Edição 273 | 15 Setembro 2008

Espaço de socialização gera perspectiva de emprego

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Patricia Fachin

Atividades praticadas na lan house garantem perspectiva de um futuro melhor para os jovens, diz Vanessa Andrade Pereira

As atividades praticadas na lan house significam uma perspectiva de futuro para muitos jovens, e quem sabe até um emprego no concorrido mundo contemporâneo, dominado pelas técnicas digitais. Em busca de oportunidades, “eles não só sentem sua estima elevada pelo fato de não serem considerados ‘analfabetos digitais’, porque não o são, como também acabam conseguindo empregos”, afirma a antropóloga Vanessa Andrade Pereira. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, a pesquisadora traça um perfil dos jovens gaúchos que freqüentam a X-play lan house, em Porto Alegre. Segundo ela, muitos deles vislumbram uma mudança de vida e compreendem “os ‘clamores’ da sociedade urbana, sabem o que precisam para ‘se dar bem’e querem alcançar isto com o ‘mínimo esforço’”.

Docente da Escola Superior de Propaganda e Marketing, de Porto Alegre, Vanessa Andrade Pereira é mestre em Comunicação e Informação, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e doutora em Antropologia Social, pelo Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

IHU On-Line - Como explicar o fenômeno da lan house e a adesão da juventude a esse ambiente? Que jovens fazem parte desse universo?

Vanessa Andrade Pereira - Os jovens que estudei são de camadas populares; é importante ressaltar este ponto, pois ele define um estilo de vida e visão de mundo singular. A maioria deles não tinha computadores de ponta e utilizava os da lan house para jogar.

Além de ser uma casa de jogos, a lan house é um espaço de sociabilidade. A idade dos freqüentadores varia de 12 a 18 anos, mas os adolescentes de 15 e 16 anos são os mais assíduos. É interessante pontuar que a inclinação dos jovens pela lan house corresponde muito a um momento específico da vida: a adolescência, quando há, geralmente, apenas um turno de atividade efetiva (aula), e um tempo considerável para exercer outras atividades. No caso dos jovens estudados, era comum irem para a lan house às 14 horas e saírem às 23h, mas isto não significa que ficassem o tempo todo jogando. Eles perambulavam dentro e fora do espaço da lan, andavam de skate na calçada em frente à loja, iam ao bar comprar guloseimas, trocavam idéias com os amigos, enfim, era um espaço para se “estar”, como uma “praça”, ou um “shopping”.

IHU On-Line - Como ocorre a sociabilidade on-line e off-line entre os jovens pesquisados pela senhora?

Vanessa Andrade Pereira - Quando estão no espaço da lan house, os jovens estabelecem contatos com pessoas que estão fisicamente presente, ou seja, no mesmo espaço (off-line) e também com outras que são contatadas no ciberespaço (on-line). Isso mostra que os jovens têm ampla habilidade para lidar com suas amizades nos dois modos citados, entrecruzando-as. Eles marcavam encontros, geralmente com meninas, que conheciam on-line, pelo MSN (Messenger) ou Orkut (site de relacionamento), mas também tinham laços fortes com amigos que compartilhavam o mesmo game, no Brasil e exterior. Um dos jovens comentou que tinha uma amiga canadense, contatada no game Tibia,  com quem aprendeu a falar inglês. Outro jovem, líder de um clã (grupo organizado para jogar contra outros), disse que se sentia muito à vontade quando está na rede, “conversando” com os amigos ou jogando. A presença física não é um limitador para o estabelecimento de laços duradouros, embora não se possa dizer que eles não considerem importante estar fisicamente entre amigos e ter namoradas, as quais possam beijar e abraçar.

Eles lidam com “naturalidade” nos dois ambientes, sabem seus limites, conhecem suas potencialidades, dominam sua linguagem particular, reconhecem as possíveis “falcatruas” (falsificações de personalidades) a que estão sujeitos, e dominam a arte de falsificar personalidades. A multiplicidade de identidades não é um problema que enfrentam, mas uma realidade que vivem e ajudam a construir.

IHU On-Line - A lan house, enquanto meio de socialização, tem remodelado o comportamento da juventude ou redefinido modos de relacionamento social juvenil?

Vanessa Andrade Pereira - Sim. Ela funciona como um espaço de lazer, como o shopping, praças, ruas, mas não podemos desconsiderar o fato de ela possibilitar o acesso ao mundo virtual da Internet, colaborando assim para a manutenção desta intrincada rede de relacionamentos on e off-line que os jovens gerenciam cotidianamente. Então, diria que eles têm motivação para ficar na lan house não apenas para jogar, mas para encontrar amigos das duas esferas, num espaço especificamente juvenil.

IHU On-Line - Quais os valores dessa juventude digital? Que sentimentos fazem parte do imaginário desses jovens?

Vanessa Andrade Pereira - Compartilhar o campo de batalha no game cria uma relação de proximidade e companheirismo. Porém, vários valores estão “em xeque” dentro e fora do jogo: lealdade, honra, virilidade, beleza, esperteza, sinceridade, honestidade. Enganar alguém usando uma personalidade feminina para conseguir itens no game é visto como um ato de perspicácia, e não de “trapaça”. Mas, se o “trapaceado” descobre que foi enganado por outro jogador, ele chama os amigos para se vingar do “trambiqueiro”, matando o personagem com a ajuda de todos.

Os valores da juventude digital são os mesmos da sociedade, das relações familiares. É um erro pensar que o game “cria” um valor que possa ser desconectado de uma referência de vida dos jogadores. Se há uma maior distribuição e aceitação de games violentos, precisamos observar quais valores estamos cultuando, e por que eles permitem que esses jogos façam sucesso entre a juventude. Dizer que games de disputas promovem e incentivam a violência, é um exagero. Há uma série de trabalhos na área das Ciências Cognitivas que exaltam a importância do game para o desenvolvimento de certas habilidades em jovens com problemas de dislexia, por exemplo.
 
IHU On-Line - Por que meninos e meninas desenvolvem atividades diferentes na lan house (eles jogam e elas assistem)?

Vanessa Andrade Pereira - Definitivamente, não sei. Não foi um dado que pesquisei a fundo; ele aparece na pesquisa mais como uma constatação. As meninas apresentam seus motivos: preferem conversar, gastar dinheiro com outras coisas (festas, bijuterias, cigarro). Este ponto merece ser explorado, porque existem meninas que jogam, e jogam bem. Mas sofrem preconceito dos meninos, que dificilmente aceitam perder para uma mulher, se dirigindo a elas com xingamentos e agressões verbais. 

IHU On-Line - Alguns jogadores dedicam horas do dia aos jogos. De que maneira essa opção interfere na produção de outras atividades, como a freqüência escolar, por exemplo?

Vanessa Andrade Pereira - Esta pergunta é muito interessante, pois foi um dado com o qual me preocupei muito, depois de observar um alto índice de defasagem escolar entre meninos de 17 anos. Mas não penso que este fato acontece só pela ampla dedicação aos games, afinal, se não se dedicassem a isso, dedicariam-se ao skate, bicicleta.

IHU On-Line - Alguns dos freqüentadores da lan house pesquisada pela senhora são adeptos do discurso de que as atividades aprendidas na escola não serão úteis no futuro. Eles consideram que as atividades praticadas na lan house trarão algum retorno? Por que essa preferência pelos jogos eletrônicos?

Vanessa Andrade Pereira - Eles não dizem, mas sabem que as práticas na lan house são úteis sim, no presente e futuro. Eles não só sentem sua estima elevada pelo fato de não serem considerados “analfabetos digitais”, porque não o são, como também acabam conseguindo empregos. Muitos trabalharam em lan house (sonho de todos); outros produzem vídeos para eventos (15 anos, formaturas). É como se todos conseguissem vislumbrar uma mudança de vida no mundo contemporâneo que tem como mote o domínio da técnica informacional. A maioria deles quer fazer um curso técnico de informática, mas, infelizmente, são impedidos, devido às condições financeiras.

Esses jovens compreendem os “clamores” da sociedade urbana, sabem o que precisam para “se dar bem” e querem alcançar isto com o “mínimo esforço”. Ter conhecimento na área de informática é, na visão deles, um caminho para obter um futuro melhor.

Com 18, 19 anos, eles não disponibilizam mais tanto tempo aos jogos, mas a informática ainda continua sendo importante em suas vidas. Não encontrando caminhos profissionais que lhes sejam interessantes, optam por permanecerem fazendo “bicos” na área técnica.

Leia Mais...

>> Vanessa Andrade Pereira já participou de outras publicações do IHU. Confira o Cadernos IHU Idéias 99, intitulado Sociabilidades contemporâneas: os jovens na lan house. O texto está disponível aqui.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição