Edição 273 | 15 Setembro 2008

Em busca do Reino dos Céus?

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Patricia Fachin

Com a promessa de um futuro promissor, jovens são atraídos pelas igrejas neopentecostais, diz Karina Bellotti

“A Teologia da Prosperidade ensina que ganhar dinheiro não é pecado, e que Deus criou todos para serem felizes e desfrutarem da vida aqui e agora.” Com essa mensagem, e dispostas a acolher a juventude com seus medos, angústias, e principalmente com o “seu jeito de ser”, as igrejas neopentecostais estão se tornando um sucesso entre os jovens brasileiros.  Segundo a especialista em religião Karina Bellotti, o público juvenil está em busca de “um porto seguro”, quer estabilidade, um espaço para se engajar em projetos, e desejam se sentir importantes.  Ao valorizar as questões financeiras, aponta a pesquisadora, pode ser que as igrejas “ensinem aos jovens o valor do dinheiro, a importância de estabelecer metas e de batalhar por elas”.

Mestre em História, pela Unicamp e doutora em História Cultural, pela mesma universidade, Karina Bellotti é autora do livro A mídia presbiteriana no Brasil. Luz para o caminho (São Paulo: Annablume, 2005). Confira a entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.

IHU On-Line - Como explicar o sucesso das igrejas neopentecostais entre os jovens?

Karina Bellotti - São igrejas que abrem vários espaços para esses jovens atuarem com uma linguagem própria e um variado jeito de ser. Há tanto igrejas com públicos jovens específicos como a Bola de Neve  (surfistas, esportes radicais) e igrejas que possuem ministérios jovens, com música, louvor, bandas e corais.
 
IHU On-Line - Como compreender a adesão da juventude a igrejas evangélicas que prometem um casamento estável e um futuro prospero, num mundo pós-68 (momento em que jovens reivindicaram liberdade sexual, por exemplo)?

Karina Bellotti - O fato de igrejas terem ministérios voltados para jovens não significa que são igrejas com discurso liberal em termos de costumes e valores. Justamente por manterem o discurso conservador e prometerem uma estabilidade desejada por muitas pessoas que vivem, por exemplo, num contexto de violência, de diversas configurações familiares e de dificuldades financeiras, é que elas fazem tanto sucesso.
 
IHU On-Line - Como a senhora avalia, em contrapartida, os jovens que iniciam a vida sexual mais cedo (entre 12 e 13 anos), e que mantêm relações sexuais com mais de um parceiro? O que diferenciam esses dois universos juvenis?

Karina Bellotti - É fato que muitos jovens, atualmente, têm uma conduta sexual diferente do que foi ensinado às gerações anteriores, o que se traduz em um maior número de casos de gravidez na adolescência, com todos os efeitos que essa  situação causa às jovens mães: abandono da escola, subemprego, entre outros. Porém, o fato de os adolescentes evangélicos seguirem igrejas com um discurso conservador não os livra automaticamente dos problemas do “mundo”. Se, por um lado, há uma rede social mais vigilante dos costumes desses jovens evangélicos, por outro, eles vivem em um mundo em que muitas decisões estão nas mãos deles e não da igreja. Por isso, compete a cada um viver segundo as crenças e práticas em que acreditam.
 
IHU On-Line - Em que sentido as igrejas neopentecostais estão criando novas identidades juvenis?

Karina Bellotti - Acredito que elas não criam muitos universos juvenis, mas sim se apropriam de identidades que já existem na cultura jovem, para adaptá-las conforme sua mensagem. O uso de música, ritmos pop nos cultos, a criação de espaços de diversão “sadia”, segura, com tudo o que agrada à moçada, como a Cristoteca ou pubs evangélicos, mas sem drogas, álcool e sexo livre, são bons exemplos para ilustrar essa realidade.
 
IHU On-Line - O que os jovens estão buscando através da religião?  Eles tentam, através dela, suprir algumas carências e anseios?  Como a senhora os caracteriza?  

Karina Bellotti - Assim como há diferentes jovens, há diferentes tipos de busca. Uns querem estabilidade, tradição, um porto seguro. Outros querem um espaço de sociabilidade seguro, sem abdicar da cultura pop; outros querem paz interior, respostas para suas angústias. Muitas vezes, querem ter um espaço para se engajar em projetos, exercitar suas habilidades artísticas, sentirem-se importantes e atuantes. Há diversas religiões, o que permite acomodar diversos tipos de desejos e anseios. Se o jovem se cansa de uma, pode procurar outra, assim como qualquer adulto.
 
IHU On-Line - A política do acolhimento adotada pelos evangélicos faz a diferença na captação de fiéis jovens?

Karina Bellotti - Com certeza, pois  é importante que  o jovem não se sinta julgado pela roupa que veste, pelo visual, pela linguagem. Se uma igreja - independente da denominação - aceita o jovem como ele é, e promove um espaço para ele se sentir bem, subirá no conceito desse jovem, e poderá até receber mais membros da sua turma.
 
IHU On-Line - A teologia da ascensão material é evidente nas igrejas neopentecostais. Quais os valores que elas ensinam aos jovens? Que tipo de juventude essas igrejas estão criando?

Karina Bellotti - Essa Teologia da Prosperidade ensina que ganhar dinheiro não é pecado, e que Deus criou todos para serem felizes e desfrutarem da vida aqui e agora. Também trabalham com a idéia de que, para alcançar o sucesso financeiro, é preciso estabelecer uma relação de troca financeira com Deus intermediada pela igreja, pelo pagamento de dízimos e ofertas. Há quem critique essa prática, pois estaria estimulando o materialismo. Porém, ao dar atenção ao dinheiro, pode ser que elas ensinem aos jovens o valor do dinheiro, a importância de estabelecer metas e de batalhar por elas. Mas somente o futuro nos dirá sobre a influência da Teologia da Prosperidade na vida da juventude.
     
IHU On-Line - As práticas empresariais adotadas pela igreja evangélica vão de encontro aos sonhos dos jovens?

Karina Bellotti - São muitos os jovens, e cada um possui sonhos diferentes. Pela pesquisa Datafolha, vemos que os sonhos mais comuns dos jovens são emprego, uma vida familiar feliz, casamento. Assim, essas igrejas promovem coisas que estão de acordo com os sonhos dos jovens, e também de muitas pessoas que desejam entrar - e permanecer - no mundo do consumo, no mundo do bem-estar pleno (físico, material, espiritual) como ocorre com as pessoas que aderem a essa igreja e a outras que possuem orientação semelhante.

Leia Mais...

>> Karina Bellotti já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Para conferir a íntegra do material, acesse as Notícias do Dia no sítio do Instituto Humanitas Unisinos (IHU), www.unisinos.br/ihu.

Entrevista:

• A mídia religiosa e a reafirmação de identidades. Notícias do Dia, de 15-05-2006;

• Delas é o reino dos céus. Notícias do Dia, de 03-04-2007.

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