. Os físicos chamam isso de uma “transformação de paridade”, denotada por P. Assim como sua imagem é a mesma (o não) atrás do espelho, os físicos acreditavam que as leis da natureza deveriam ser as mesmas atrás do espelho (mas algumas pessoas de grande imaginação, Lewis Carroll,  por exemplo, já disseram [Ver Alice através do espelho] que mesmo as coisas comuns não teriam porque ser iguais atrás do espelho. Em 1957, foi observado em certos processos nucleares que essa simetria, P, não é conservada. A imagem no espelho desses processo é diferente do processo na frente do espelho! Então, direita e esquerda seriam absolutas e não uma convenção humana? Não deveria ser assim. Para recuperar a  simetria especular, os físicos pensaram: talvez o “espelho” da física não faça simplesmente criar uma imagem atrás do espelho, mas também transforma matéria em anti-matéria! Essa transformação é denotada pela letra C e foi descoberta no final da década de 1930. Então, o espelho correto para as leis físicas seria a combinação das duas simetrias: CP ou PC, não importa a ordem em que façamos as transformações. Isso pareceu arrumar a casa. Mas, nos anos 60, de novo de maneira inesperada, foi observada uma violação dessa simetria CP. Permaneceu um mistério até que ao longo dos anos 1990 foi confirmado que a maneira como essa simetria é violada é a proposta por Kobayashi e Maskawa, em 1973. (Fonte: Vicente Pleitez)

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição